Ano 20

Joana Fomm

Nascida no Rio de Janeiro no dia 14 de setembro de 1939, Joana Fomm é, com certeza, uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos. Veterana que deu cara e talento a personagens do teatro, da televisão e do cinema, sua estreia nos palcos se deu no final da década de 1950, passando pelo teatro amador e depois profissional. No início da carreira, atuou o Teatro Santa Rosa, no Rio, e depois no Arena, em São Paulo. Joana relembra sua chegada em São Paulo para se integrar ao Arena: “Porque eu não falei para os meus pais que eu estava viajando, falei no dia que eu estava viajando “vou embora morar em São Paulo”. Então foi aquele escândalo em casa, e eu saí com meu carro para me encontrar com o Flávio Império. Eu parei o carro na porta do Copacabana Palace e fui roubada, roubaram todas minhas malas. Aí eu pensei ‘Bom, se eu voltar para casa nunca mais eu vou sair’. Então fui embora com a roupa do corpo mesmo, eu cheguei lá, cada um emprestava uma coisa e tal, mas durante muito tempo eu fiquei meio de japona, tênis, e eu gostei”.
 
A estreia na televisão em novelas se deu em 1964, em obra escrita pelo genial dramaturgo Nelson Rodrigues, "O Desconhecido", na TV Rio. A partir daí constrói trajetória arrebatadora em várias emissoras, e, além de se exercitar no ofício, consagra-se como intérprete de grandes vilãs, como a Yolanda Pratini de “Dancin’ Days” e Lúcia Gouveia de “Corpo a Corpo - ambas de Gilberto Braga; e Perpétua, de “Tieta” e a Salustiana de “Fera Ferida" - ambas de Aguinaldo Silva. “Eu gosto, tive a liberdade de fazer qualquer coisa né? E isso é muito bom, você pode fazer meio louco, meio maldito, meio demoníaco, você pode fazer do jeito que você quiser. As vilãs não têm uma coisa escrita ‘vilã é assim’, já a boazinha tem, a boazinha é boa e pronto. Então é meio triste fazer a boazinha, fica meio limitado fazer a boazinha”.
 
Joana Fomm tem carreira importante também no cinema, com atuações em várias fases do cinema brasileiro, como Cinema Novo, Cinema Marginal, cinema popular,  a obra personalíssima do genial Walter Hugo Khouri, Era Embrafilme e Cinema da Retomada, em clássicos como Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. Joana se lembra, divertida, da parceria com o genial Grande Otelo no filme: “Foi maravilhoso. Grande Otelo era maravilhoso, era um barato, incrível. O único problema foi carregar ele como se fosse um bebê, e eu saía carregando ele como se ele fosse um neném e ficava inteiramente torta depois da cena”.
 
Joana Fomm concedeu entrevista exclusiva pelo telefone de sua casa para o Mulheres do Cinema Brasileiro, em que repassa sua carreira nos palcos, televisão, cinema, e também na escrita, relembra de parceiros como o genial Grande Otelo e as inesquecíveis atrizes Isabel Ribeiro e Adriana Prieto, e muito mais.
 
 
Mulheres do Cinema Brasileiro: Onde você nasceu, data de nascimento completa se possível e a formação.
 
Joana Fomm: Bom, eu, Joana Maria Fomm, nasci em 14 de setembro de 1939, no Rio de Janeiro,  e fiz escola de teatro.
 
MCB: Joana, em algumas fontes fala que você nasceu em Belo Horizonte, isso é correto ou não é?
 
JF: Não, na verdade foi uma coisa que pesquisei, porque como eu sou filha de criação a minha origem era meio confusa, aliás continua sendo, porque eu não consegui esclarecer. Mas aí teve uma época que achei que eu era de Belo Horizonte, mas na verdade eu não sou, não sei de onde eu sou, sei que sou do estado do Rio e sou registrada aqui no Rio mesmo.
 
MCB: Entendi. Na sua biografia na “Coleção Aplauso” você  conta que você já ia ao cinema muito nova, às vezes escondida debaixo do casaco da sua mãe. E que também, aos 13 anos, você teve um projetor,  você pegava filmes na Aliança Francesa. A paixão  pelo cinema, porque você tem uma carreira grande no cinema, vem daí? Ou já foi um desdobramento da sua atuação no teatro e na televisão?
 
JF: Eu fui sempre apaixonada por cinema, sempre! Mais apaixonada até do que eu tinha consciência, porque quando eu recebi de presente esse projetor, eu, sozinha, via diretores fantásticos, cabeça, que eu nem sabia que eram, né? Mas me apaixonei, é uma paixão por filmes, uma coisa fora do comum.
 
MCB: Mas você já imaginava que teria pela frente essa carreira?
 
JF: Não, não tinha a menor ideia. Nessa época, o que eu pensava, o que durante muito tempo eu pensei, é que eu iria escrever. Acho que só mais tarde, acho que com, não sei bem com que idade, que foi quando eu namorei um ator, que me convidou para fazer uma peça amadora. Eu aceitei e me apaixonei. A peça não foi excelente, mas aí eu já estava apaixonada por teatro. Entrei para o teatro da Dulcina (de Moraes), para fazer aula com a Dulcina, e depois segui.
 
MCB: Você também tem uma trajetória nos palcos no Teatro Santa Rosa, no Rio de Janeiro, não é isso?
 
JF: Em Santa Rosa eu já era profissional.
 
MCB: Porque aí você fica no Santa Rosa, com o grupo, mas se apaixona pelo Arena, de São Paulo, que passa pelo Santa Rosa. Tem uma história que eu acho maravilhosa e muito sintomática, eu acho, em que você conta que quando você foi atrás do Arena você chegou literalmente em São Paulo com a roupa do corpo, não é isso?
 
JF: É verdade. Porque eu não falei para os meus pais que eu estava viajando, falei no dia que eu estava viajando “vou embora morar em São Paulo”. Então foi aquele escândalo em casa, e eu saí com meu carro para me encontrar com o Flávio Império. Eu parei o carro na porta do Copacabana Palace  e fui roubada, roubaram todas minhas malas. Aí eu pensei ‘Bom, se eu voltar para casa nunca mais eu vou sair’. Então fui embora com a roupa do corpo mesmo, eu cheguei lá, cada um emprestava uma coisa e tal, mas durante muito tempo eu fiquei meio de japona, tênis, e eu gostei.
 
