Zezé Motta
Entrevista comemorativa, Site Mulheres do Cinema Brasileiro 17 anos
Zezé Motta é uma das maiores atrizes brasileiras, além de excepcional cantora. Tem uma carreira importante no teatro, onde participou de momentos fundamentais dos palcos, como em “Roda Viva”, peça dirigida por José Celso Martinez Corrêa, sua estreia em 1968, e no Teatro de Arena, com “Arena Conta Zumbi” e “Arena Conta Bolívar”. Ainda nos palcos, vem apresentando shows memoráveis, que apresentam repertórios impecáveis de seus discos, como a obra-prima que é seu primeiro, de nome Zezé Motta, com interpretações únicas para músicas como “Trocando em miúdos”, “Pecado Original”, "Magrelinha", "Dores de Amores", e muitas outras.
Zezé estreou também com o pé direito na televisão, participando de “Beto Rockfeller'', de Bráulio Pedroso, novela exibida na Tupi em 1968 e 1969, e que revolucionou o gênero. A partir daí, dá sequência a uma carreira de grandes trabalhos na TV até os dias de hoje, com destaque absoluto para “Corpo a Corpo” (1984/85), de Gilberto Braga, que desencadeou uma discussão nacional sobre racismo envolvendo o romance dos personagens, uma mulher negra e um homem branco, na novela das oito, principal atração da Globo. Entre seus trabalhos, estão outros momentos memoráveis, como “Kananga do Japão”, na Manchete, e outras como “Transas e Caretas”, “Pacto de Sangue”, “Mãe de Santo”, e “A Próxima Vítima”.
Zezé Motta também fez sensação no cinema como a protagonista de Xica da Silva (1976), dirigido por Cacá Diegues, um grande sucesso nacional e que marcou a carreira da atriz para sempre, em trajetória cinematográfica que começa na virada da década de 1960 para 1970. A atriz fez e continua fazendo muitos filmes, dirigida por grandes cineastas e com vários destaques, como Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana, Tudo bem, de Arnaldo Jabor, Anjos da Noite, de Wilson Barros, Carolina, de Jefferson De, e muito outros.
Zezé Motta, que compõe com Ruth de Souza e Léa Garcia um trio fundamental para a cultura e para o movimento negro, assim como as duas, dá nome à uma das salas do site Mulheres do Cinema, que no caso de Zezé é a sala que apresenta o site.
O Site Mulheres do Cinema Brasileiro está comemorando 17 anos, foi criado no dia 12 de maio de 2004, e essa entrevista com essa artista fundamental, que é Zezé Motta, marca a abertura das comemorações, que vai contar ainda com outras entrevistadas, assim como repostagem de antigos conteúdos que foram retirados do site, e voltarão atualizados.
Nessa entrevista, concedida por telefone, Zezé Motta repassa sua trajetória desde sua formação até a carreira nos palcos, na música, na televisão, e, claro, no cinema. Tudo isso e muito mais nessa entrevista especial e comemorativa. Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começarmos, seu nome, a cidade em que nasceu, a data de nascimento e a sua formação.
Zezé Motta: Então, meu nome de batismo é Maria José Mota, com um t só, o Zezé Motta é com dois. Eu nasci em Campos dos Goytacazes, cidade do Rio de Janeiro, no dia 27 de junho de 1944, portanto, vou fazer 77 anos daqui um mês e meio eu acho, dia 27 de junho, sou canceriana e filha de Oxum.
MCB: E sua formação artística, Zezé?
ZM: Olha, eu tive o privilégio de descobrir o meu dom muito cedo, já no primário, naquelas festas, sabe, aqueles eventos, festas de datas históricas. Eu estava sempre cantando uma música, declamando um poema, participando de uma peça, mas era uma coisa assim espontânea, eu sabia que ia acontecer, me interessava e participava, no ginásio foi a mesma coisa. Depois eu trabalhei em um laboratório farmacêutico, extinto Laboratório Moura Brasil, só que aí quando eu terminei o ginasial eu ganhei, como prêmio, uma bolsa no Tablado, o curso mais sofisticado da época, da Maria Claro Machado. Ganhei uma bolsa para fazer um curso que a minha família não teria a menor condição de pagar. Ai eu fiz o curso do Tablado e também tive a sorte, pois eu me formei no final de semana e na semana seguinte eu já estava ensaiando uma peça profissionalmente, “Roda Viva”, do José Celso Martinez Correa, no Teatro Oficina. Peça do Chico Buarque, com direção do José Celso, uma peça revolucionária que causou muita polêmica.
