Lina Chamie
Lina Chamie é uma das maiores revelações do Cinema da Retomada. Com formação musical, é clarinetista, Lina é filha do poeta Mário Chamie. Depois de viver 14 anos em Nova York, onde estudou música e fez vários trabalhos no departamento de cinema, Lina Chamie voltou ao Brasil em 1994, época em que participa do projeto “Os 12 trabalhos de Hércules”, coordenado pela cineasta Tata Amaral, para o Festival do Minuto.
A paixão pela música e pelo cinema veio com os filmes “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, e “Morte em Veneza”, de Luccinho Visconti, e se acentuou com a experiência de cinéfila e de funcionária do departamento de cinema, em Nova York. Mas um grande e decisivo marco em sua vida foi o encontro com Joaquim Pedro de Andrade: “E eu vi ele filmando “O Homem do Pau Brasil” (1982), no Teatro Municipal de São Paulo. Eu era adolescente, já estava estudando música e fui no set de filmagem. E vi uma cena com a Juliana Carneiro da Cunha, uma cena com travelling, maquinaria, e aquilo mexeu comigo, a cena, a atuação, o Joaquim Pedro dirigindo. Eu era jovem e alguma coisa aconteceu comigo naquele dia, alguma coisa muito forte, a vida me puxou o tapete, fiquei sem chão”.
Em 1995, Lina Chamie dirigiu o curta “Eu sei que você sabe” – prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Brasília. Em 2000, estréia em longas com “Tônica Dominante”, filme com proposta radical: “as pessoas confundem um pouco o “Tônica” como um filme de música. Eu chego a dizer, “gente, não é um filme de música”. Quer dizer, o universo, o personagem é um músico, e a música é um elemento do filme, mas ele é um filme essencialmente de cinema, ele é um filme que, pela ausência de diálogos, aposta na imagem, na montagem do Paulo Sacramento, aposta na fotografia da Kátia Coelho, da Katinha. Ele é um filme que aposta na linguagem cinematográfica, então ele é um filme de amor ao cinema”. Agora, Lina Chamie está lançando seu segundo longa, o belo “A Via Láctea”, protagonizado por Marco Ricca e Alice Braga, que estreou no Festival de Cannes: “Agora é um filme super B.O. (baixo orçamento), “A Via Láctea” é um filme feito com 1 milhão, não passa de 1 milhão o orçamento. É um filme feito com muito pouco, é 1 milhão o filme inteiro, já distribuído e tal”.
Lina Chamie esteve na “11ª Mostra de Cinema de Tiradentes” para acompanhar a exibição ao ar livre, no Cine-Tenda, de “A Via Láctea” e também para preparar o lançamento do filme em Belo Horizonte. A cineasta conversou com o Mulheres e repassou sua trajetória. Falou da carreira na música e o encontro com o cinema; falou sobre seus filmes; a parceria com atores como Fernando Alves Pinto, Alice Braga e Marco Ricca – e a presença fundamental desse último em “A Via Láctea”; a dificuldade em fazer o segundo longa, e outros assuntos.
Mulheres do Cinema Brasileiro: pelo que eu já li a seu respeito, eu sei que sua paixão por música vem desde criança, e que, inclusive, sua paixão pelo cinema também foi despertada muito cedo, a partir dos filmes “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, do Stanley Kubrick, e de “Morte em Veneza”, de Lucchino Visconti. É isso mesmo?
Lina Chamie: Eu acho que sim. Como dizer, esteticamente, de me abrir o mundo, de eu perceber a possibilidade, sim, esses dois filmes foram marcos. Mas tem um evento na minha vida, que eu falo pouco dele, mas que é marcante. Eu vi, eu era adolescente, eu vi Joaquim Pedro (de Andrade) filmando. Eu vi, eu estava no set, foi a primeira vez que eu estive em um set de filmagem, por acaso, porque meu pai fazia uma ponta no filme, minha mãe também, por amizade ao Joaquim Pedro. E eu vi ele filmando “O Homem do Pau Brasil” (1982), no Teatro Municipal de São Paulo. Eu era adolescente, já estava estudando música e fui no set de filmagem. E vi uma cena com a Juliana Carneiro da Cunha, uma cena com travelling, maquinaria, e aquilo mexeu comigo, a cena, a atuação, o Joaquim Pedro dirigindo. Eu era jovem e alguma coisa aconteceu comigo naquele dia, alguma coisa muito forte, a vida me puxou o tapete, fiquei sem chão.