MCB: É uma bela metáfora de uma nova vida, não é?
 
JF: É.
 
MCB: Você é uma atriz politizada, isso se deve já a esse seu desejo que já vinha até antes da escrita ou você acentuou com a passagem pelo Arena?
 
JF: Na verdade não. O tempo que eu estava na escola ainda, no colégio Americano, eu me lembro que tive que escrever uma dissertação sobre o Brasil e a liberdade do Brasil. O meu professor Paulo Freitas, que era um anjo, leu e disse assim ‘Não posso mandar, é muito comunista’. E eu perguntei: ‘O que é comunismo?’.  Eu não sabia o que era comunismo. E aí eu já pensava, na verdade o que eu queria era uma igualdade, essas utopias que a gente tem e que nunca dá certo. Mas isso acho que foi desde criança.
 
MCB: Você vai desenvolver esse outro lado além da atriz, que é da escrita, porque você vai publicar livros, vai ter coluna no jornal, vai trabalhar no “Última Hora”. Essa forma de expressão é vital pra você?
 
JF: Eu não sei, mas eu acho que é, porque agora mesmo vai sair um livro meu e eu estava meio afastada disso. Mas quando eu mexi com isso, de sair livro, imediatamente eu comecei a escrever outro. Então eu penso que é uma necessidade imensa de ter que dizer o que sinto, não sei se os outros vão entender ou não, mas tudo bem.
 
MCB: Mas o jornalismo hoje, ele está tão esvaziado, eu falo isso porque sou jornalista também,  e você trabalhou em um período áureo do jornalismo.
 
JF: Não foi um período áureo não, quando estava no  “Última Hora” foi um período de ditadura violenta.
 
MCB: Isso sim, isso eu sei. Eu falo em termos de comprometimento do jornalismo, porque hoje ele está muito ligado ao entretenimento, enfim...
 
JF: Acho que não está ligado a nada, está ligado ao próprio umbigo. Eu não sei, eu leio as coisas e é tudo tão perturbado, que não dá para a gente saber quem está fazendo jornalismo e quem está fazendo oba-oba.
 
MCB: E eu imagino que essa sua passagem pelo Arena foi um espaço em que você deve ter se sentido em casa, não é, em função da importância política do Arena, da importância como teatro, como qualidade de teatro.
 
JF: Me senti muito bem, mas depois eu percebi que o Arena era um teatro político mesmo, e, na verdade, todos éramos de esquerda, comunista. E eu percebi com o tempo que comunismo não tinha nada a ver comigo, eu não tinha nada a ver com comunismo, que não era o que eu imaginava. Inclusive, eu verifiquei que eu estava sendo inútil e aí eu me afastei, “ Não é isso que eu quero, não é assim que eu quero”, e aí eu fiquei meio perdida.
 
MCB: Você ficou no Arena quanto tempo?
 
JF: Não pergunta para mim de tempo que eu nunca sei, uns três anos acho, não sei.
 
MCB: E tem alguma montagem, assim do coração, sua desse período? Alguma montagem, alguma peça de teatro que seja referência para você desse período?
 
JF: Tem a peça do Guarnieri (Gianfrancesco), “O Filho do Cão”, em que eu fazia a mãe da Dina Sfat.
 
MCB: Maravilhosa, não é?
 
JF: Maravilhosa. E eu não sabia que eu estava bem, mas a critica, principalmente o Abujamra (Antônio), que era sensacional, o trabalho e a peça. O tema da peça era reforma agrária e assim que veio a Ditadura o Arena fechou. Ajudei as pessoas da forma como eu podia, me ajudei como podia, e depois eu não quis mais saber de política nesse sentido.
 
MCB: Eu construí o site como se ele fosse um complexo de cinema porque  entendo que todas as mulheres fazem parte da construção do cinema brasileiro, independente da função e da época. Na forma como ele está desenhado, tem algumas mulheres da minha predileção, como você por exemplo, que dá nome a uma sala que me apresenta, que dão nomes à outras. A sala que apresenta as atrizes tem o nome de uma atriz que eu adoro, que é a Isabel Ribeiro e que você conheceu no Arena, não é isso?
 
JF: Isabel foi uma paixão, minha grande amiga, uma mulher fantástica, eu nunca estive à altura dela, ela era maravilhosa.
 
MCB: Como a Isabel era, Joana? Porque ela me parece assim tão enigmática, ela tem um lado que me parece ser bem zombeteiro, mas ao mesmo tempo ela tem uma coisa subterrânea. Enfim, eu sou fascinado por ela.
 
JF: É isso mesmo que você falou, ela tem um lado zombeteiro mesmo e tem esse lado meio enigmático. Mas eu lembro dela, eu nunca sabia quando ela estava sendo enganada e quando ela estava falando a verdade, eu nunca soube, nunca soube decifrar a Isabel.
 
MCB: Eu acho ela uma atriz espetacular.
 
JF: E ela era uma pessoa magnífica.
 
MCB: Eu tenho uma lembrança muito remota, difusa inclusive, de uma novela que se chamava “As Bruxas”, na TV Tupi. Eu tinha sete anos, mas achava  uma novela diferente, e, outro dia, eu não sei se você já viu, a Cinemateca Brasileira lançou um site onde ela está disponibilizando seu acervo. Tem várias novelas e tem das “Bruxas”, acho que dois capítulos, e em um desses capítulos, que é lindo, tem uma cena com você, Nathalia Timberg e o Cláudio Corrêa e Castro.
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JF: Que trio maravilhoso.
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MCB: Você era a filha deles  e estava hospedada na casa de vocês a personagem da Maria Isabel de Lizandra. Depois assistindo a novela “A Viagem”, e aí eu já me  lembro bastante, em que você fazia a Andreza e a sua mãe te infernizava porque ela recebia o espírito do Alexandre, do Ewerton de Castro, e vendo esse capítulo, eu percebi, enfim, nessas novelas, tanto na “As Bruxas” quanto na “A Viagem”,  que já tinha ali um lado vilã . E é muito impressionante, porque na televisão ninguém faz vilã como você. As vilãs já vieram dali ou vieram antes?
 