MCB: Uma estreia com o pé direito né, Zezé?
ZM: Exatamente (risos).
MCB: Porque você faz o “Roda Viva”, que é em 1968, e você aí, nesse início de trajetória teatral, você também faz o Arena, não é?
ZM: Sim, eu fiz “Arena Contra Zumbi”, “Arena Contra Bolívar". Foi com o Teatro de Arena que eu saí do país e conheci os Estados Unidos, México e Peru, com o Augusto Bual, fazendo o “Arena Contra Zumbi” e “Arena Contra Bolívar”.
MCB: Ou seja, já trabalhando com os mestres do teatro que são referências até hoje.
ZM: Com certeza, um privilégio mesmo.
MCB: Você ainda faz muitas peças e tudo acontece, na verdade, ao mesmo tempo não é Zezé? Porque em 1968 você estreia também na TV em outro marco, que é a novela “Beto Rockfeller”.
ZM: Sim, logo no início, foi a primeira novela que eu fiz, sendo indicada pela minha saudosa comadre Marília Pêra. Eu fiz uma participação muito importante, interessante em “Beto Rockfeller”.
MCB: Que também foi uma revolução na televisão.
ZM: Com certeza.
MCB: Agora, nesses primeiros anos você faz algumas peças e aí também vem a carreira musical A partir daí como que fica o teatro na sua vida, porque você vai retomar, em termos de peças...
ZM: Não, as pessoas volta e meia me aparecem com essa interrogação: “E o teatro, como que fica?” Sabe o que acontece? Eu nunca me senti afastada do teatro, porque quando eu resolvi me dividir entre o teatro e a música, todos os meus shows são muito teatrais, a atriz está sempre presente nas minhas interpretações musicais. Porque eu procuro, em cada música, qual é a personagem, então se é a “Rita Baiana”, que é assanhada, eu interpreto a assanhada, se é uma mulher sofredora como em “Dores de Amores”, eu faço a mulher sofredora, choro, o público chora junto comigo (risos). A “Magrelinha”, do Luiz Melodia, que fala de uma menina que é desnutrida, eu realmente vivo o drama da menina, assim tipo, meu Deus, que coisa complicada você não ter acesso, né? Eu levo para a interpretação essa questão da desigualdade, então eu nunca me senti afastada do teatro.
MCB: Sim, é porque essa minha observação é a pergunta que eu iria fazer a seguir, pois como eu também acompanho a sua carreira musical, já fui em vários shows seus, eu reconheço a atriz ali também nos shows.
ZM: Ah, que bom.
MCB: Eu percebo nos seus shows toda essa questão teatral, porque você é atriz e cantora e eu acho que é difícil desassociar uma coisa da outra.
ZM: Sim, isso é muito difícil. Por exemplo, quando eu faço a homenagem a Elisete Cardoso no “Divina Saudade”, eu vejo no repertório dela o quanto ela foi uma mulher importante para a cultura, para a MPB, mas o quanto ela foi uma mulher sofrida e que ela extravasava isso através do repertório. Então quando eu faço o “Divina Saudade”, que é o show em homenagem a Elisete, eu me coloco no lugar dela e, às vezes, se eu estiver muito sensível, eu sem ser ensaiado, sem ser combinado, eu chego às lágrimas e acabo levando muitas pessoas do público também às lágrimas. Enfim, acontece o mesmo com o repertório do Luiz Melodia , quanto eu canto o “Dores de Amores”, não dá para não reviver essa dor, porque quem não sofreu por amor, né (risos)?
MCB: Fora essa década de 1960 e 70, eu tenho alguns espetáculos de alguns outros anos que eu queria te falar para ver se está correto, tem “Os Intocáveis”, em 2015, a “Causa da Liberdade”, de 1988, o “Musical”, em 2007. São espetáculos de teatro que você participou, não é isso?
