Rejane Faria
Rejane Faria é um grande destaque do cinema mineiro e da renovação das atrizes negras no país. Com formação no teatro com o curso de artes cênicas pelo UNIBH e em Teatro pela UFMG, começou na área artísica atuando e dirigindo teatro corporativo nos Correios, onde foi servidora de carreira. Atua profissionalmente nos palcos com o grupo quatroloscinco - teatro do comum, coletivo que participa desde sua fundação em 2007 e com o qual tem atuações destacadas em É só uma formalidade (2009), Outro lado(2011), Humor (2013), e Ignorância (2015).
Depois de trabalhos experimentais na área do audiovisual ainda na época da faculdade, estreia no cinema a convite da Filmes de Plástico, uma das produtoras mais premiadas de Minas Gerais, no curta Quinze (2015), de Maurílio Martins, como a namorada da personagem de Karine Telles, protagonista ao lado da atriz Malu Ramos. "A minha relação mesmo profissional se iniciou com a a produtora Filmes de Plástico, a convite do Maurílio (Martins) por indicação do produtor Thiago Macedo. Ele me viu em um espetáculo do Quatroloscinco e, depois de algum tempo, o Maurílio estava procurando uma atriz pra fazer uma personagem. Ele me indicou e o Maurílio acreditou nessa indicação mesmo sem ver nenhum material meu, porque ele estava morando fora na época e só iria chegar para filmar. Quando chegou, ele foi ao meu encontro, nós conversamos e ele falou o que ele desejava de mim, falou da personagem e o que ele esperava. Daí só nos encontramos depois já no set".
A parceria com a Filmes de Plástico se intensifica e Rejane Faria atua em mais quatro produções: os curtas Rapsódia para um homem negro (2015), de Gabriel Martins, pelo qual recebe o prêmio de Melhor Atriz no Festival Guarnicê de Cinema, no Maranhão, e Nada, curta de Gabriel Martins selecionado para a Quinzena de Realizadores no Festival de Cannes; e os longas No coração do mundo, ainda inédito de Gabriel Martins e Maurílio Martins, e Temporada (2018), de André Novais de Oliveira, selecionado para o Festival de Locarno, na Suíça, e para o Festival de Cinema de Brasília. Rejane Faria vem intensificando sua carreira cinematográfica atuando em curtas, longas e produções para a TV tanto em Minas como em outros estados, como Pernambuco e Espírito Santo.
Rejane Faria esteve na 21a Mostra de Cinema de Tiradentes, onde conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro. Na entrevista, ela fala do ínicio da trajetória artística, dos filmes e muito mais.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Vamos começar com você se apresentando.
Rejane Faria: Está bom. Rejane Faria, sou de Belo Horizonte, sou formada pela UNIBH, curso de Artes Cênicas com aperfeiçoamento em comunicação, e pela UFMG no curso de Teatro. Eu sou de 13 de abril de 1961, portanto, tenho 56 anos.
MCB: Paralela à carreira de atriz, você tem uma trajetória longa nos Correios, não é isso?
RF: Isso, nos Correios, na área cultural. Eu entrei nos Correis em 1986, trabalhando no atendimento de guichê de agência, e, em seguida à minha entrada, uns dois, três meses depois, eu vi passando pela agência um grupo de pessoas com figurinos. Eu fui questionar e me falaram que a empresa matinha um grupo de teatro com seus funcionários, um teatro corporativo, mas também do teatro convencional, textos comuns e tal. E aí de imediato eu fui procurar, eu tive interesse em procurar, conhecer o grupo, e nesse encontro eles me convidaram para fazer uma trilha sonora de um espetáculo infantil que acontecia no teatro dos correios em Porto Alegre. Nessa época, eu tinha uma banda, cantava, e aí fui fazer essa trilha ao vivo desse espetáculo infantil. A partir dele, eles já iam criar um novo para um encontro seguinte e eu fui convidada para fazer um papel, eu fui convidada como atriz e eu encarei. No meio do processo, eu comecei a desanimar porque eu tinha um diretor muito exigente que era o Ismael Silva, ele vinha do TU, então tinha um vasto conhecimento de teatro. Como ele era muito exigente, e era uma coisa que estava paralelo ao trabalho do dia, para mim estava ficando muito apertado, mas ele não deixou eu sair e nós fizemos esse espetáculo que era de um texto premiado do Festival Universitário do Rio de Janeiro, o autor é Dejair dos Santos. O espetáculo chama-se Feijão com Caruncho, uma comédia de costumes. Foi muito bom fazer, eu fiquei muito apaixonada pela forma, pela criação, pelo processo todo, e aí não parei mais. Mas eu só consegui vir estudar teatro de artes cênicas a partir de 2002, mais ou menos.
MCB: Ou seja, mesmo quando você estava em uma outra carreira, você já que queria fazer o curso de teatro, já era uma certeza.
RF: Tinha certeza. Eu, inclusive, parei de trabalhar nos Correios, fiquei 13 anos fora, saí, durante esse tempo estudei e depois retornei. Eu saí da empresa dirigindo o grupo de teatro porque esse diretor anterior, o Ismael, saiu e passou para mim essa função de direção do grupo, e aí também fazendo texto, dramaturgia de teatro corporativo. Eu fui me envolvendo com isso e, a partir de então, fique só com a área cultural, eu já fui trabalhar com eventos sociais, esportivos e culturais da empresa.
MCB: E aí depois da escola você entra para a fundação do Grupo Quatroloscinco?
RF: Sim. Durante o nosso curso a gente fez uma matéria com a Sara (Rojo), uma professora chilena da Letras e com ela nós começamos a trabalhar textos latino-americanos. Foi uma coisa que nos interessou muito porque nós começamos a perceber que a gente não tem ligação da forma que a gente deveria ter com os nossos hermanos, né? E aí a gente começou a ver também a quantidade de coisas que eram muito paralelas às nossas no sentido da fala, da questão política dentro do teatro. A gente foi se interessando por isso e fizemos um grupo de estudos, e dentro desse grupo se formou o Quatroloscinco - teatro do comum, que fez 10 anos em 2017.