JF: Eu não tenho a menor ideia
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MCB: Porque na “As Bruxas” você é um pouco vilã, do pouco que eu vi na cena você tem uma composição de vilã na novela.
 
JF: Olha, eu não me lembro da novela, eu não me lembro da maior parte das coisas que eu fiz. Eu me lembro da importância que teve para mim, e “As Bruxas” foi uma novela muito importante porque era um elenco estrelar, e de repente eu estava cercada pelos maiores nomes do teatro, do cinema brasileiro, e era agradabilíssimo gravar assim. Eu nem me lembro da personagem, o que ela fazia, se era vilã ou boazinha, não tenho a menor ideia.
 
MCB: Depois você veja a cena, é tão curioso, ela enganando o pretendente dela, é bem bacana a cena, eu gosto bastante.
 
JF: Preciso ver isso.
 
MCB: Está lindo, está com a qualidade perfeita, o som perfeito, eu adorei ter visto. Hoje na televisão é assim meio moda todo mundo querer ser o vilão e você já faz vilã  há um bom tempo. Eu, particularmente, acho que você faz como ninguém. Você gosta de fazer vilã, Joana?
 
JF: Eu gosto, tive a liberdade de fazer qualquer coisa né? E isso é muito bom, você pode fazer meio louco, meio maldito, meio demoníaco, você pode fazer do jeito que você quiser. As vilãs não têm uma coisa escrita “vilã é assim”, já a boazinha tem, a boazinha é boa e pronto. Então é meio triste fazer a boazinha, fica meio limitado fazer a boazinha.
 
MCB: Você fez várias, a minha predileta é a Lúcia Gouveia da novela “Corpo a Corpo”, do Gilberto Braga.
 
JF: A Lúcia Gouveia era um barato.
 
MCB: E aquela novela era maravilhosa.
 
JF: Maravilhosa.
 
MCB: Eu adorava a sua personagem, ela tinha uma relação conturbada com o Stênio Garcia.
 
JF: Eu adorei fazer essa novela também, muito bom.
 
MCB: Eu não sei se você já leu aquela coleção que é de entrevistas com os autores de novelas. O Gilberto Braga fala que ele não sabe porque as pessoas não comentam tanto “Corpo a Corpo”, que ele acha uma novela impecável.
 
JF: Eu não sei, onde saiu isso?
 
MCB: É uma caixa com todos os autores da Globo, tem entrevistas longas, eles comentando desde a formação e  cada novela. E o Gilberto Braga fala que quando escreveu “Corpo a Corpo”, os colegas dele o cumprimentavam muito porque adoravam a novela, mas que ele acha que ela é pouco comentada como deveria, e eu também acho.
 
JF: Eu também acho porque era muito bom “Corpo a Corpo”.
 
MCB: E Lúcia Gouveia com aquela relação com a Zezé Mota era impressionante.
 
JF: “Corpo a Corpo” deveria ser mais elogiada sim, mais notada.
 
MCB: Foi um dos seus maiores sucessos populares, não é?
 
JF: E do Gilberto a Yolanda da “Dancin' Days”, e a Perpétua da “Tieta”, do Aguinaldo Silva. Nessa eu quis fazer um personagem circense e deu certo. O povo não acreditava que iria dar muito certo não, diretores e tal, e no final deu certíssimo, e eu adorei fazer.
 
MCB: A Betty Faria disse que ficou um pouco enciumada e magoada de não ter feito o filme (Tieta, de Carlos Diegues). Você ficou ou a Perpétua da novela já bastava para você?
 
JF: Eu queria ter feito o filme, mas depois que eu o vi eu já não queria ter feito. Porque eu acho que o filme vai por uma outra linha que a novela não tinha e eu não acho legal o jeito como é colocado na tela. Mas eu fiquei na hora em que eu não fui chamada ‘Por que não me chamaram?’.
 
MCB: Você se lembra do primeiro filme? Da sensação de ter chegado ao cinema, de ter feito cinema?
 
JF: Eu me lembro sim, foi muito legal, cinema é muito legal e o primeiro filme que eu fiz foi Um Morto ao Telefone.
 
MCB: Do Watson Macedo.
 
JF: É, tinha o Watson Macedo dirigindo, e eu não me dei conta da importância desse homem. Eu contracenava com Oswaldo Loureiro, que era um barato, e o assistente de direção era o Geraldo Miranda, que foi meu grande amigo por toda vida. Foi muito bom fazer, foi muito bom, você fica em dúvida se é você mesmo.
 
MCB: O Quinto Poder é depois dele? Porque tem uma contradição de datas, às vezes parece como 1964 e o O Quinto Poder como 1962, mas o primeiro foi Um Morto ao Telefone mesmo?
 
JF: Foi. Qual é o outro?.
 
MCB: O Quinto Poder, do Alberto Peralisi.
 
JF: Desse eu não  me lembro.
 
MCB: O que eu acho também muito impressionante na sua trajetória no cinema é que você passa por todas as vertentes. Você faz Cinema Novo, você faz o Khouri, que é completamente à parte de tudo, você faz cinema popular em São Paulo com o Clery Cunha, você faz cinema popular no Rio com o Jece Valadão, você faz Cinema Marginal, Cinema da Retomada. Enfim,  é muito impressionante a sua trajetória no cinema.
 
JF: Eu vou te contar uma coisa: eu trabalhei com o Jece Valadão e foi onde eu me senti mais em família, mais bem cuidada, mais bem tratada.
 
MCB: Que foi fazendo A Noite do Meu Bem.
 
JF: É, eu adorei fazer aquele papel, e eu fiquei muito triste por o filme não ter feito um baita sucesso. Todos vieram falar comigo, que eu estava igual a ela, e eu adorei fazer aquele filme.
 
MCB: Foi difícil fazer a Dolores Duran?
 
