Ano 20

Eduardo Aguilar (Patrícia Scalvi)

A minha escolha é por Patrícia Scalvi, uma atriz do cinema brasileiro que atualmente não tem trabalhado mais fazendo filmes, mas se notabilizou principalmente no cinema, não tem trabalhos na televisão e no teatro, até onde eu sei também, foram muito poucas as suas atuações. Ela também é muito conhecida como dubladora, que é o que atualmente ela mais faz, dirigindo dublagem.  

Patrícia Scalvi é, digamos, o começo da minha cinefilia, de certa forma está lá nos primórdios, quando eu começo a me apaixonar pelo cinema, especialmente pelo cinema brasileiro e também esse primeiro encontro com a questão das musas. Daí me ocorreu falar aqui de Patrícia Scalvi.   

Eu me lembro que por volta de 1978, 1979, eu estava já nessa descoberta da paixão pelo cinema, essa coisa que você não sabe muito bem onde começa, mas que no momento parece que se torna incontrolável, você quer ver tudo, de tudo, a todo momento. Eu já tinha vontade de fazer cinema, então, obviamente, houve uma aproximação do cinema brasileiro, de querer ver os filmes nacionais. Eu até tenho uma certa dificuldade em mapear exatamente o que me aproximou do cinema da Boca do Lixo, da pornochanchada, mas eu acho que teve haver também com a adolescência, porque eu estava ali entre os 17 e 18 anos. Então tinha uma co-relação de interesse específico por esse cinema erótico, e aí também no paralelo eu comecei a perceber que não era apenas um cinema erótico, vamos dizer, sem algo mais.  

Eu comecei a descobrir o cinema do Walter Hugo Khouri, comecei a descobrir o cinema de Carlos Reichenbach e outros diretores não tão famosos quanto eles, mas como o Jean Garret, que tinha ótimos filmes, o Fauzi Mansur, e no meio desses filmes todos sempre se deparava com Patrícia Scalvi. Eu olhava aquilo, ainda não tinha assimilado muito bem essa diferença a favor dos filmes que se destacavam, ainda estava na fase mais do erotismo em si, e aí eu via aquela atriz e me indagava sobre o que ela está fazendo no meio disso tudo. Ela era tão especial, ela era tão mais talentosa que as demais, ela podia trabalhar em qualquer outro filme. Enfim, tinha também um preconceito da minha parte evidente, pois apesar de ver os filmes eróticos eu os encarava como um produto menor. Eu achava que ela podia fazer filmes maiores, do nível, do tamanho do talento dela.   

Quando eu comecei a perceber o encontro dela com grandes diretores, como no caso do Khouri em “Convite ao Prazer”, e depois “Eros”, eram pequenas participações, mas já dava para sentir que ali ela conseguia amarrar melhor aquele talento com trabalhos mais consistentes. E eu acho que isso se completa especialmente nos filmes do Carlão, onde ela teve uma oportunidade melhor. Tem “O Paraíso Proibido”, mas o maior destaque, com certeza, fica para “Amor Palavra Prostituta”, no qual ela faz uma operária, e aí você vê a capacidade dela de se dispor.   

Alguns críticos já percebiam o diferencial dela na época, quando estava mais em foco, que era o de trabalhar numa linha muito verista, ela tem uma atuação muito próxima do naturalismo. Por isso, ela se destaca demais porque no cinema erótico da Boca do Lixo, em São Paulo, as atrizes não tinham uma formação, então era muito intuitivo. Algumas talvez tivessem, além dessa falta de formação, até mesmo uma falta de relação com o cinema, então você vê que as atuações eram soltas demais, elas estavam ali fundamentalmente pela presença erótica e a sensualidade que cada uma tinha.   

Já a Patrícia ia muito além disso. Aí você nota isso em filmes do John Doo, em, por exemplo, “Ninfas Diabólicas”, um filme que eu gosto muito. Com o Luiz Castellini, com quem ela foi casada, tem um filme, talvez o que dê mais espaço para ela, que se chama “Instinto Devasso”, que é um filme até considerado meio miúra no sistema da Boca do Lixo. É um filme com alguma coisa de erotismo, mas muito mais uma crise existencial de um rapaz que prende uma mulher, no caso, a Patrícia Scalvi. O ator era o Ênio Gonçalves, então ali a gente tinha dois grandes atores em excelentes atuações. Eu acho que esse filme talvez tenha ficado uma semana em cartaz, ele era um pouco verborrágico, falavam muito, discutiam muito, coisas das relações homem e mulher, e havia por trás disso uma coisa meio paranóica do cara que prendia ela, uma espécie de seqüestro, e aí ela realmente dava um banho.  

E tem um outro filme com o Castellini de destaque que é “Reencarnação do Sexo”, que é um raro exemplar do cinema erótico misturando terror, e em todas essas situações, as mais diversas, o que eu acho que ela tem de melhor, além obviamente do talento, do naturalismo muito convincente e da beleza, é que ela traz um mistério. Eu vejo o cinema muito por esse caminho, para mim cinema é, antes de qualquer coisa, atmosfera. É a atmosfera que me liga a um filme, então, ele pode ter elementos que me atrai, seja na temática, seja no aspecto visual, mas se ele não tiver essa capacidade de me envolver atmosféricamente, não adianta, eu não consigo embarcar naquela viagem do filme.   