MCB: O Quatroloscinco já tem uma trajetória de referência em Belo Horizonte, com trabalhos importantes e com o qual você pode firmar o seu nome como atriz de teatro, não é isso?
RF: Sim.
MCB: Como que se dá essa passagem do teatro para o audiovisual?
RF: Há uns cinco anos eu tive um primeiro convite para um filme profissional. Eu já tinha feito outras coisas de vídeo, mas tudo muito experimental, dentro da faculdade mesmo, alguns vídeos de formatura de estudantes de cinema. A minha relação mesmo profissional se iniciou com a a produtora Filmes de Plástico, a convite do Maurílio (Martins) por indicação do produtor Thiago Macedo. Ele me viu em um espetáculo do Quatroloscinco e, depois de algum tempo, o Maurílio estava procurando uma atriz pra fazer uma personagem. Ele me indicou e o Maurílio acreditou nessa indicação mesmo sem ver nenhum material meu, porque ele estava morando fora na época e só iria chegar para filmar. Quando chegou, ele foi ao meu encontro, nós conversamos e ele falou o que ele desejava de mim, falou da personagem e o que ele esperava. Daí só nos encontramos depois já no set.
MCB: Não teve teste?
RF: Não. Aí a gente fez o Quinze, que foi uma experiência maravilhosa, eu trabalhei com a Karine Teles, uma atriz incrível. Eu tive o primeiro contato com ela no set, com ela eu aprendi muita coisa, porque acho que a gente vive da observação, né?, e aí se você admira, observa, porque aí você vai aprender coisas que vão ser importantes. Com ela aconteceu exatamente isso, e a gente fez o Quinze e foi muito bom.
MCB: Vamos falar um pouquinho de o Quinze. Você faz uma personagem, um papel corajoso, porque ele já abre o filme com uma cena de sexo de vocês duas. É algo que deveria ser normal, mas que não é tão normal no cinema, a relação ali de duas mulheres em uma cena quase explicita, ou, pelo menos, bastante sugerida. Foi difícil de fazer ou foi tranquilo?
RF: Foi difícil de entender como que ia se dar isso, e, a principio, o Maurílio falou que não ia ter corte, que ia filmar tudo. Então eu já me preparei psicologicamente porque eu queria que fosse muito verdade. Nesse aspecto eu achei um pouco difícil, porque não é uma prática, então eu tive medo de não conseguir chegar na coisa realista mesmo, mas deu certo. A Karine é uma pessoa muito sedutora e a gente conversou antes e já criou-se ali uma história entre nós. Era um amor bonito, era uma figura com várias outras questões, mas que consegue um espaço para ser uma mulher feliz da forma que ela quer, para manter um relacionamento com a pessoa que ela quer, uma mulher corajosa e lutadora. Então eu falei “pô, dividir com ela essa cena vai ser muito bom, eu estou contribuindo”, e no final foi tranquilo.
MCB: Você consegue se lembrar da sua primeira impressão do set de cinema?
RF: Encantamento, né, encantamento total! Você vê as coisas acontecendo, as pessoas te buscando, não é você quem vai para tal lugar, o diretor de fotografia que te encontra no melhor lugar. Isso é muito legal, é muito real e doce de fazer, não é um trabalho que exige uma força, ele exige delicadeza. Então é um contraponto do teatro, né?, porque é um lugar gostoso de passear nele. Eu estava há quase 10 anos, seis anos antes de começar o cinema profissional, fazendo teatro. Se bem que o teatro Quatroloscinco é intimista, é mais contido, é um trabalho mais de ator e menos de personagem, então isso me ajudou muito, isso me fez chegar mais próximo, mais rápido, mas totalmente encantada.
MCB: O Quinze acaba inaugurando uma parceira, não é? Porque tem isso, às vezes os cineastas têm as suas atrizes, os seus atores, e no seu caso específico parece que com a Filmes de Plástico, já que você circulou ali por vários cineastas da mesma produtora.
RF: Verdade, já passei pelo André Novaes, Maurílio Martins e pelo Gabriel Martins.
MCB: Na sequência, qual foi o filme da produtora depois de o Quinze que você fez?
RF: Depois eu fiz o Rapsódia para um homem negro.
MCB: Ele é de que ano?
RF: 2015.
MCB: Que é um filme do Gabriel Martins.
RF: Sim. Esse filme eu divido com Carlos Francisco e o Sérgio Pererê, e é um filme em que eu tenho uma participação bem significativa, eu sou a irmã deles, e tem uma coisa de ancestralidade, espiritualidade. É muito bonito o filme, ele passeia por esses lugares, de onde vem a nossa força, nossa energia, porque a gente tem essa carga de emoção contida, porque a gente tem sede por alguns espaços, porque a gente tem o espírito de luta. Então foi um filme super importante de fazer.
MCB: E tem a questão da negritude.
RF: Tem a questão da negritude, somos todos atores negros no filme. Passei pelas ocupações, por todas as dificuldades que as pessoas negras têm. Elas têm que circular procurando espaços para essa circulação em um lugar amplo que é o mundo em que a gente vive e as pessoas tendo que lutar por um espaço de vida. Então ele fala muito sobre isso. E esse filme me deu também um prêmio de Melhor Atriz do Festival de Guarnicê de Cinema, do Maranhão.
MCB: E depois desse filme?
RF: Depois desse eu fiz o Nada. com o Gabriel Martins, novamente - filme selecionado para a Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes.
MCB: Que é uma personagem deliciosa.
RF: Uma personagem delícia, uma família negra de classe média. A filha está com 17, 18 anos e está no momento de fazer escolha profissional. E é um momento em que nós, família, sociedade, escola, vamos impondo isso para os meninos. O filme questiona isso, será que é isso mesmo? Com 17 anos, você tomar decisões tão sérias que podem ser para o resto da vida,? Você ter ou não o direito de escolher, fazer ou não aquilo naquele momento? É uma discussão ampla nesse sentido e eu faço a mãe da protagonista, que é a Clara Lima, e a gente coloca esse assunto na roda, essa questão do Enem.