JF: Não foi porque ela era muito amada, ela foi muito amada, então as pessoas me procuravam para contar detalhes dela, de como ela ria, como fazia com a mão, e eu era fã da Dolores. Aí eu juntei tudo e fiz, bem a imagem dela, não criei um outro personagem não, fui atrás dela mesmo e adorei fazer.
 
MCB: Uma das passagens mais deliciosas da sua biografia, que eu ri muito quando eu li, porque eu sempre achei muito impressionante você contar a história do Todas as Mulheres do Mundo,  do Domingos de Oliveira, da cena do assalto.
 
JF: Muito engraçado né? É tão engraçado, meu Deus do céu! (risos)
 
MCB: Porque no filme, essa cena é tão diferente, e aí  quando você fala na biografia eu ri demais disso.
 
JF: Porque foi uma coisa feita de um texto meio esdrúxulo, botaram lá e eu falei, e eu não sabia o que eu estava falando. As pessoas ligavam para mim, escreviam para saber o que eu dizia ali naquela cena tão fantástica e não existia cena fantástica, então foi muito engraçado.
 
MCB: O Todas as Mulheres do Mundo foi o único filme que você fez ao lado da Isabel Ribeiro, não é isso?
 
JF: Foi o único.
 
MCB: Porque depois também, mais pra frente, você faz um filme com uma outra grande amiga sua, que é Dina Sfat não é isso? O Macunaíma, do Joaquim Pedro de Andrade.
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JF: É, com a Dina, exatamente.
 
MCB: Quando você fez o Macunaíma você tinha noção do tamanho que seria esse filme na história do cinema brasileiro?
 
JF: Não, não tinha não.
 
MCB: E você gostou de fazer?
 
JF: Gostei, adoro o Mário de Andrade, acho um personagem incrível. Eu gostei de fazer, mas eu não tinha essa convicção, essa certeza de ser um sucesso, isso eu não sabia.
 
MCB: Um outro aspecto curioso que eu acho é que grandes atrizes da televisão, das novelas, que é um gênero popular que o Brasil inteiro sempre consumiu, as grandes estrelas da televisão, que fazem televisão até hoje, quase todas elas têm grandes momentos no cinema. Se você pensar, Glória Menezes no O Pagador de Promessas, Yoná Magalhães no Deus e o Diabo da Terra do Sol, Eva Wilma em São Paulo S.A, você e Dina Sfat em Macunaíma, Betty Faria no Bye Bye Brasil.  Se a gente tem uma geração da música, por exemplo Caetano e Chico, que são referências até hoje, essas atrizes desse grupo do qual você faz parte é um grupo imbatível, não é?
 
JF: Eu acho que sim. Considerando o que você falou, são pessoas incríveis, pessoas incríveis. A gente até brincava que só tinha atriz boa, não tinha ator bom, e, na verdade. era um naipe de mulheres fantásticas. Mas não sei, acho que foi a época social que a gente vivia, o interesse que todo mundo tinha em política, acho que foi um pouco por aí.
 
MCB: Como foi trabalhar com o Grande Otelo em Macunaíma?
 
JF: Foi maravilhoso. Grande Otelo era maravilhoso, era um barato, incrível. O único problema foi carregar ele como se fosse um bebê, e eu saía carregando ele como se ele fosse um neném e ficava inteiramente torta depois da cena.
 
MCB: E no filme parece que está tão tranquilo.
 
JF: Não está nada, ele era muito pesado, mas foi muito gostoso trabalhar com ele. Meu Deus do céu, ele era incrível. Me lembro que Joaquim Pedro mandava ele chorar e ele chorava, mandava parar e ele parava, uma técnica tão forte que ele tinha de fazer o personagem.
 
MCB: E é um ator genuíno, não é?
 
JF: É, acho ele cem por cento.
 
MCB: Tem um filme que você fez que eu adoro, de um autor completamente diferente de todos os outros, que é o Walter Hugo Khouri. O Palácio dos Anjos, em que você faz uma cafetina.
 
JF: Exatamente.
 
MCB: Como foi trabalhar com o Khouri, Joana?
 
JF: Eu gostei muito. O Khouri era uma pessoa complicada, não era uma pessoa simples, mas também não conheço ninguém simples no meu meio.
 
MCB: De perto ninguém é normal, não é?
 
JF: É. Foi muito bom, adorei fazer uma coisa tão diferente assim, eu gostei muito de fazer aquele filme.
 
MCB: E é um filme lindo, eu adoro.
 
JF: Acho lindo também, acho lindo o filme.
 
MCB: Foi difícil compor aquela personagem?
 
JF: Não, e ele foi muito bom como diretor, foi muito bacana trabalhar com ele.
 
MCB: E aquelas mulheres todas, todas têm um espaço tão bacana no filme, tão equilibrado.
 
JF: É, ele fez um cinema único, uma coisa o Khouri.
 
MCB: Eu sempre tenho essa impressão que nos filmes do Khouri as atrizes não são coadjuvantes, ele trata, a câmera trata todas elas com uma beleza...
 
JF: E atrás das câmeras eu me sentia hollywoodiana, porque ele tem um camarim fantástico para cada atriz. A alimentação era fantástica, você escolhe, na época se era uma macrobiótica tinha, se queria um fruta tinha. Tinha sempre alguém correndo atrás de você no set para ver se o vestido saiu do lugar, se o cabelo despenteava, era um tratamento assim fantástico, porque nunca tive esse tratamento.
 
MCB: E o Cinema Marginal, ele te atraia muito? Porque você faz dois filmes que eu gosto muito, que são o Gamal, Delírio do Sexo e  o  Em Cada Coração Um Punhal.
 
JF: Eu era muito apaixonada por esse dois diretores, o João Batista (de Andrade) e o Sebastião (Souza). O Em Cada Coração Um Punhal eu acho maravilhoso, adorei fazer. E o Gamal. Engraçado porque o João Batista também era um cara de esquerda, então queria fazer um filme de esquerda, mas não podia por causa da Ditadura, eu gostei de fazer, eu gostei de trabalhar com eles.
 
MCB: Você tem um outro filme politizado que eu gosto muito, que, inclusive, foi dirigido pelo seu marido,  o Astolfo Araújo. O Fora das Grades.
 
