Cida Moreira
A cantora, pianista e atriz Cida Moreira é uma artista única, dona de uma obra personalíssima. Desde seu primeiro disco, “Summertime”, em 1981, que ela encanta ouvidos de gosto apurado. E na telas do Cinema Nacional tornou-se, junto com Carla Camurati, musa do cinema inventivo da dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins, na trilogia formada por “O Olho Mágico do Amor”, “Onda Nova” e “Estrela Nua”.
Legítima representante da vanguarda paulista, Cida Moreira não faz concessões comerciais em seu trabalho. E se o resultado acaba por afastá-la do grande público, a insere num círculo de privilegiados que há mais de duas décadas se surpreende com a inteligência, o vigor e os caminhos descortinados pela artista.
Cida Moreira conversou com o Mulheres pelo telefone, de sua casa em São Paulo, e faz uma breve panorâmica sobre sua trajetória, seus filmes, seu trabalho na televisão - “odeio novela” -, seus discos e suas preferências na tela do cinema brasileiro.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Você é uma atriz de presença forte em cena e é, para mim, uma das maiores cantoras da música brasileira. Como você começou sua carreira, pela música ou pelo teatro?
Cida Moreira: Pela música, sempre pela música, tudo que faço deriva da música. Eu nasci em São Paulo, mas morei numa pequena cidade do interior, e lá estudei piano desde os cinco anos. A presença da música sempre foi muito forte na minha família, minha mãe tinha um bom gosto musical enorme, e pela parte do meu pai, de imigrantes italianos, o gosto pela música também era muito grande. Isso tudo despertou em mim essa relação com a música.
MCB: Mas profissionalmente você começou sua carreira nos anos 70, não é?
CM: Eu fui desenvolvendo minha trajetória musical de forma amadora até os anos 70. Fiz o conservatório em Londrina quando morei lá, onde tive formação em música erudita. Formei-me em psicologia em 1977, mas sempre fui ligada à arte. Já na fase universitária atuava em espetáculos de Brecht.
Minha estreia profissional se deu, aos 25 anos, com a peça “A Farsa da Noiva Bombardeada”, de Alcides Nogueira, em 77. E um ano depois atuei em “A Ópera do Malandro”, do Chico Buarque, com direção do Luiz Antônio.
MCB: Foi você, inclusive, a primeira a gravar “Geni e o Zepellin”, não foi?
CM: Sim. Na peça eu cantava no coro e quando gravei o primeiro CD, o “Summertime”, eu gravei a música. Cheguei a cantá-la, inclusive, em Cuba.
MCB: Esse disco é uma raridade, as pessoas vivem procurando por ele na internet.
CM: É esgotadíssimo. Esse disco tem as músicas do show do mesmo nome, é o show gravado, que eu realizei em 1981.
MCB: E sua chegada ao cinema?
CM: foi em 1981, no documentário “Certas Palavras com Chico Buarque” (de Mauricio Berú).
MCB: E nesse mesmo ano você faz o “O Olho Mágico do Amor”, da dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins.
CM: Sim, tudo ao mesmo tempo.
MCB: Então 1981 foi um ano muito especial na sua vida.
CM: Foi maravilhoso.
MCB: E como foi seu encontro com o Ícaro e o José Antônio? Porque você e a Carla Camurati são musas do cinema deles, já que estão nos três filmes da dupla.
CM: Sim, naquela época a Carla também estava começando. Eles já me conheciam dos trabalhos nos palcos e aí me convidaram.
MCB: E como foram as filmagens?
CM: Tudo muito porra louca. Era muito bom, mas ao mesmo tempo muito precário. Uma efervescência muito grande, mas também de muita ilusão.
Aliás, todo o momento da vanguarda paulista da época foi fundamental, mas a gente achava que ia frutificar mais. Ainda não teve muito desdobramento, no momento parece meio parado, vamos ver mais para frente.
MCB: Em 82 você faz o “Ao Sul do Meu Corpo”, do Paulo César Saraceni. Um cinema bem diferente do José Antônio e do Ícaro.
CM: Mas foi tão louco quanto. O Saraceni é tranqüilo, e um tanto à vontade também. “Ao Sul do Meu Corpo” é filme complicado, um roteiro difícil, do Paulo Emílio (Salles Gomes).
MCB: É um filme que muito pouca gente viu.
CM: Sim, ele foi muito mal lançado na época. É um filme que teve problemas.
MCB: Em 83 você volta a trabalhar como o José Antônio e o Ícaro, em “Onda Nova”.
CM: Sim, e nesse ano teve também o “A Flor do Desejo”, do Guilherme (Guilherme de Almeida Prado).
MCB: Um belo e premiado filme.
CM: Sim, “A Flor do Desejo” foi o primeiro filme do Guilherme, meu amigo querido. O Guilherme é caprichoso, sabe o que quer fazer, foi um filme de muitos prêmios. E teve também suas complicações. Quem ia fazer primeiro o filme era a Sandra Bréa.
MCB: É mesmo? Eu não sabia disso.
CM: Era ela. Mas aí ela deu uma pirada e foi demitida.
MCB: E entrou a maravilhosa Imara Reis.
CM: Sim, e deu tudo certo. Mas eu já tinha filmado minhas cenas com a Sandra e aí tive que fazer tudo de novo, imagina a situação (risos).