MCB: E é uma mãe bem bacana porque ela tem toda essas questões de uma mãe tradicional, mas é uma mãe do seu tempo, do tempo atual.
RF: É uma mãe do meu tempo, exatamente. Você não quer deixar de orientar, de aconselhar, porque acaba que esses padrões em algum momento vão de fato fazer alguma diferença na vida da pessoa. Mas não é exatamente isso que estamos questionando, é se o momento da decisão é aquele, né? Então ela consegue compreender isso, ela consegue vê os talentos da filha, quais outros caminhos ela pode seguir, tentar ajudá-la a tomar uma decisão mais dentro da sua área artística, mas forçando ali também em que se tente alguma coisa. E fazendo a mediação dessa filha com o pai porque ela não quer que a família tenha conflitos que não sejam resolvidos, conflitos todos teremos, mas ela fica ali na mãezona, esposona.
MCB: E depois do Nada, vem um longa, não é?
RF: Depois vem o No coração do Mundo, que é do Maurilio e do Gabriel. Eu faço uma motorista de ônibus, que também é homossexual. Ela mora com uma mulher, é muito alegre, muito espontânea, e ela tenta também uma relação com a trocadora do ônibus, que é a protagonista, a Kelly Crifer. Então tem esse jogo, tem a brincadeirinha dela com a trocadora. E também de defesa, porque tem um pequeno conflito quando ela está dirigindo esse ônibus e entra uma pessoa autoritária e ela enfrenta. Então tem aí também um papel importante nesse sentido da defesa das relações sociais. É um filme que, apesar de ser uma participação que não foi longa, foi uma participação importante que os meninos confiaram a mim mais uma vez.
MCB: E depois? RF: Depois dele vem o Paterno, que é um filme de Recife, o diretor é o Marcelo Lordelo. Esse filme trata da vida de um homem de 48, 50 anos, que está em um momento muito difícil com o pai doente. Ele começa a refletir o quanto aquele pai o influenciou, meio até que uma coisa a ver com o Nada, né?, porque ele teve que tomar decisões muito cedo que não eram as que ele queria. Então chega nesse momento em que o pai adoece, ele tem que, de uma certa forma, já pensar nessa substituição do pai na empresa em que eles têm, e aí rola uma quantidade enorme de conflito com ele, familiar, profissional, com filho. Eu faço a amante do pai, é uma mulher negra, professora universitária na escola de arquitetura, uma arquiteta renomada. Ela tem um cargo importante dentro da universidade além de ser professora, e ela transita nessa faculdade com muita tranquilidade, nessa sociedade com muita tranquilidade, apesar de ser uma mulher negra. Mas é uma mulher que teve que conquistar esse espaço por ela mesma. Ela cuida de um filho que ela teve com esse amante, que é o pai do ator principal, o protagonista, que é o Marco Ricca, e quando eles se encontram eles têm um enfrentamento muito revelador para ele, porque aí ele começa a enxergar que o pai também tinha outros olhos e outras coisas que eles viviam que eram muito mais humanas do que ele percebeu durante toda a vida dele. Então foi muito interessante, deve ser lançado no final de 2018, está sendo montado.
MCB: É a primeira vez aí que a gente estava falando lá das produções da Filmes de Plástico que é uma produtora mineira e você vai pro Recife, e como que surgiu esse convite? Foi teste?
RF: Não, eu fiz um teste na verdade para o filme Aquarius, há uns 4 anos e eu não passei nesse teste. O produtor de elenco mostrou esse teste meu para o Marcelo porque ele procurava uma mulher negra de mais ou menos da minha idade. O Marcelo se deslocou de Recife e foi até a minha casa em Belo Horizonte para a gente conversar a respeito. Ele veio para a gente fazer uma leitura do roteiro, a gente tinha seis horas de leitura marcada, e, no final, a gente ficou seis horas tomando café, comendo queijo e falando da vida. E eu assinei o contrato, dessas coisas que a vida te oferece, esses encontros e que tem me movido, inclusive, na área profissional, que é a relação afetiva com as pessoas. Eu só estou há 10 anos no Quatroloscinco, há 5 na Filme de Plástico, e agora com essa relação com o Marcelo, do Recife, extremamente afetiva antes de qualquer coisa, porque aí te dá pulso, te dá linha aí para oo resto da vida.
MCB: E você tem mais um outro filme?
RF: Tem o Super estrela prateada, que é um filme do Leonardo Branco, um filme de formatura, ele é estudante de cinema da UNA, foi, né, porque ele agora já se formou. Nós fizemos esse filme no meio do ano passado e vai ser agora lançado aqui na Mostra de Tiradentes depois de amanhã, dia 24. É um filme que ele visualiza a nossa ambição, assim, a leitura que eu faço é essa de quando você alcança algo e a partir daquele alcance você já está vislumbrando um outro alcance e isso jamais vai terminar. Eu faço junto com o Marcelo Sousa e Silva, da Cia Luna Lunera, que também esta estreando no cinema agora. Eu também adorei trabalhar com ele, muito sensível, e é um curta muito divertido, a gente se divertiu muito fazendo. Eu acho muito importante isso, ele traz essa alegria, essa vivacidade do Leonardo Branco, também a felicidade dele em estar produzindo o seu segundo trabalho com o apoio da universidade e o apoio de atores, porque ele conseguiu trabalhar com atores profissionais. Então foi muito legal, esse também foi um filme que eu gostei muito de fazer.
Tirando esses filmes da Filmes de Plástico, de Recife e da UNA, eu também fiz o Natal de Rita, que foi um produto para a TV Globo, um especial regional de natal que eles estão produzindo desde o ano passado, eu fiz com o Ricardo Alves Júnior e o Germano Melo. A gente fez esse especial de natal, junto com a Fernanda Viana, com o marido dela e a filha, um monte de gente bacana, a Teuda (Bara), a Gilda Nomacce, de São Paulo. Foi um encontro também muito especial, e foi minha primeira produção profissional televisiva, fiquei muito feliz no ano passado.
MCB: Você atua em outra produção da Filmes de Plástico.