ZM: Sim. MCB: Vamos falar um pouco de televisão, porque você tem trabalhos memoráveis na TV, eu tenho paixão pela sua atuação em “Corpo a Corpo”, em que você fazia uma arquiteta.
ZM: Nossa, foi muito importante na minha carreira, muito importante mesmo. O personagem é maravilhoso, coprotagonista que acabou virando protagonista por conta da polêmica. A protagonista era a personagem da Débora Duarte, mas a minha personagem acabou causando mais polêmica, tendo destaque, sendo mais discutida, porque foi uma novela, eu acho, que pela primeira vez estava se discutindo a questão racial.
MCB: Pois é, eu considero uma das maiores novelas do Gilberto Braga. Eu não sei se você já sabe disso, mas ele também já falou que acha que é uma novela pouco comentada e que é uma novela que ele gosta muito, e eu que sou negro, eu fiquei muito marcado.
ZM: Sim, eu imagino.
MCB: Tinha a Joana Fomm também maravilhosa, e a personagem dela te chamava de macaca, enfim, era uma coisa muito forte.
ZM: Era. MCB: Você vai permear seu trabalho na televisão em várias emissoras, eu adorava te ver na novela “Kananga do Japão”, que você comandava aquele salão.
ZM: Eu adorava.
MCB: Na Manchete. Sua personagem era uma cantora, eu adorava. Pegando esse eixo da cantora, aí tem a sua carreira musical. O que eu acho mais impressionante, além do seu timbre único e da voz maravilhosa, é a capacidade que você tem de se apropriar das músicas. Por exemplo, eu acho que não tem nenhuma interpretação melhor de qualquer cantor e cantora do que a de “Trocando Miúdos” com você.
ZM: Adoro.
MCB: Eu acho inacreditável.
ZM: Adoro, “Trocando Miúdos”, “Pecado Original”, “Magrelinha”.
MCB: Eu já ia falar também da “Pecado Original”.
ZM: Eu agradeço a Deus todos os dias, eu tive o privilégio de nascer com esse dom e, sem modéstia nenhuma, com uma voz realmente privilegiada (risos).
MCB: Pois é, e o seu primeiro disco é uma obra-prima, né Zezé.
ZM: Com certeza.
MCB: Porque tem muito dessas discussões do primeiro álbum, quando é uma obra-prima, como é, por exemplo, o primeiro da Angela Ro Ro, como é o seu. É sabido sobre o repertório, com todos aqueles grandes compositores fazendo músicas para você. E tem essa sua parceria com o Luiz Melodia, por exemplo, “Dores de Amores”, “Magrelinha”, enfim. ZM: O único disco meu que não tem o Melodia foi quando eu homenageei a Elisete Cardoso em “Divina Saudade”, pois, por acaso, ela não gravou o Melodia Mas todos lá tem um pitaco do Melodia, “Dores de Amores”, “Magrelinha”, “Fadas”, por aí vai.
MCB: Agora Zezé, vamos falar de cinema. Você tem uma carreira fulgurante no cinema, tanto em número de filmes como de importância. O primeiro filme é em um episódio de Em cada coração um punhal (episódio Transplante de mãe, 1970, de Sebastião de Souza)?
ZM: Com certeza, foi uma pequena participação, eu acho que foi importante porque é minha primeira aparição. Agora o personagem mais importante no ínicio da minha carreira foi em Vai trabalhar vagabundo, com o (Hugo) Carvana, o vagabundo tinha várias namoradas e eu era uma delas (risos).
MCB: Você consegue se lembrar da sua primeira experiência de pisar em um set de cinema?
ZM: Olha, a primeira vez que eu pisei em um set, meu Deus do céu, deu um branco agora, era uma figuração. Era uma figuração em um filme muito importante e ali eu já previ que alguma coisa poderia acontecer, porque eu só fazia teatro.
MCB: Nesses primeiros filmes seus, além do Em cada coração um punhal tem também o Cleo e Daniel.
ZM: É o Cleo Daniel, acho que é nesse que faço uma figuração.
MCB: É impossível falar da sua trajetória cinematográfica sem falar do Cacá Diegues, e não só pelo Xica da Silva.