E continuei estudando música, objetivamente, fui para os Estados Unidos, e tal. E aí, nos Estados Unidos, minha formação acadêmica é musical, fiz universidade, mas comecei a ver muitos filmes. Eu já via no Brasil, mas Nova York é uma cidade cinéfila, eu via de dois a três filmes por dia. E eu acho que cinema você aprende muito vendo. E aí comecei a trabalhar para ganhar um dinheirinho, estudante, aquela coisa, correria pra cá e pra lá. Comecei a trabalhar como assistente no departamento de cinema da Universidade de Nova York, onde eu estudava, e mesmo depois que eu me formei, eu continuei trabalhando no departamento de cinema por dez anos. Era um pouco pau pra toda obra, fazia de tudo, desde assistente do assistente à produção, assistente de montagem, até projecionista eu fui, quer dizer, eu era alguém que fazia tudo, jovem, e tal. Só que fui entrando, tecnicamente no mundo do cinema, que em termos de ver filmes, eu também estava totalmente envolvida, uma coisa paralela, mas que ocupava muito o meu tempo.
Quando eu voltei para o Brasil, em 1994, a Tata Amaral me convidou para dirigir um videozinho de um minuto.
Mulheres: No projeto “Os 12 Trabalhos de Hércules”.
Lina Chamie: É, foi um convite de uma amiga diretora, fiz e se eu disser para você que foi uma passagem, não é uma ruptura, foi uma passagem muito espontânea, quer dizer, faz mais de dez anos que eu faço cinema. Eu passei, eu comecei a fazer cinema de uma forma muito natural e era uma paixão que existia em mim. Só para fechar a história, você está me dando essa chance, aconteceu uma coisa incrível. Eu fiz um curta, que foi muito premiado, foi para Brasília, para Gramado, o “Eu Sei que Você Sabe” (1995). Aí, fiz meu primeiro longa, que é “Tônica Dominante” (2000), que eu filmei no Teatro Municipal, mas eu não me dei conta, só depois, que eu havia filmado cenas no mesmo espaço onde tinha visto, muito tempo antes, o Joaquim Pedro filmando. Eu só percebi isso depois, e eu acho que, realmente, aconteceu uma coisa muito mágica, quando eu estive lá na filmagem de “O Homem do Pau Brasil”. Pra mim aquilo é uma coisa que ficou em mim, de uma maneira inconsciente muito forte, e a vida depois me levou, muito naturalmente, a vida me deu a mão e falou “Lina, é por aqui”, e eu fui. E tem a ver com esse evento lá atrás.
Mulheres: Porque quando você vem para Brasil, em 1994, você veio convidada, mas foi para um concerto de música, não é?
Lina Chamie: Eu vim como musicista, porque era o que era oficialmente, mas eu vim com uma consciência minha de que a música não vingaria no Brasil, eu sabia que ao sair de Nova York, eu estava entrando em uma outra coisa que eu não sabia bem o que era. Por isso que eu digo que o cinema me deu a mão, não foi bem eu que fui atrás, o cinema é que me encaminhou. Eu sabia que talvez a música ficasse pra trás, eu tinha uma consciência disso, por uma série de razões, eu estudei música clássica. A música popular no Brasil é genial, enfim, é riquíssima, já o universo da música erudita é bem mais restrito, eu era instrumentista, quer dizer, eu sabia que eu estava indo para uma outra etapa, que eu nem sabia o que era. E era o cinema, que, na verdade, já era, eu já estava até o pescoço.
Minha passagem por Nova York é uma passagem muito cinematográfica, essa coisa de trabalhar ali com o cinema e, ao mesmo tempo, ser tão cinéfila. Como você disse, “2001” e “Morte em Veneza”, Kubrick e Visconti, são filmes da minha pré-adolescência, eu vi “2001” com 11 anos de idade, e foi um filme que me marcou, foi a primeira vez que eu chorei de emoção, e vi depois Visconti, vi Fellini. Vi “São Paulo S.A”, que é um filme que me marcou muito com esse meu segundo longa-metragem, o “Via Láctea”, então, quer dizer, é gozado, às vezes as coisas já existem em você e você vai descobri-las com o tempo, é o caso do cinema na minha vida.
Mulheres: O curioso é que como você tem essa formação musical, o esperado era que no “Tônica Dominante”, o que se veria era a música como trilha sonora e, no entanto, ela está lá presente na própria estética do filme.
Lina Chamie: Que bom que você diga isso, porque as pessoas confundem um pouco o “Tônica” como um filme de música. Eu chego a dizer, “gente, não é um filme de música”. Quer dizer, o universo, o personagem é um músico, e a música é um elemento do filme, mas ele é um filme essencialmente de cinema, ele é um filme que, pela ausência de diálogos, aposta na imagem, na montagem do Paulo Sacramento, aposta na fotografia da Kátia Coelho, da Katinha. Ele é um filme que aposta na linguagem cinematográfica, então ele é um filme de amor ao cinema.
E é interessante, porque o meu primeiro curta tem música também, mas não houve essa associação. Agora o “Tônica” sendo o primeiro longa, ficou até uma espécie de, um pouco de estigma, essa coisa da música e tal, e o interessante é que a música volta em “A Via Láctea”. Mas não é um filme sobre música, o personagem é um escritor, ele é um filme muito mais da palavra, da montagem, do ritmo, e existe a música, quer dizer, eu uso a música no cinema, a música é um elemento poderoso também dentro da linguagem cinematográfica. Mas não são filmes, bem, evidentemente, meu curta e “A Via Láctea” não são absolutamente sobre música, e o “Tônica”, que seria sobre música, é um filme também, na verdade, sobre cinema.