RF: O Temporada, do André Novaes (de Oliveira), a gente filmou em julho, agosto por aí. Foi uma parceria linda porque foi o meu primeiro trabalho com a Grace (Passô). Eu tive a honra de dividir o set com ela por vários dias e a história também é muito linda, é a história de uma mulher que vem do interior se resolver aqui na capital com todas as dificuldades que a gente sabe, essas fronteiras que a gente sabe que existe de um lugar para o outro. Ela vem trabalhar comigo na Zoonose, de Contagem, e a gente se relaciona ali. Foi a primeira vez que eu trabalhei com o André, fiquei super feliz com a direção dele também. Ainda que sejam da mesma produtora, cada um com a sua mão na direção, sua forma, seu olhar diferente de fazer. Eu adorei fazer com ele Temporada, também estreia esse ano, a gente espera, porque como vai estrear No coração do mundo também talvez seja um nesse ano e o outro no inicio do ano que vem, mas a expectativa está aqui.
MCB: Então temos...
RF: Para estrear tem o Paterno, que é um longa, Temporada, longa, No coração do Mundo,longa, o Super estrela prateada, que é um curta. No ano passado eu fiz duas séries de TV, que é o Mostra sua Cara, que foi dirigido pela Silvinha Godinho, que vai estrear agora pela TV Brasil, e fiz também o Sou Amor, com Cris Azzi, que deve estrear agora no primeiro semestre também pela TV Pública, que é aquele projeto de incentivo.
MCB: Ou seja Rejane, você está com uma atuação grande no audiovisual, né?
RF: Graças a Deus! Estou e cada dia me sentindo mais à vontade para fazer e me sentindo recebida pelos diretores, recebendo os convites que vêm sempre com uma intenção, porque eles já me viram em outras coisas, então já entendem onde vou me encaixar. Às vezes escrevem alguma coisa para mim e isso vai me dando uma certa liberdade, uma certa tranquilidade, segurança pra fazer. Ainda tem muito caminho, acredito, acho que tudo é um inicio, mas eu já me sinto muito bem fazendo e é um desejo mesmo continuar por muitos e muitos anos. Existem já aí projetos até 2020, aquela coisa, ainda não posso contar...
MCB: Mas é bom saber que tem.
RF: É bom saber. E o mais legal disso tudo, Adilson, que eu acho, é enquanto mulher negra e uma mulher de 56 anos. Isso é muito importante para mim, entender que eu estou ocupando um lugar que a gente nem devia usar essa expressão de ocupação porque os espaços são livres e nós somos livres, mas, infelizmente, temos que entender que isso existe. Precisamos entrar em alguns lugares e que as pessoas acham que não são seus, mas que, graças a Deus, eu acho que tenho deixado um caminho aberto. Não tenho um discurso formal formado de que eu preciso disso, precisamos daquilo, acho que isso se dá com a minha caminhada, com a minha presença e com a minha interferência nas minhas obras. Eu sou uma pessoa que discuto, eu discuto texto, eu quero conversar com o autor, quero conversar com o diretor, quero saber até onde aquilo vai, até onde eu posso ir, até onde eu posso contribuir com a minha existência, com a minha experiência, com as minhas sensações, com as minhas angustias. O que de mim eu posso colocar dentro daqueles personagens que, em algum momento, vão falar disso tudo que nós estamos falando aqui agora sem a gente precisar de um discurso panfletário e direto, porque acho que por si só a presença da mulher negra no cinema já está falando bastante. MCB: E nós negros, aí mulheres negras e homens negros, precisamos de representatividade, né? RF: Exatamente. Eu me sinto muito orgulhosa de poder transitar nesses lugares levando o que as pessoas carecem que sejam levadas. Fico pensando também... Eu tive um contato, há muitos anos, com a Ruth de Souza, falamos por telefone. Tinham me me indicando para um teste de uma novela da Globo, parece que era uma novela de época das seis da tarde, e ela falando comigo "Minha filha, vá, vá fazer, se você gosta, se você acha que tem talento e tem desejo, então vá. Mas tenha força porque não é um lugar fácil para nós mulheres pretas, não é". E ela falou para mim: "Eu tenho o privilégio de ter sido, do Doutor Roberto Marinho... " Como se fala quando a pessoa fica a vida inteira?
MCB: Vitalício.
RF: Ela teve esse contrato Vitalício que o Roberto Marinho fez com ela, mas ela falou: "È uma exceção, eu tenho várias amigas negras, Zezé Motta, a Léia (Garcia), sabe, e são pessoas que estão aí na luta diária para estar dentro de uma produção". Eu fiquei com isso na cabeça. Então eu acho que a luta não vai parar, cada dia eu quero estar dentro desses espaços com oportunidades de fala para a gente seguir firme e chegar um dia em que não iremos precisar falar disso. MCB: Rejane, para terminar as únicas duas perguntas fixas do site. Qual o ultimo filme brasileiro ao qual você assistiu?
RF: Tatuagem (Hilton Lacerda), com o Irandhir (Santos) e o Jesuíta Barbosa.
MCB: Qual mulher do Cinema Brasileiro de qualquer época e de qualquer área que você deixa como homenagem aqui na sua entrevista?
RF: Ruth de Souza.
MCB: E por que?
RF: Pelo o que ela me disse e pela luta dela desde a sua juventude.
MCB: Muito obrigado, querida.
RF: Hoje estou me sentido como na primeira vez que fui no set, o encantamento. MCB: Muito obrigado.
RF: Eu que agradeço.
Atualização - 02/08/2018.
Rejane Faria: Atuei em Temporada, do André Novais de Oliveira, da Filmes de Plástico, que tem estreia mundial no Festival de Locarno, na Suiça, em 05 de agosto, e nacional na Mostra Competitiva do Festival de Brasília. Acabei de filmar Vitória, de Germano Melo e Ricardo Alves Jr, em Cataguases (MG). Vou filmar agora em setembro Guri, de Adriano Monteiro, no Espírito Santo, e estou no teatro em circulação nacional pelo Palco Giratorio.
Entrevista realizada durante a 21a Mostra de Cinema de Tiradentes, em 22 de janeiro de 2018.