ZM: Com certeza, eu me considero a musa do Cacá Diegues, porque eu fiz cinco filmes com ele. MCB: Nesse capítulo, que é o Cacá Diegues na sua carreira, você faz Xica da Silva, que é um estrondo nacional. Foi uma reconfiguração de tudo né, Zezé, é o símbolo sexual, é a atriz premiada, é a presença cinematográfica.
ZM: É, porque eu estou em um protagonismo muito importante para uma atriz negra brasileira, mulher negra brasileira, é muito importante.
MCB: O Xica da Silva acabou te marcando para sempre, né Zezé?
ZM: Com certeza, eu posso dividir a minha vida entre antes e depois da Xica.
MCB: E aí você da sequência nos trabalhos com o Cacá, porque depois você faz Quilombo, como a Dandara, que é outra personagem histórica e cara para nós do movimento negro e do Brasil. E você continua trabalhando com o Cacá Diegues em vários filmes, eu gosto muito do Dias melhores virão, que é um encontro seu com a Marília Pêra, sua comadre, agora no cinema, eu adoro aquela personagem do filme, a dubladora.
ZM: Muito lindo, eu adorei, por tudo, né, personagem bem diferente e trabalhando ao lado da minha saudosa comadre.
MCB: Parceira que volta em Tieta do Agreste.
ZM: Exatamente, adorei também fazer a Carmosina e sabe o porquê? Porque sempre fazia personagens muito sensuais até ali, muito extrovertidos, e a Carmosina é o oposto disso, uma solteirona, triste, introvertida. E isso é muito importante para o ator poder mostrar na sua interpretação um outro lado, que não sabe fazer só a muleca, sem vergonha, a sedutora, a sensual, foi muito importante, para mim, ter feito essa personagem.
MCB: Como no Quilombo também, porque ali é uma guerreira, né Zezé?
ZM: É, a Dandara também foi uma experiência incrível. Quando eu recebi o roteiro e li, eu me lembro até hoje, eu liguei pro Cacá e disse: “Cacá, essa mulher não sorri nunca, você tem certeza que vai dar certo?” (risos). Porque independente do mundo estar pelo avesso eu sou uma mulher sorridente (risos), eu puxei isso do meu pai, minha mãe não era não, minha mãe era muito fechada sabe, já ele o bicho estava pegando e ele estava sempre sorrindo para a vida. . E aí ele falou “Fica tranquila, eu sei o que estou fazendo, você vai interpretar muito bem”. E foi uma experiência incrível, porque eu acho que todo ator precisa ter espaço para mostrar que ele não sabe fazer só uma coisa. Que ele é capaz, e ali foi o caso, de fazer um personagem introvertido, que não sorri, ela não era sensual, a prioridade dela não era a sexualidade. A Dandara é uma personagem que viveu lutando pela liberdade de seu povo, tinha até uns rumores, “Será que não rolou nada entre ela e o Zumbi?” Mas aí é outra história, que nunca vai poder ser confirmada, então deixa quieto, né (risos).
MCB: Talvez o Cacá seja o cineasta branco que mais se debruçou sobre a questão negra.
ZM: Com certeza.
MCB: Desde o primeiro longa, Ganga Zumba, trabalhando com atores negros, independente se a questão era negra, como, por exemplo, no Dias melhores virão em que você está?
ZM: E, por incrível que pareça, ele foi muito injustiçado por alguns radicais, porque teve gente dizendo que chega de um branco contando a nossa história. Eu até compreendo, mas é uma postura muito radical, muito radical. No próprio Xica da Silva também rolou muitas críticas, de que o filme, mais uma vez, estava explorando o lado sensual da mulher negra. O Cacá respondeu à altura e eu assinei embaixo “Essa é a minha Chica da Silva, faça a sua, faça o seu filme, né? E aí fica aquela coisa, tem verba, tem patrocínio, mas se ele pegasse essa verba, esse patrocínio e usasse em uma pornochanchada ou, enfim, em um filme que não nos interessasse também iria ser criticado, então esse é o nosso país.
MCB: Você tem um outro filme que eu adoro que é o Tudo bem.
ZM: Adoro.
MCB: Outro dia eu estava vendo a sua cena, em que você sai cantando e dançando.
ZM: (risos) “Porque nós somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” (cantarola), adoro, foi uma honra muito grande ter feito o filme com o Arnaldo Jabor.