MCB: Em 84 você faz “Estrela Nua”, fechando a trilogia do José Antônio e do Ícaro.
CM: É. Você sabia que esse filme acabou me levando, com o Arrigo (Barnabé), para a Europa? Fizemos vários shows na Alemanha. E também me deu o APCA de atriz, assim também como “O Olho Mágico do Amor” já havia me dado.
MCB: A sua ligação com o Arrigo é forte, não é?
CM: Sim, o Arrigo é ótimo, é um gênio da música, e eu adoro trabalhar com gente assim. Tenho profunda admiração por ele. Nós nos conhecemos ainda na adolescência, em Londrina, no Conservatório.
MCB: Você tem algumas parcerias fiéis, como a com o cineasta e músico André Luiz de Oliveira (diretor de “”Meteorango Kid” e “Louco por Cinema”). Cheguei a assistir um show lindo de vocês juntos.
CM: Sim, o “Mensagem”. O André já está cuidando do segundo disco do “Mensagem” e prepara um novo longa, uma adaptação do livro “Viva o Povo Brasileiro” (do João Ubaldo Ribeiro).
MCB: E por fim tem “O Tronco”, do João Batista de Andrade. Como foi o convite para você atuar nesse filme.
CM: Como foi? Ora, ele me convidou, quem mais poderia ser, ou você acha que eu peço para trabalhar nos filmes?
MCB: Não é isso que quero dizer. É que nem sempre o convite parte do diretor, pode vir às vezes do produtor, do diretor de elenco, quando há, entre outros.
CM: Não, foi ele mesmo. Ele me convenceu a fazer aquela matriarca, mas o resultado final eu achei bastante frustrante. Eu acho que o problema do filme é a edição, ficou muita coisa boa de fora. Eu não gostei muito do resultado final, já disse isso a ele, inclusive.
Eu também fiz um filme na Amazônia, o “Eclipse Solar”.
MCB: Esse filme eu não conheço.
CM: É uma produção alemã, dirigida por Herbert Brodl (2000).
MCB: é uma co-produção?
CM: Não, é um filme alemão mesmo, só tem quatro atores brasileiros, eu, a Betty Gofman, o Natheus Nachtergaele e o Paulo Vespúcio. Sabe como eu fui parar nesse filme? O Herbert me viu pela primeira vez em Frankfurt, quando fui lá fazer aquela turnê pela Alemanha com o Arrigo. Depois me viu mais uma vez em algum outro lugar. Achei uma experiência muito interessante, ficar ali entranhada no interior do Amazonas.
MCB: Deve ter sido uma experiência única mesmo.
Entre os seus discos está o “Na Trilha do Cinema”, um belo registro de canções de inúmeros filmes. Como foi a seleção do repertório, foi uma seleção afetiva?
CM: Eu tinha sessenta músicas pesquisadas.
MCB: Mas a seleção final foi afetiva ou estética?
CM: Não. Eu tinha sessenta músicas. Na seleção final eu acabei privilegiando uma de cada gênero. Tem, inclusive, a “Vocalise”, do “Estrela Nua”.
MCB: É um disco tão bonito, se foram 60 músicas, você podia fazer um volume 2, um volume 3...
CM: Não, está tudo ali. O resultado da proposta está ali.
MCB: No seu último disco, “Uma Canção Pelo Ar”, tem uma música que foi feita para o filme “Cidade Mulher”, com a Carmen Santos, não é?
CM: A música (“Tarzan, o Filho do Alfaiate”, 1936, Noel Rosa e Vadico) já existia.
MCB: E como estão os trabalhos de divulgação do disco?
CM: Estão indo. Como os meus discos não são comerciais, eles não são datados. Tá indo devagar
MCB: E televisão? Novela?
CM: Eu odeio novela.
MCB: Você fez em 1982 “A Filha do Silêncio”, não é?
CM: Sim, mas uma participação. Como também foi em “Direito de Amar”, em que apareci no primeiro e no último capítulo. Agora novela inteira mesmo eu fiz “Estrela Guia”.
MCB: E fez a minissérie “Desejo”.
CM: Sim, mas aí é minissérie, que é outra coisa, normalmente tem um vigor literário. Novela deve ser bom para quem só faz novela.
MCB: Na história do Cinema Brasileiro, qual é a mulher que vem a sua cabeça, que você realmente gosta?
CM: A Ruth de Souza.
MCB: E filmes da safra atual, tem algum que você goste:?
CM: Tem vários. Gosto do “Diários de Motocicleta”, do Walter Salles, um filme extraordinário, como foi também com o “Terra Estrangeira”. O Walter tem muito valor. E gosto da Tata Amaral e do Beto Brant.
MCB: Fico feliz em ouvir você citando a Tata e o Beto, são mesmo dois cineastas vigorosos.
CM: É cinema com colhões. São muito bons. E gosto também de curtas, tem muita coisa boa aí.
Ah, fiz também um média-metragem, “O Bule”, com direção também do José Antônio Garcia, há uns quatro anos. É uma adaptação de Clarice Lispector, comigo e com a Vera Zimmerman, para a TV Cultura. Pelo formato, acabou tendo exibição fechada.
MCB: Muito obrigado e sucesso para você.
CM: Obrigada pelo carinho.
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