Rejane Faria é um grande destaque do cinema mineiro e da renovação das atrizes negras no país. Com formação no teatro com o curso de artes cênicas pelo UNIBH e em Teatro pela UFMG, começou na área artísica atuando e dirigindo teatro corporativo nos Correios, onde foi servidora de carreira. Atua profissionalmente nos palcos com o grupo quatroloscinco - teatro do comum, coletivo que participa desde sua fundação em 2007 e com o qual tem atuações destacadas em É só uma formalidade (2009), Outro lado(2011), Humor (2013), e Ignorância (2015).
Depois de trabalhos experimentais na área do audiovisual ainda na época da faculdade, estreia no cinema a convite da Filmes de Plástico, uma das produtoras mais premiadas de Minas Gerais, no curta Quinze (2015), de Maurílio Martins, como a namorada da personagem de Karine Telles, protagonista ao lado da atriz Malu Ramos. "A minha relação mesmo profissional se iniciou com a a produtora Filmes de Plástico, a convite do Maurílio (Martins) por indicação do produtor Thiago Macedo. Ele me viu em um espetáculo do Quatroloscinco e, depois de algum tempo, o Maurílio estava procurando uma atriz pra fazer uma personagem. Ele me indicou e o Maurílio acreditou nessa indicação mesmo sem ver nenhum material meu, porque ele estava morando fora na época e só iria chegar para filmar. Quando chegou, ele foi ao meu encontro, nós conversamos e ele falou o que ele desejava de mim, falou da personagem e o que ele esperava. Daí só nos encontramos depois já no set".
A parceria com a Filmes de Plástico se intensifica e Rejane Faria atua em mais quatro produções: os curtas Rapsódia para um homem negro (2015), de Gabriel Martins, pelo qual recebe o prêmio de Melhor Atriz no Festival Guarnicê de Cinema, no Maranhão, e Nada, curta de Gabriel Martins selecionado para a Quinzena de Realizadores no Festival de Cannes; e os longas No coração do mundo, ainda inédito de Gabriel Martins e Maurílio Martins, e Temporada (2018), de André Novais de Oliveira, selecionado para o Festival de Locarno, na Suíça, e para o Festival de Cinema de Brasília. Rejane Faria vem intensificando sua carreira cinematográfica atuando em curtas, longas e produções para a TV tanto em Minas como em outros estados, como Pernambuco e Espírito Santo.
Rejane Faria esteve na 21a Mostra de Cinema de Tiradentes, onde conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro. Na entrevista, ela fala do ínicio da trajetória artística, dos filmes e muito mais.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Vamos começar com você se apresentando.
Rejane Faria: Está bom. Rejane Faria, sou de Belo Horizonte, sou formada pela UNIBH, curso de Artes Cênicas com aperfeiçoamento em comunicação, e pela UFMG no curso de Teatro. Eu sou de 13 de abril de 1961, portanto, tenho 56 anos.
MCB: Paralela à carreira de atriz, você tem uma trajetória longa nos Correios, não é isso?
RF: Isso, nos Correios, na área cultural. Eu entrei nos Correis em 1986, trabalhando no atendimento de guichê de agência, e, em seguida à minha entrada, uns dois, três meses depois, eu vi passando pela agência um grupo de pessoas com figurinos. Eu fui questionar e me falaram que a empresa matinha um grupo de teatro com seus funcionários, um teatro corporativo, mas também do teatro convencional, textos comuns e tal. E aí de imediato eu fui procurar, eu tive interesse em procurar, conhecer o grupo, e nesse encontro eles me convidaram para fazer uma trilha sonora de um espetáculo infantil que acontecia no teatro dos correios em Porto Alegre. Nessa época, eu tinha uma banda, cantava, e aí fui fazer essa trilha ao vivo desse espetáculo infantil. A partir dele, eles já iam criar um novo para um encontro seguinte e eu fui convidada para fazer um papel, eu fui convidada como atriz e eu encarei. No meio do processo, eu comecei a desanimar porque eu tinha um diretor muito exigente que era o Ismael Silva, ele vinha do TU, então tinha um vasto conhecimento de teatro. Como ele era muito exigente, e era uma coisa que estava paralelo ao trabalho do dia, para mim estava ficando muito apertado, mas ele não deixou eu sair e nós fizemos esse espetáculo que era de um texto premiado do Festival Universitário do Rio de Janeiro, o autor é Dejair dos Santos. O espetáculo chama-se Feijão com Caruncho, uma comédia de costumes. Foi muito bom fazer, eu fiquei muito apaixonada pela forma, pela criação, pelo processo todo, e aí não parei mais. Mas eu só consegui vir estudar teatro de artes cênicas a partir de 2002, mais ou menos.
MCB: Ou seja, mesmo quando você estava em uma outra carreira, você já que queria fazer o curso de teatro, já era uma certeza.
RF: Tinha certeza. Eu, inclusive, parei de trabalhar nos Correios, fiquei 13 anos fora, saí, durante esse tempo estudei e depois retornei. Eu saí da empresa dirigindo o grupo de teatro porque esse diretor anterior, o Ismael, saiu e passou para mim essa função de direção do grupo, e aí também fazendo texto, dramaturgia de teatro corporativo. Eu fui me envolvendo com isso e, a partir de então, fique só com a área cultural, eu já fui trabalhar com eventos sociais, esportivos e culturais da empresa.
MCB: E aí depois da escola você entra para a fundação do Grupo Quatroloscinco?
RF: Sim. Durante o nosso curso a gente fez uma matéria com a Sara (Rojo), uma professora chilena da Letras e com ela nós começamos a trabalhar textos latino-americanos. Foi uma coisa que nos interessou muito porque nós começamos a perceber que a gente não tem ligação da forma que a gente deveria ter com os nossos hermanos, né? E aí a gente começou a ver também a quantidade de coisas que eram muito paralelas às nossas no sentido da fala, da questão política dentro do teatro. A gente foi se interessando por isso e fizemos um grupo de estudos, e dentro desse grupo se formou o Quatroloscinco - teatro do comum, que fez 10 anos em 2017.