MCB: E outro xodó meu é o Anjos da noite.
ZM: Olha só, se você for citar cada filme a gente vai ficar pra sempre aqui (risos) São 54 anos de carreira, é muita coisa. Adorei também ter feito, tem um cartaz aqui, estou olhando para ele, era um sonho do Wilson (Barros) fazer um longa-metragem e eu tive o privilégio de ser a narradora dele, foi o único filme que ele conseguiu fazer, logo depois ele se despediu do planeta Terra. Fiquei muito feliz de ter participado de um projeto que fazia parte do sonho dele.
MCB: Tem atores e atrizes que ficam muito marcados por um movimento específico do cinema, você acabou transitando por vários, desde o Cinema Novo, o cinema popular, trabalhando com autores veteranos, cineastas intermediários como, por exemplo o Sérgio Bianchi, cineastas novos como o José Eduardo Belmonte. O cinema é uma prioridade na sua carreira?
ZM: Olha, se eu disser que é uma prioridade é muita pretensão, porque na verdade é um privilégio, eu atendo convites, e eu considero um privilégio porque eu adoro fazer cinema, adoro. Teve uma época que eu disse que preferia fazer cinema do que televisão, só que eu tive que repensar isso porque a televisão atinge, quer dizer, agora mudou, com a era digital mudou porque as pessoas encontram o que elas quiserem na internet. Mas teve uma época que, puxa, que privilégio fazer mais cinema do que televisão, porque a televisão todo mundo tem acesso e o cinema não. Hoje em dia é só uma questão de você escolher o que você quer ver, se você quer ver “Beto Rockfeller" né, ou se você quer ver Dias melhores virão, (risos) você acha tudo, a tecnologia facilitou tudo.
MCB: E eu não posso deixar de citar no cinema você fazendo a Carolina de Jesus com o Jeferson De, porque a Carolina é outra referência, né Zezé?
ZM: Com certeza, acabei de ler o livro do Tom Farias. muito interessante. Quando eu fiz o Carolina eu tinha lido o “Quarto de Despejo”, eu já tinha alguma intimidade com a personagem, então quando o Jefferson me convidou, eu fiz questão de reler o “Quarto de Despejo”para ficar enfim, imbuída, mais contagiada, influenciada pela personagem. Eu acabei de ler, há poucas semanas, a biografia da Carolina do Tom Farias e eu fiquei muito feliz de saber mais sobre uma personagem que eu interpretei e me apaixonei. Saber mais da história mesmo, porque no livro do Tom Farias ele começa do zero, ele começa contando a história que vem lá dos bisavós, passando pelos avós, vindo para a mãe. A gente tem ali uma noção exata do que foi a vida dessa mulher, é muito interessante, chama-se“Carolina: uma Biografia, muito interessante, gostei muito.
MCB: E você está envolvida em outras novas produções né, Zezé? Você tem feito muitos filmes, felizmente.
ZM: Sim, na medida do possível, né? Eu tenho aí agora um convite para fazer um seriado na Globo baseado no livro da Fernandinha Torres, “Fim”. Eu tenho um convite para participar do próximo episódio de “Arcanjo Renegado”. Hoje mesmo eu recebi dois convites de roteiro, eu tenho uns quatro roteiros que eu já estou convidada, e a gente está aguardando as coisas ficarem calmas. ,MCB: Zezé, teve uma época que era Ruth de Souza, Léa Garcia, você e algumas outras poucas atrizes negras que tinham maior repercussão, aos poucos isso foi mudando e ainda há muito para avançar. Você tem a real dimensão do que você e seus parceiros proporcionaram com o Cidan - Centro de Informação e Documentação do Artista Negro?