JF: Lindo o filme, né? Nunca mais eu vi o Astolfo, nunca mais.
 
MCB: Você me corrige se eu me enganei, mas vocês foram casados, não é isso?
 
JF: A gente viveu juntos por um tempo.
 
MCB: É um filme tão impactante, eu acho um filme tão especial, assim lá na década de 1970.
 
JF: Eu gostei, eu fiz dele também  o As Gatinhas.
 
MCB: Junto com a Adriana Prieto.
 
JF: É, e que eu também gostei. Bom conversar com você, estou lembrando da minha vida toda.
 
MCB: Adriana Pietro é outra atriz maravilhosa, pena que morreu tão cedo.
 
JF: Maravilhosa, era uma pessoa adorável.
 
MCB: É, e ela morreu jovem demais, tinha 25 anos.
 
JF: Muito, muito jovem. E o irmão dela morreu logo depois muito, muito jovem.
 
MCB: O Carlos Prieto, ele era inseparável dela.
 
JF: É.
 
MCB: Foi bacana trabalhar com a Adriana?
 
JF: Eu virei a mãe dela.
 
MCB: Ah, é?
 
JF: É.
 
MCB: Porque ela é outro símbolo também do cinema brasileiro, uma musa.
 
JF: Ela era bacana, era muito bacana.
 
MCB: Você tem uma passagem pelo cinema popular de São Paulo, pela Boca do Lixo, com o cineasta Clery Cunha em Os Desclassificados, que é um filme que eu acho bem bacana, um filme policial.
 
JF: Eu vi na televisão uma parte dele, porque eu também não me lembrava muito, mas estava passando e aí eu vi que eu estava no elenco (risos).
 
MCB: Esse filme é bacana. Tem aquela vertente toda da Boca do Lixo, que eu acho um capítulo muito importante do cinema brasileiro, e uma das coisas que eu gosto muito da Boca do Lixo  é o cinema de gênero. E aí você fez um filme policial, que é Os Desclassificados.
 
JF: Foi muito difícil para mim fazer esse filme, acho que foi o maior impacto que eu tive na minha carreira.
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MCB: Nossa.
 
JF: Foram mostrar os presos nas gaiolas lá e depois na sala onde estavam torturando uma pessoa. Eu fiquei muito mal, muito mal. Quando eu vi o homem sendo torturado eu realmente quase desmaiei, eu bati na parede. Aí vieram me chamar para filmar e eu dei Graças a Deus. Fui filmar, filmei, e quando perguntei  para o colega o que achava daquilo, estava me referindo a tortura, e ele falou da cena ‘Você estava muito bem’. Mas aí digo, ‘Eu estou perguntando o que você acha da tortura?’. ‘Não teve jeito, teve que ser assim’, respondeu. Aí eu me peguei em uma discussão com os policiais, eu sei lá porque, porque eu estava destrambelhada, porque eu tinha visto muitos presos comuns, com as coisas que se falava sobre os presos. No dia seguinte, quando eu fui filmar na casa, eram os mesmos policiais que estavam lá no Rio. E pensei ‘Vou morrer, não vou aguentar’. Mas enfim, ninguém me deu apoio, só eu me dei apoio, ninguém achou das pessoas estarem sendo torturadas, fiquei pasma.
 
MCB: Que horror.
 
JF: Fiquei pasma com as pessoas porque ninguém ligou, ninguém deu bola, nenhum dos atores, e ainda na saída o fotógrafo disse ‘Não, mas tem que ser assim’. Eu quase bati nele. Foi muito difícil ver esse filme, muito difícil, incrível, não gosto nem de lembrar.
 
MCB: Você falou do Geraldo Miranda, não é isso?, que foi o seu grande amigo. Você trabalhou no cinema com ele também.
 
JF: Trabalhei.
 
MCB: Em Um Brasileiro Chamado Rosaflor.
 
JF: Eu trabalhei com ele, brigamos muito naquela época. Você chegou a ver o filme?
 
MCB: Nunca vi esse filme, esse filme não passa na televisão, não passa em lugar nenhum, sou louco pra ver.
 
JF: Vou procurar saber o que aconteceu com o filme. Tem uma hora que eu morro no filme, e aí  eu fui colocada em um caixão de acrílico coberta de flores, que eles colheram ali no cemitério mesmo. Então eu já fiquei aflita, porque tinha milhões de formigas em cima de mim, começaram a me coçar e eu ali naquele caixão. Me puseram dentro da cova, eu não sabia que ia até lá, e aí quebrou o acrílico, fez aquela explosão assim. Olha, ninguém saiu mais rápido que eu de uma cova na vida, em um minuto eu estava do lado de fora. Você acredita? Era uma cova grande, eu não sei o que eu fiz, eu não peguei na mão de ninguém, eu sei que quando as pessoas correram para ver se eu estava bem, eu já estava no canto do cemitério, brigando sozinha com o Geraldo. Eu falei com ele ‘Como você faz isso comigo?’  Nem me avisaram.
 
MCB: Que cena terrível.
 
JF: Terrível. O Stepan Nercessiam, que trabalha no filme e é um gozador, jogou areia no caixão, aí quando aquela areia caiu primeiro aquilo explodiu. 

MCB: Você faz também dois filmes com o Maurice Capovilla, que é o Noites de Iemanjá e o episódio do Vozes do Medo. Foi bacana trabalhar com o Capovilla Joana?
 
JF: Qual é o segundo?
 
MCB: Vozes do Medo, que tem vários episódios, o seu episódio chama-se Loucura.
 
JF: Gente, eu não me lembro disso.
 
MCB: Do  As Noites de Iemanjá você se lembra?
 
JF: Lembro, eu gosto muito do Capovilla.. Eu não me lembro bem do filme, eu me lembro só de uma passagem bem engraçada. É  que cheguei em Santos, bem na boca da prostituição, vestindo aquele vestido branco e longo. Passou um cafetão, que olhou para mim e disse assim ‘Tem cartão de visita?’ (risos). Aí eu disse ‘Pronto, estou arrasando’.
 