MCB: O Quatroloscinco já tem uma trajetória de referência em Belo Horizonte, com trabalhos importantes e com o qual você pode firmar o seu nome como atriz de teatro, não é isso?
RF: Sim.
MCB: Como que se dá essa passagem do teatro para o audiovisual?
RF: Há uns cinco anos eu tive um primeiro convite para um filme profissional. Eu já tinha feito outras coisas de vídeo, mas tudo muito experimental, dentro da faculdade mesmo, alguns vídeos de formatura de estudantes de cinema. A minha relação mesmo profissional se iniciou com a a produtora Filmes de Plástico, a convite do Maurílio (Martins) por indicação do produtor Thiago Macedo. Ele me viu em um espetáculo do Quatroloscinco e, depois de algum tempo, o Maurílio estava procurando uma atriz pra fazer uma personagem. Ele me indicou e o Maurílio acreditou nessa indicação mesmo sem ver nenhum material meu, porque ele estava morando fora na época e só iria chegar para filmar. Quando chegou, ele foi ao meu encontro, nós conversamos e ele falou o que ele desejava de mim, falou da personagem e o que ele esperava. Daí só nos encontramos depois já no set.
MCB: Não teve teste?
RF: Não. Aí a gente fez o Quinze, que foi uma experiência maravilhosa, eu trabalhei com a Karine Teles, uma atriz incrível. Eu tive o primeiro contato com ela no set, com ela eu aprendi muita coisa, porque acho que a gente vive da observação, né?, e aí se você admira, observa, porque aí você vai aprender coisas que vão ser importantes. Com ela aconteceu exatamente isso, e a gente fez o Quinze e foi muito bom.
MCB: Vamos falar um pouquinho de o Quinze. Você faz uma personagem, um papel corajoso, porque ele já abre o filme com uma cena de sexo de vocês duas. É algo que deveria ser normal, mas que não é tão normal no cinema, a relação ali de duas mulheres em uma cena quase explicita, ou, pelo menos, bastante sugerida. Foi difícil de fazer ou foi tranquilo?
RF: Foi difícil de entender como que ia se dar isso, e, a principio, o Maurílio falou que não ia ter corte, que ia filmar tudo. Então eu já me preparei psicologicamente porque eu queria que fosse muito verdade. Nesse aspecto eu achei um pouco difícil, porque não é uma prática, então eu tive medo de não conseguir chegar na coisa realista mesmo, mas deu certo. A Karine é uma pessoa muito sedutora e a gente conversou antes e já criou-se ali uma história entre nós. Era um amor bonito, era uma figura com várias outras questões, mas que consegue um espaço para ser uma mulher feliz da forma que ela quer, para manter um relacionamento com a pessoa que ela quer, uma mulher corajosa e lutadora. Então eu falei “pô, dividir com ela essa cena vai ser muito bom, eu estou contribuindo”, e no final foi tranquilo.
MCB: Você consegue se lembrar da sua primeira impressão do set de cinema?
RF: Encantamento, né, encantamento total! Você vê as coisas acontecendo, as pessoas te buscando, não é você quem vai para tal lugar, o diretor de fotografia que te encontra no melhor lugar. Isso é muito legal, é muito real e doce de fazer, não é um trabalho que exige uma força, ele exige delicadeza. Então é um contraponto do teatro, né?, porque é um lugar gostoso de passear nele. Eu estava há quase 10 anos, seis anos antes de começar o cinema profissional, fazendo teatro. Se bem que o teatro Quatroloscinco é intimista, é mais contido, é um trabalho mais de ator e menos de personagem, então isso me ajudou muito, isso me fez chegar mais próximo, mais rápido, mas totalmente encantada.
MCB: O Quinze acaba inaugurando uma parceira, não é? Porque tem isso, às vezes os cineastas têm as suas atrizes, os seus atores, e no seu caso específico parece que com a Filmes de Plástico, já que você circulou ali por vários cineastas da mesma produtora.
RF: Verdade, já passei pelo André Novaes, Maurílio Martins e pelo Gabriel Martins.
MCB: Na sequência, qual foi o filme da produtora depois de o Quinze que você fez?
RF: Depois eu fiz o Rapsódia para um homem negro.
MCB: Ele é de que ano?
RF: 2015.
MCB: Que é um filme do Gabriel Martins.
RF: Sim. Esse filme eu divido com Carlos Francisco e o Sérgio Pererê, e é um filme em que eu tenho uma participação bem significativa, eu sou a irmã deles, e tem uma coisa de ancestralidade, espiritualidade. É muito bonito o filme, ele passeia por esses lugares, de onde vem a nossa força, nossa energia, porque a gente tem essa carga de emoção contida, porque a gente tem sede por alguns espaços, porque a gente tem o espírito de luta. Então foi um filme super importante de fazer.
MCB: E tem a questão da negritude.
RF: Tem a questão da negritude, somos todos atores negros no filme. Passei pelas ocupações, por todas as dificuldades que as pessoas negras têm. Elas têm que circular procurando espaços para essa circulação em um lugar amplo que é o mundo em que a gente vive e as pessoas tendo que lutar por um espaço de vida. Então ele fala muito sobre isso. E esse filme me deu também um prêmio de Melhor Atriz do Festival de Guarnicê de Cinema, do Maranhão.
MCB: E depois desse filme?
RF: Depois desse eu fiz o Nada. com o Gabriel Martins, novamente - filme selecionado para a Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes.
MCB: Que é uma personagem deliciosa.
RF: Uma personagem delícia, uma família negra de classe média. A filha está com 17, 18 anos e está no momento de fazer escolha profissional. E é um momento em que nós, família, sociedade, escola, vamos impondo isso para os meninos. O filme questiona isso, será que é isso mesmo? Com 17 anos, você tomar decisões tão sérias que podem ser para o resto da vida,? Você ter ou não o direito de escolher, fazer ou não aquilo naquele momento? É uma discussão ampla nesse sentido e eu faço a mãe da protagonista, que é a Clara Lima, e a gente coloca esse assunto na roda, essa questão do Enem.