ZM: Pois é, eu considero o Cidan como uma iluminação do astral. Quando as coisas deram certo para mim, eu olhei para o lado e perguntei “Cadê todo mundo”? E esse todo mundo dava para contar nos dedos. Quantos negros estavam em cena? Quantos negros estavam empregados, trabalhando em cinema, teatro e televisão? Tem alguma coisa errada e cheguei a conclusão que nós não podíamos ficar esperando por uma atitude paternalista, de que alguém ia acordar e falar que temos que dar uma força para os atores negros, Cacá Diegues foi uma exceção, me perdoe se eu estou sendo injusta com mais alguém, mas é o que vem na minha mente. Porque foi uma experiência que vi, convivi e vivo com ela, só com o Cacá Diegues eu fiz cinco filmes Então quando eu vi que tinha um vazio ali eu falei “Nossa, já que as coisas estão dando certo pra mim eu tenho que colaborar com isso, eu tenho que fazer alguma coisa” Daí que surgiu a ideia de catalogar os artistas negros, enfim, cobrar, denunciar, mostrar os caminhos, dar a visibilidade dos negros na mídia. Porque quando a gente falava sobre a invisibilidade dos artistas negros nos respondiam assim: “A gente só conhece você, Zózimo Bulbul, Pitanga, Léa Garcia, Ruth de Souza, Chica Xavier, e citavam algumas poucas outras atrizes”. Aí eu falei “Bom, nós não podemos ficar esperando, nós que temos que virar esse jogo para dar visibilidade para o artista negro”. Tive o privilégio de propor isso para um grupo de pessoas do movimento negro que toparam para que o Cidan desse essa visibilidade aos artistas negros.
MCB: É o artista atuando em seu tempo, né, Zezé? Como foi a Ruth de Souza, que foi da primeira geração do TEN - Teatro Experimental do Negro, e a Léa Garcia, em um segundo momento no TEN, e você aí fazendo essa interferência.
ZM: A Ruth e a Léa foram juntas fazendo parte do Teatro Experimental do Negro, fundado pelo Abdias do Nascimento.
MCB: Zezé, antes de a gente ir para as duas últimas perguntas da entrevista você quer comentar mais algum filme, algum diretor, mais alguma questão relacionada ao cinema?
ZM: É complicado, porque são 54 anos de carreira, a gente teria que ficar até de manhã (risos). Mas acho que você conseguiu dar um destaque, pelo menos na minha carreira os filmes mais importantes, se a gente deixou passar algum é compreensível.
MCB: Então as únicas perguntas fixas do site. A primeira é: Qual o último filme brasileiro a que você assistiu?
ZM: O último filme brasileiro que eu assisti? Foi um filme com a Regina Casé, ela é a protagonista, ela faz uma empregada doméstica. Que eu me lembro agora, né, porque eu fico toda hora vendo um trecho de um filme aqui outro ali, como passam muito tarde eu não vejo eles na íntegra.
MCB: Pode ser o Que horas ela volta?.
ZM: É um filme importantíssimo.
MCB: E a última é a seguinte: “Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você deixa registrada em sua entrevista como uma homenagem e por que.
ZM: Ruth de Souza. Porque ela é uma das maiores atrizes desse país. Eu acho que ela foi mal aproveitada, eu sei que ela partiu dessa frustrada com isso, e eu acho que foi um desperdício não ter dado mais espaço para ela. Claro que não foi um privilégio dela, mas eu lamento por ela, um grande talento que partiu já bem idosa, dizendo assim “Gente, eu quero trabalhar, quero trabalhar, estou na cadeira de rodas, mas eu estou lúcida” Eu lamento, mas é claro que não foi feito justiça ao talento de Léa Garcia, por exemplo, Neusa Borges também muito talentosa, um monte de gente, mas o meu destaque vai para a Ruth de Souza
MCB: Zezé, mais alguma coisa que você queira acrescentar?
ZM: Olha, eu acho que a gente falou de tudo um pouco.
MCB: Então tá, eu quero te falar da minha alegria de termos feito essa entrevista, da importância que você tem para as artes, para o Brasil, pra mim em particular. Só para você ter ideia, o meu site é construído como se fosse um complexo de salas de cinema, com diferentes conteúdos, e a sala que apresenta todo o site leva o seu nome, Sala Zezé Motta.
ZM: Que legal, nossa que emoção.
MCB: Tem lá a Sala Zezé Motta, Sala Léa Garcia, Sala Ruth de Souza, enfim, então é uma felicidade enorme eu ter feito essa entrevista e você ter aceitado esse convite.
ZM: Que bom. MCB: Muito obrigado.
ZM: Imagina querido, um beijão.
Entrevista realizada por telefone no dia 11 de maio de 2021.Crédito foto: Lucas Ávila
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