MCB: Você me faz lembrar, contando isso, quando fez a minissérie “O Pagador de Promessas”.
 
JF: Ai que delicia! Pois é.
 
MCB: Em que você faz a prostituta Marli.
 
JF: É, "O Pagador de Promessas" foi um belo trabalho, adorei fazer.
 
MCB: É lindo, não sei se você reviu, saiu o DVD e eu comprei.
 
JF: Eu revi, é muito bonito.
 
MCB: Ali você se entregou totalmente, não é Joana?
 
JF: E também foi difícil, porque eu fui casada com o Nelson Xavier. Eu fiquei tão tímida, tão envergonhada. E aí ele me disse ‘Joana, o que é isso? Você está com vergonha de mim?’  Eu falei ‘Estou, estou realmente pasma, não sei o que é, não sei como me comportar com você’, complicadíssimo. Mas depois que eu falei com ele melhorou, eu esqueci um pouco da Joana e virei a atriz. E como foi um trabalho bom eu fiquei muito feliz.
 
MCB: É um trabalho impressionante seu ali. Não que os outros não tenham aquela qualidade, mas eu acho aquele trabalho no "O Pagador de Promessas" muito impressionante.
 
JF: É muito bom, né?
 
MCB: Você se intimidou em algum momento em função do filme ou não? No filme, quem faz a personagem é a Norma Bengell.
 
JF: É.
 
MCB: Quando você fez a minissérie você levou alguma referência ou você criou?
 
JF: Não, nada, nada.
 
MCB: É, porque não tem nada a ver com a composição da personagem que a Norma faz.
 
JF: Eu tinha visto o filme, mas também não me lembrava. Adorava o filme, adoro o filme, mas não me lembrava de nada que tinha acontecido no filme, e o que aconteceu lá foi o texto do Dias (Gomes)  e a direção da Tizuka (Yamazaki), na direção dos atores.
 
MCB: Agora voltando para o cinema, você tem também outro personagem que eu adoro, que é no Contos Eróticos, no episódio  Arroz com Feijão,  do Roberto Santos.
 
JF: É bonito.
 
MCB: É lindo aquilo, aquela dona da pensão.
 
JF: Eu também fiquei boba naquele filme. Foi tão engraçado, porque o Roberto Santos tinha vergonha de trabalhar comigo em um filme daquele tipo e eu tinha vergonha de trabalhar com ele em um filme daquele tipo, então eu fiquei muito constrangida em algumas horas. Depois, quando eu vi o filme, eu percebi que eu podia ter ido além do que eu fui, e eu não fui porque eu estava com vergonha, mas eu acho o filme muito bonito.
 
MCB: É um belo trabalho. Eu gosto muito de todos os episódios, e o do Joaquim Pedro de Andrade  é maravilhoso,  o Vereda Tropical, que é com o Cláudio Cavalcanti.
 
JF: Delicia esse.
 
MCB: Tem também o do Lima Duarte com a Liza Vieira, que é  O Arremate, do Eduardo Escorel. O seu abre o filme (tem ainda As Três Virgens, de Roberto Palmari).
 
JF: Sabe que você está me deixando com uma vontade de rever todos esses filmes?
 
MCB: Reveja sim.
 
JF: Eu tenho dificuldade porque eu não tenho nenhum. O único que eu tenho aqui em casa, uma cópia,  é o Quem Matou Pixote? (José Joffily).  Acho que vou fazer aqui em casa um festival com os amigos,  chamar todo mundo para ver, sem críticas, ninguém pode falar mal (risos).
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MCB: Você tem grande filmes, não vai ser difícil agradar. Eu li na sua biografia e fiquei um pouco desapontado com você, para falar a verdade, porque você não gosta muito de um filme que eu gosto tanto seu que é o Espelho de Carne, do Antonio Carlos da Fontoura.
 
JF: Eu não gosto desse filme não. Foi um filme tão difícil de fazer, porque eu comecei em uma direção, acho que todo mundo começou na direção. Mas aí a loucura do filme, eu não vou citar nomes, mas assim, atingiu alguns atores, e a coisa começou a ficar tão diabólica, fora, atrás das câmeras. Tão horrível e tão difícil, não gosto, não me lembro muito do filme.
 
MCB: É lindo no filme você e a Hileana Menezes
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JF: Aquela cena eu acho maravilhosa.
 
MCB: A Hileana é tão grande atriz, não é?
 
JF: Maravilhosa, Hileana é maravilhosa.
 
MCB: Eu gosto demais de vocês duas no filme, tem uma cumplicidade de cena.
 
JF: Eu acho ela muito boa, muito boa.
 
MCB: E se vê que tem uma tabelinha ali, vocês atrizes jogando no filme, eu acho tão bonito aquilo.
 
JF: É um outro filme que eu vou ter que rever.
 
MCB: Eu li na biografia você falando que não gosta, eu lembro o que você fala que é porque havia no roteiro uma questão clara sobre a ascensão social e que no filme desaparece.
 
JF: No filme não teve e eu acho que eu fui uma das culpadas, porque como eu entrei para filmar depois que já tinha começado, quem estava fazendo o papel era a Norma Bengel, que saiu e eu entrei, eu não estudei tanto o roteiro como eu deveria ter estudado. Porque quando aparece eu na Barra, morando na Barra, pela primeira vez, eu devia ser mais suburbana e todos tinham que ser mais suburbanos, para depois ficarem adaptados com aquele negócio de vamos para a Barra. E eu não fiz isso e ninguém fez, e não ficou claro no filme. Eu fiquei muito desapontada, desapontada comigo também.
 
MCB: Você faz também na década de 1980 o  Beijo na Boca, com o Paulo Sérgio de Almeida.
 
JF: Esse eu não me lembro mesmo.
 
MCB: Faz O Cavalinho Azul, do Eduardo Escorel.
 
JF: Eu revi há pouco, passou na televisão e eu revi.
 
MCB: Você faz um filme que foi doloroso pra você, mas pra mim é outro grande momento seu ,que o Césio 137 - O Pesadelo de Goiânia, do Roberto Pires.
 