A Patrícia Scalvi, por si só, a presença dela enquanto atriz é atmosfera. Nesse sentido ela até lembra uma outra, a Selma Egrei, que também tem essa coisa de a presença por si só, de estar ali, de você ver ela em cena, você já sentir uma atmosfera cinematográfica no filme. Um mistério, que está no rosto dela e que soma a essa força de talento mesmo de atuação. Ela era muito bonita, e mais bonita ainda na tela.  

 Eu tive a oportunidade de conhecer a Patrícia em dois momentos, um deles era enquanto fã, eu ainda não circulava no cinema. Eu fui assistir a um filme do Spielberg, “Os Caçadores da Arca Perdida”, e de repente eu vejo a Patrícia Scalvi saindo do cinema junto com uma amiga. Eu fiquei alvoroçado, o coração disparou, e eu fiquei naquela de não acredito, é a mulher, a minha ídola, e eu aqui, vou não vou. Eu era muito tímido, fiquei receoso de me aproximar e fiquei seguindo ela e a amiga por um tempo, mas depois me dei conta de que aquilo podia acabar assustando ela. Eu não tive coragem para realmente me aproximar e fazer a abordagem, então me afastei, mas fui com aquilo pra casa, a ponto de pensar que se um dia eu tivesse a oportunidade de fazer um curta, meu primeiro curta seria com o nome que hoje eu acho meio embaraçoso, mas enfim, cabe dizer, que seria “Scalvi Mon Amour”. O que era uma espécie de homenagem ao Alain Resnais, que eu gostava muito, tinha acabado de ver “Hiroshima Mon Amour”, então eu queria fazer uma digressão sobre o tempo, sonho, essa coisa toda, a memória. Ia fazer a história misturar um pouco a experiência de um rapaz e a sua fã, esse momento do encontro, trabalhar um pouco aquela coisa que realmente aconteceu, mas não de forma documental, ficcionalizar.  

Depois a gente teve a oportunidade de se conhecer de fato, eu estava acompanhando como estagiário a filmagem, se não me engano, de um trabalho do Antônio Melliande e o Luiz Castellini e ela foram ao set, e a gente foi no mesmo carro de produção até o set. Aí descobri que ela era uma cinéfila, e isso me deixou ainda mais fascinado por ela, a gente conversou sobre De Palma, vários diretores, Tob Hopper, ela conhecia muito o cinema de gênero, de terror, mas não focava só nisso. Falava tranqüilamente de Antonioni, de Visconti, era uma pessoa muito culta e isso tornou a minha admiração maior ainda, e eu acho que o que dá para fechar essa história toda de admiração pela Patrícia é que obviamente quando o cinema erótico começa a desaparecer por conta das estruturas do cinema brasileiro, a ausência de mercado para este filme com a entrada do sexo explícito, a Patrícia se afasta. Ela resolveu não partir para a televisão, como por exemplo, a Aldine Muller, e passa a ser dubladora, então aí ficou uma ausência, um vazio, uma frustração de minha parte por não vê o trabalho dela mais na tela.  

Até que, recentemente, ela de alguma forma descobriu essa história, eu acho que eu devo ter colocado em alguma lista de discussão, e ela deve ter jogado lá no site de busca e se deparou com a história desse curta. Ela achou que eu tinha feito, mas eu nunca viabilizei esse curta, a vida tomou outros rumos e eu atuei mais como técnico, agora é que eu tenho desenvolvido alguns trabalhos pessoais como diretor. Mas aí, obviamente, essa história já não está mais no momento atual para eu contá-la, ainda que continue achando interessante.   

Ela me perguntou via orkut, tornou-se minha amiga no orkut (risos), e aí quis saber mais sobre essa história. Eu expliquei que eu não tinha realizado o curta, mas que era um grande admirador dela e temos mantido esse contato via orkut, foi uma retomada anos depois do contato que eu tive lá atrás. Eu fiquei muito feliz só pelo fato de saber que agora tenho esse contato próximo com ela, e de repente poder até um dia parar, sentar e falar sobre essa admiração. Quando eu a encontrei pessoalmente na Boca do Lixo, eu era estagiário, eu ainda continuava um pouco tímido, falamos sobre cinema, mas não tive coragem de dizer tudo o que tinha de admiração por ela. Mesmo porque eu fiquei um pouco receoso de colocar toda aquela paixão assim, ainda mais que ela estava ao lado do marido, do Luiz Castellini, eu fiquei preocupado que aquilo podia, enfim, ofender um pouco os dois. Hoje acho que não, acho que obviamente foi uma bobagem da minha parte, deveria ter falado. Mas eu falei isso agora recentemente via orkut, e espero um dia ter a oportunidade de falar ao vivo.  

Eu estou aqui dando esse depoimento com o intuito de registrar essa enorme admiração por uma atriz que eu acho que só mesmo a história vai poder dizer a importância dela no cinema brasileiro, porque ainda existe muito preconceito por ela ter feitos seus trabalhos mais ligados ao cinema erótico, e se alguns tiveram destaque, como os trabalhos do Khouri e do Carlão, a grande maioria, infelizmente, está condenada ao esquecimento, se ninguém recuperar isso. 

Eduardo Aguilar é cineasta.

Veja também sobre ela

::Voltar
Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.