MCB: E é uma mãe bem bacana porque ela tem toda essas questões de uma mãe tradicional, mas é uma mãe do seu tempo, do tempo atual.
RF: É uma mãe do meu tempo, exatamente. Você não quer deixar de orientar, de aconselhar, porque acaba que esses padrões em algum momento vão de fato fazer alguma diferença na vida da pessoa. Mas não é exatamente isso que estamos questionando, é se o momento da decisão é aquele, né? Então ela consegue compreender isso, ela consegue vê os talentos da filha, quais outros caminhos ela pode seguir, tentar ajudá-la a tomar uma decisão mais dentro da sua área artística, mas forçando ali também em que se tente alguma coisa. E fazendo a mediação dessa filha com o pai porque ela não quer que a família tenha conflitos que não sejam resolvidos, conflitos todos teremos, mas ela fica ali na mãezona, esposona.
MCB: E depois do Nada, vem um longa, não é?
RF: Depois vem o No coração do Mundo, que é do Maurilio e do Gabriel. Eu faço uma motorista de ônibus, que também é homossexual. Ela mora com uma mulher, é muito alegre, muito espontânea, e ela tenta também uma relação com a trocadora do ônibus, que é a protagonista, a Kelly Crifer. Então tem esse jogo, tem a brincadeirinha dela com a trocadora. E também de defesa, porque tem um pequeno conflito quando ela está dirigindo esse ônibus e entra uma pessoa autoritária e ela enfrenta. Então tem aí também um papel importante nesse sentido da defesa das relações sociais. É um filme que, apesar de ser uma participação que não foi longa, foi uma participação importante que os meninos confiaram a mim mais uma vez.
MCB: E depois?
RF: Depois dele vem o Paterno, que é um filme de Recife, o diretor é o Marcelo Lordelo. Esse filme trata da vida de um homem de 48, 50 anos, que está em um momento muito difícil com o pai doente. Ele começa a refletir o quanto aquele pai o influenciou, meio até que uma coisa a ver com o Nada, né?, porque ele teve que tomar decisões muito cedo que não eram as que ele queria. Então chega nesse momento em que o pai adoece, ele tem que, de uma certa forma, já pensar nessa substituição do pai na empresa em que eles têm, e aí rola uma quantidade enorme de conflito com ele, familiar, profissional, com filho. Eu faço a amante do pai, é uma mulher negra, professora universitária na escola de arquitetura, uma arquiteta renomada. Ela tem um cargo importante dentro da universidade além de ser professora, e ela transita nessa faculdade com muita tranquilidade, nessa sociedade com muita tranquilidade, apesar de ser uma mulher negra. Mas é uma mulher que teve que conquistar esse espaço por ela mesma. Ela cuida de um filho que ela teve com esse amante, que é o pai do ator principal, o protagonista, que é o Marco Ricca, e quando eles se encontram eles têm um enfrentamento muito revelador para ele, porque aí ele começa a enxergar que o pai também tinha outros olhos e outras coisas que eles viviam que eram muito mais humanas do que ele percebeu durante toda a vida dele. Então foi muito interessante, deve ser lançado no final de 2018, está sendo montado.
MCB: É a primeira vez aí que a gente estava falando lá das produções da Filmes de Plástico que é uma produtora mineira e você vai pro Recife, e como que surgiu esse convite? Foi teste?
RF: Não, eu fiz um teste na verdade para o filme Aquarius, há uns 4 anos e eu não passei nesse teste. O produtor de elenco mostrou esse teste meu para o Marcelo porque ele procurava uma mulher negra de mais ou menos da minha idade. O Marcelo se deslocou de Recife e foi até a minha casa em Belo Horizonte para a gente conversar a respeito. Ele veio para a gente fazer uma leitura do roteiro, a gente tinha seis horas de leitura marcada, e, no final, a gente ficou seis horas tomando café, comendo queijo e falando da vida. E eu assinei o contrato, dessas coisas que a vida te oferece, esses encontros e que tem me movido, inclusive, na área profissional, que é a relação afetiva com as pessoas. Eu só estou há 10 anos no Quatroloscinco, há 5 na Filme de Plástico, e agora com essa relação com o Marcelo, do Recife, extremamente afetiva antes de qualquer coisa, porque aí te dá pulso, te dá linha aí para oo resto da vida.
MCB: E você tem mais um outro filme?
RF: Tem o Super estrela prateada, que é um filme do Leonardo Branco, um filme de formatura, ele é estudante de cinema da UNA, foi, né, porque ele agora já se formou. Nós fizemos esse filme no meio do ano passado e vai ser agora lançado aqui na Mostra de Tiradentes depois de amanhã, dia 24. É um filme que ele visualiza a nossa ambição, assim, a leitura que eu faço é essa de quando você alcança algo e a partir daquele alcance você já está vislumbrando um outro alcance e isso jamais vai terminar. Eu faço junto com o Marcelo Sousa e Silva, da Cia Luna Lunera, que também esta estreando no cinema agora. Eu também adorei trabalhar com ele, muito sensível, e é um curta muito divertido, a gente se divertiu muito fazendo. Eu acho muito importante isso, ele traz essa alegria, essa vivacidade do Leonardo Branco, também a felicidade dele em estar produzindo o seu segundo trabalho com o apoio da universidade e o apoio de atores, porque ele conseguiu trabalhar com atores profissionais. Então foi muito legal, esse também foi um filme que eu gostei muito de fazer.
Tirando esses filmes da Filmes de Plástico, de Recife e da UNA, eu também fiz o Natal de Rita, que foi um produto para a TV Globo, um especial regional de natal que eles estão produzindo desde o ano passado, eu fiz com o Ricardo Alves Júnior e o Germano Melo. A gente fez esse especial de natal, junto com a Fernanda Viana, com o marido dela e a filha, um monte de gente bacana, a Teuda (Bara), a Gilda Nomacce, de São Paulo. Foi um encontro também muito especial, e foi minha primeira produção profissional televisiva, fiquei muito feliz no ano passado.
MCB: Você atua em outra produção da Filmes de Plástico.