JF: Esse foi tristíssimo, chorei muito nessa filmagem, muito, eu preferia nem falar nisso, porque foi muito doido.
 
MCB: Então você vai depois para um outro registro completamente diferente, que é o Vai Trabalhar Vagabundo II, do Hugo Carvana.
 
JF: O Carvana é um diretor fantástico, aquele papel pequeno ali, ele me dirigiu como um mestre, ficou ótimo, fantástico.
 
MCB: E aí você tem um outro papel pesado, que é o Quem Matou Pixote?, do José Joffily.
 
JF: Que eu também não gostei.
 
MCB: Mas é um personagem muito forte , não é,  Joana?
 
JF: É.
 
MCB: Você foi premiada nesse filme, não é?
 
JF: Sabe que eu não.
 
MCB: Não? Olha, eu sempre achei que sim, que você tinha sido premiada.
 
JF: Eu fui premiada em quase todos os filmes, mas nesse não, eu achei uma injustiça.  Assim que acabou o filme eu fiquei possessa, eu acabei brigando com os diretores. Fiquei possessa porque tinham cortado uma cena grande minha, que desembocava naquela coisa de eu estar bêbada na festa e tal. E, do jeito que que ficou,  de repente eu estava bêbada, e eu achei que não tinha um caminho até lá, fiquei com muita raiva. Depois eu vi o filme em casa e eu gostei.
 
MCB: Mas é um filme forte, e ainda mais doloroso porque a gente sabe da história real.
 
JF: É.
 
MCB: Ai você faz o Copacabana, da Carla Camurati.
 
JF: Eu adoro esse filme. Adorei fazer esse papel, aquela mulher maluca, que chega dando uma bronca na mãe e depois pega o brinquedinho sexual dela, acho maravilhoso. A ideia de pegar o brinquedinho foi minha. Eu disse ‘Carla, quando eu estiver saindo eu pego o brinquedinho e levo comigo, tá?’, e ela falou ‘Está bom’.
 
MCB: Me corrija se eu estou errado, mas eu acho que na sua carreira no cinema foi a única vez que você foi dirigida por uma mulher, não foi?
 
JF: Foi, foi a primeira vez.
 
MCB: Tem alguma diferença  ter sido dirigida por uma mulher ou foi a mesma coisa, essa experiência com a Carla?
 
JF: Não senti diferença não.
 
MCB: Mas foi bacana ser dirigida pela Carla?
 
JF: Sim, pena que foi tão pouco.
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MCB: E aí você vai também para um outro barra pesada, que é o Quanto vale ou é por quilo?, do Sérgio Bianchi.
 
JF: Barra pesada é o Sérgio Bianchi.
 
MCB: (risos) eu entrevistei a Esther Góes há pouco tempo.
 
JF: Gente, como ele é esquisito, barra pesada. Eu queria fazer um filme com ele e adorei ter ido fazer, mas ele é muito barra pesada.
 
MCB: Eu entrevistei mais duas atrizes dele que foi a Cláudia Melo que disse que entrou no cinema dele assim completamente tranquilo e depois se perdeu, e a Esther Góes, que fala que para ela foi muito difícil.
 
JF: Olha, eu achei muito difícil tudo porque ele é uma pessoa difícil, e, às vezes, meio mau. Sabe esse tipo de comportamento meio animal? Eu não sei viver assim, então foi muito difícil trabalhar com ele, embora ele seja muito bom diretor.
 
MCB: É, talentoso, não é?
 
JF: É.
 
MCB: Do filme você gosta?
 
JF: Gosto.
 
MCB: E ai Joana você fez um filme que eu acho assim uma belíssima despedida do Paulo César Saraceni, que é O Gerente.
 
JF: O Gerente é tão bom, né? Gente, como eu gosto desse filme, eu não sabia que o filme está no Now, que eu posso ver quando quiser.  Porque eu não tenho cópia dele também.
 
MCB: O Gerente é o último filme do Saraceni. É muito inventivo.
 
JF: Impressionante. Ele queria muito fazer aquele filme, todos nós, eu inclusive. A gente não acreditava no roteiro, mas eu acho que é porque o roteiro estava na cabeça dele, então o que a gente lia não era tão interessante como tudo o que ele fez, que é lindo, eu acho o filme lindo.
 
MCB: E aquela narradora sua é tão bacana.
 
JF: Eu acho ótimo. Briguei um pouco com ele também, já é o terceiro diretor que eu brigo, eu não sou boa de convívio com diretor. Com Paulo César teve uma hora lá que ele queria que eu chorasse, e queria que eu chorasse, e eu estava narrando a história da morte. Eu estou fazendo o papel do Drummond, estou narrando à história de O Gerente, como que eu vou chorar? Não existe nenhuma ligação afetiva entre nós dois, ai você é diretora ou atriz do filme? Sou meio diretora também, vou querer fazer do jeito que eu acho e eu fiz, e eu estava certa.
 
MCB: Tem uma composição elegante
 
JF: E teve uma outra cena que ele disse para gente fazer assim, fazer assado, fiz tudo que ele falou porque ele já estava zangado, né. Mas eu estava fazendo e pensando ‘Nada disso tem nada a ver’, e foi tudo cortado, não ficou no filme.
 
MCB: Nesses filmes que a gente falou todos aqui, tem alguns que eu queria falar para saber se você quer comentar alguma coisa, porque a gente pulou alguns. Três Histórias de Amor, do Alberto D’Aversa.
 
JF: É lindo, que eu fiz com o Xavier (Nelson), é muito bacana.
 
MCB: O ABC do Amor, em um episódio do Eduardo Coutinho.
 
JF: Que eu fui supostamente assistente de direção, o que é uma mentira, porque o médico me deu um remédio para eu ficar acordada e eu dormia por conta do remédio, daí eu tomava aquele remédio e dormia debaixo da mesa de filmagem. Eu não fui nunca um assistente de direção, o Coutinho tinha raiva de mim até hoje. Eu tive que encontrar com ele para explicar, mas durante um tempo eu dividi apartamento com o Coutinho, porque a gente era fugido da ditadura e ficamos hospedados no apartamento do Chico de Assis O Coutinho (risos),  ele achou o apartamento meio demais pra ele, então eu acho que ele já tinha uma coisa assim contra mim, com o negócio de ficar debaixo da mesa, não vai me perdoar nunca (risos).
 