RF: O Temporada, do André Novaes (de Oliveira), a gente filmou em julho, agosto por aí. Foi uma parceria linda porque foi o meu primeiro trabalho com a Grace (Passô). Eu tive a honra de dividir o set com ela por vários dias e a história também é muito linda, é a história de uma mulher que vem do interior se resolver aqui na capital com todas as dificuldades que a gente sabe, essas fronteiras que a gente sabe que existe de um lugar para o outro. Ela vem trabalhar comigo na Zoonose, de Contagem, e a gente se relaciona ali. Foi a primeira vez que eu trabalhei com o André, fiquei super feliz com a direção dele também. Ainda que sejam da mesma produtora, cada um com a sua mão na direção, sua forma, seu olhar diferente de fazer. Eu adorei fazer com ele Temporada, também estreia esse ano, a gente espera, porque como vai estrear No coração do mundo também talvez seja um nesse ano e o outro no inicio do ano que vem, mas a expectativa está aqui.
MCB: Então temos...
RF: Para estrear tem o Paterno, que é um longa, Temporada, longa, No coração do Mundo,longa, o Super estrela prateada, que é um curta. No ano passado eu fiz duas séries de TV, que é o Mostra sua Cara, que foi dirigido pela Silvinha Godinho, que vai estrear agora pela TV Brasil, e fiz também o Sou Amor, com Cris Azzi, que deve estrear agora no primeiro semestre também pela TV Pública, que é aquele projeto de incentivo.
MCB: Ou seja Rejane, você está com uma atuação grande no audiovisual, né?
RF: Graças a Deus! Estou e cada dia me sentindo mais à vontade para fazer e me sentindo recebida pelos diretores, recebendo os convites que vêm sempre com uma intenção, porque eles já me viram em outras coisas, então já entendem onde vou me encaixar. Às vezes escrevem alguma coisa para mim e isso vai me dando uma certa liberdade, uma certa tranquilidade, segurança pra fazer. Ainda tem muito caminho, acredito, acho que tudo é um inicio, mas eu já me sinto muito bem fazendo e é um desejo mesmo continuar por muitos e muitos anos. Existem já aí projetos até 2020, aquela coisa, ainda não posso contar...
MCB: Mas é bom saber que tem.
RF: É bom saber. E o mais legal disso tudo, Adilson, que eu acho, é enquanto mulher negra e uma mulher de 56 anos. Isso é muito importante para mim, entender que eu estou ocupando um lugar que a gente nem devia usar essa expressão de ocupação porque os espaços são livres e nós somos livres, mas, infelizmente, temos que entender que isso existe. Precisamos entrar em alguns lugares e que as pessoas acham que não são seus, mas que, graças a Deus, eu acho que tenho deixado um caminho aberto. Não tenho um discurso formal formado de que eu preciso disso, precisamos daquilo, acho que isso se dá com a minha caminhada, com a minha presença e com a minha interferência nas minhas obras. Eu sou uma pessoa que discuto, eu discuto texto, eu quero conversar com o autor, quero conversar com o diretor, quero saber até onde aquilo vai, até onde eu posso ir, até onde eu posso contribuir com a minha existência, com a minha experiência, com as minhas sensações, com as minhas angustias. O que de mim eu posso colocar dentro daqueles personagens que, em algum momento, vão falar disso tudo que nós estamos falando aqui agora sem a gente precisar de um discurso panfletário e direto, porque acho que por si só a presença da mulher negra no cinema já está falando bastante.
MCB: E nós negros, aí mulheres negras e homens negros, precisamos de representatividade, né?
RF: Exatamente. Eu me sinto muito orgulhosa de poder transitar nesses lugares levando o que as pessoas carecem que sejam levadas. Fico pensando também... Eu tive um contato, há muitos anos, com a Ruth de Souza, falamos por telefone. Tinham me me indicando para um teste de uma novela da Globo, parece que era uma novela de época das seis da tarde, e ela falando comigo "Minha filha, vá, vá fazer, se você gosta, se você acha que tem talento e tem desejo, então vá. Mas tenha força porque não é um lugar fácil para nós mulheres pretas, não é". E ela falou para mim: "Eu tenho o privilégio de ter sido, do Doutor Roberto Marinho... " Como se fala quando a pessoa fica a vida inteira?
MCB: Vitalício.
RF: Ela teve esse contrato Vitalício que o Roberto Marinho fez com ela, mas ela falou: "È uma exceção, eu tenho várias amigas negras, Zezé Motta, a Léia (Garcia), sabe, e são pessoas que estão aí na luta diária para estar dentro de uma produção". Eu fiquei com isso na cabeça. Então eu acho que a luta não vai parar, cada dia eu quero estar dentro desses espaços com oportunidades de fala para a gente seguir firme e chegar um dia em que não iremos precisar falar disso.
MCB: Rejane, para terminar as únicas duas perguntas fixas do site. Qual o ultimo filme brasileiro ao qual você assistiu?
RF: Tatuagem (Hilton Lacerda), com o Irandhir (Santos) e o Jesuíta Barbosa.
MCB: Qual mulher do Cinema Brasileiro de qualquer época e de qualquer área que você deixa como homenagem aqui na sua entrevista?
RF: Ruth de Souza.
MCB: E por que?
RF: Pelo o que ela me disse e pela luta dela desde a sua juventude.
MCB: Muito obrigado, querida.
RF: Hoje estou me sentido como na primeira vez que fui no set, o encantamento.
MCB: Muito obrigado.
RF: Eu que agradeço.
Atualização - 02/08/2018.
Rejane Faria: Atuei em Temporada, do André Novais de Oliveira, da Filmes de Plástico, que tem estreia mundial no Festival de Locarno, na Suiça, em 05 de agosto, e nacional na Mostra Competitiva do Festival de Brasília. Acabei de filmar Vitória, de Germano Melo e Ricardo Alves Jr, em Cataguases (MG). Vou filmar agora em setembro Guri, de Adriano Monteiro, no Espírito Santo, e estou no teatro em circulação nacional pelo Palco Giratorio.
Entrevista realizada durante a 21a Mostra de Cinema de Tiradentes, em 22 de janeiro de 2018.
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