MCB: E ele abandonou o cinema de ficção.
 
JF: Pois é, eu acho uma pena, porque ele é bom diretor.
 
MCB: Outro que a gente não falou  e é um filme importante, A Vida Provisória, do Maurício Gomes Leite.
 
JF: É lindo esse filme, eu acho lindo, foi um dos filmes que eu mais gostei de fazer, eu acho muito bonito. Ele também abandonou o cinema.
 
MCB: Como foi a relação com o Maurício, Joana?
 
JF: Foi muito boa, foi tudo muito bem, não teve problema, era com o Paulo José, estava em casa. Eu adoro esse  filme.
 
MCB: É um filme que se fala pouco, não é?
 
JF: É, eu acho injusto, porque o filme é legal.
 
MCB: Você fez também Bebel, Garota Propaganda, do Maurice Capovilla.
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JF: Fiz, eu fiz muito filme.
 
MCB: Você tem uma carreira no cinema muito grande. Tem um filme que eu não conheço e que está na sua filmografia, que se chama Um Sonho de Vampiros, do Iberê Cavalcanti.
 
JF: Esse eu dublei quando passou para o digital.
 
MCB: Você dublou quem?
 
JF: A menina que faz o papel principal, eu não me lembro o nome dela (Janet Chermont). Eu sou a voz dela.
 
MCB: Tem mais um, que é o Elas,  episódio do José Noronha.
 
JF: Foi uma história que eu escrevi.
 
MCB: Você escreveu?
 
JF: É, mas foi  difícil trabalhar com o Noronha, não foi fácil.
 
MCB: Você que fez o roteiro?
 
JF: Foi.
 
MCB: E ainda assim foi difícil?
 
JF: Foi, incrível né? Eu lembro que teve uma cena que a gente saiu de São Paulo, estávamos filmando, para ir lá no deus dará, porque ele queria modificar o cenário. Quando chegou no deus dará, não me lembro quem fez com o Otávio Augusto. e eu disse assim “Vem cá, por que a gente andou tanto pra trabalhar tudo em plano fechado? Dá uma panorâmica, cabe mais gente’. Pelo amor de Deus, se não a gente vai voltar para lá e vai ficar filmando.
 
MCB: Você não quis mais escrever para cinema?
 
JF: Eu escrevi um outro conto meu que virou roteiro, virou filme.
 
MCB: Qual filme, Joana?
 
JF: Agora eu não me lembro, eu acho que foi o próprio Noronha que dirigiu, eu não sei. É um filme que não vou lembrar agora, deu branco, mas virou um filme, um curta, de várias histórias.
 
MCB: Tem também o Marília e Marina, do Luiz Fernando Goulart.
 
JF: Esse eu não lembro mesmo.
 
MCB: É um filme protagonizado pela Denise Bandeira e a Kátia D´Angelo, tem também a Fernanda Montenegro. Esse filme era de difícil acesso, mas há pouco tempo ele passou no Canal Brasil. Estou sentindo tanta falta sua na televisão, eu ti vi recentemente no seriado "As Cariocas".
 
JF: Eles me desbancaram.
 
MCB: É mesmo?
 
JF: É, teve a renovação de contrato e eles não renovaram, eu estou desempregada, se souber de alguma coisa, por favor, me indique.
 
MCB: Você conta uma coisa tão impressionante na sua biografia de um outro episódio assim, que você tinha vindo de sucesso que era da novela Tieta, se não me engano.
 
JF: É, que me mandaram embora também.
 
MCB: Não foi?
 
JF: Foi, eu acho que foi a mesma pessoa.
 
MCB: Nossa, e eu já estava aqui contando nos dedos para te ver novamente,
 
JF: É, mas acho que você não vai me ver  porque não renovaram meu contrato.
 
MCB: Mas está chegando aí novela do Gilberto Braga e ele gosta tanto de você...
 
JF: Eu não sei não, eu não sei como que vai ficar, eu gostaria de fazer uma novela do Gilberto, mas eu não sei se vai acontecer.
 
MCB: Me lembro que você ia fazer "Paraíso Tropical", mas você não pode na época.
 
JF: Foi quando eu fiquei com câncer.
 
MCB: Sim, quem acabou fazendo foi a Vera Holtz, que era um personagem lindo  e tinha tudo a ver com você, parece-me que tinha sido um personagem escrito pra você.
 
JF: É, pois é, o que eu posso fazer, né? Estou desempregada, estou em casa vendo televisão e querendo ver se surge de novo um contrato
 
MCB: Foi agora recente?
 
JF: Foi agora recente, então foi doído, foi bem doído, vamos ver o que acontece.
 
MCB: Você já estava há um bom tempo de contrato, não é?
 
JF: O tempo que eu fiquei doente, eu fiquei cinco anos em tratamento. Bom, mas eu fiz algumas coisas, eu fiz "As Cariocas", fiz dois especiais lá, mas eu não trabalhei assim em novela, né, então eu acho que não agradei. Mas tudo bem.
 
MCB: Eu eu tenho certeza que daqui a pouco você estará de volta, porque uma atriz como você não pode ficar longe assim.
 
JF: Tomara.
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MCB: Atrizes como você, Glória Menezes, Regina Duarte, Eva Wilma, Ana Rosa, Rosa Maria Murtinho, Yoná Magalhães, Débora Duarte, Bete Mendes, Betty Faria, são atrizes que eu acho que se confundem com a história da telenovela, não é?
 
JF: É verdade.
 
MCB: Para terminar, as únicas duas perguntas fixas do site. A primeira é qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?
 
JF: O último filme brasileiro que eu assisti? Eu não sei.
 
MCB: E qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você deixa registrado em sua entrevista como uma homenagem?
 
JF: Isabel Ribeiro.
 
MCB: Joana, muitíssimo obrigado, adorei conversar com você.
 
JJF: Obrigado você.


Entrevista realizada por telefone em 2013.
Foto: acervo da atriz

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.