Mulheres: Mas foram bem de críticas, não é?
Lina Chamie: Sim, o “Via Láctea” foi muito bem de críticas, e o “Tônica” também é um filme que teve repercussão crítica muito importante, muito boa. E são, de certa forma, filmes... é a minha maneira de trabalhar, é incrível, às vezes as pessoas acham que é uma pretensão minha, absolutamente não é. O Marco Ricca sempre fala brincando “não gente, vocês não conhecem a moça, ela é assim mesmo” (risos). È a minha maneira de trabalhar, que é um cinema muito sem concessão, no sentido de que talvez eu nem saiba fazer essas concessões, eu sei fazer esse cinema que é um cinema que tem uma coerência interna e que busca uma linguagem. Então, os dois filmes ocupam, eu começo a perceber isso, isso dá alegria, me reconforta, e ocupam um espaço de um cinema que busca sua linguagem. Eles são respeitados dessa forma, bem como, quando odiados, são odiados por isso.
Mulheres: E no seu cinema tem essa presença forte do Fernando (Alves Pinto), na época do “Tônica Dominante” teve, inclusive, aquele problema com o acidente dele. Tem aí uma espécie de casamento, não é?
Lina Chamie: Tem, porque o Nando é muito amigo meu, o Nando fez o meu curta também, está em todos os meus filmes. É gozado, eu tenho algumas pessoas que estariam em todos os meus filmes, como o Rodrigo Santiago, que faleceu, fez o meu curta, e que é um ator mineiro, um ator muito interessante. Ele fez o “Tônica” também, mas ele faleceu e eu terminei o filme com o Carlos Gregório substituindo. Eu digo tudo isso porque agora o Marco Ricca é um grande amigo. Talvez eu tenha essa ligação com os atores, eu acho que o ator é uma pessoa muito importante no cinema, o ator imprime uma alma ali, o ator dá uma unidade ao filme, o ator é uma pessoa que no processo ele é interessante, só o cinema faz isso, que tem um coração muito aberto para os atores e o ator também tem que abrir o coração. A matéria-prima do ator é o coração, é a emoção. Então, eu talvez tenha esse vínculo com os atores. O Nando já era um amigo meu de antes, mas veja que são atores com os quais a gente trabalha com muita entrega, então nenhum de nós, nem eu e nem os atores, passa impune por esses filmes. Então eu acho que é uma característica, eu crio um elo com os atores.
Mulheres: No “Tônica” você trabalha também com Vera Holtz.
Lina Chamie: É, uma super atriz.
Mulheres: Eu gostaria que você falasse um pouco sobre essas mulheres. A Zita Carvalhosa está na produção do “Tônica”, não é?
Lina Chamie: A Zita Carvalhosa produziu “Tônica Dominante”, não produziu “A Via Láctea”, esse quem produziu foi eu mesma. A Zita foi muito importante para mim. Na verdade, eu diria que sem a Zita eu talvez nem tivesse terminado o “Tônica”, porque a gente teve muitos percalços. O Nando teve o acidente, eu tive que esperar três anos o Nando se recuperar pra voltar, eu tinha filmado metade do material, então aí a figura do produtor, do produtor executivo foi fundamental. E também a minha persistência, e talvez a minha profunda amizade pelo Nando, porque eu nunca pensei em trocar o Nando, eu falei “eu espero, se o Nando voltar voltou, se não voltar não sei”. Mas o “Tônica” tem essa história longa de realização e de persistência, e ele é um filme um pouco iluminado nesse sentido, eu gosto muito do filme porque ele fala um pouco disso também, de encontrar a luz, de esperar o momento e tal. É o que aconteceu no processo do filme, e a Zita Carvalhosa como produtora, foi também uma pessoa fundamental no processo.
Mulheres: Você teve repercussão com o primeiro longa, e teve também com o curta. Daí eu pergunto: foi difícil fazer o segundo longa?
Lina Chamie: Foi, foi difícil porque, justamente, o que é talvez a grande virtude do “Tônica” é também uma dificuldade para a carreira do diretor, porque é um filme radical, sem concessões. Ele é não é um filme exatamente comercial, embora ele tenha tido uma carreira, ele teve uma boa carreira, inclusive, porque ele foi lançado comercialmente, ele ocupou um espaço. Mas isso é difícil ainda no Brasil, e é muito importante fazer o segundo filme, pra carreira, pra continuação, pra determinar também, começar a estabelecer diretrizes, de ser vista como uma diretora que tem alguma diretriz, é o segundo filme que marca isso. E foi muito difícil fazer o “A Via Láctea”, porque era de novo um projeto radical, era de novo um projeto um pouco fora dos parâmetros, embora tenha tido uma repercussão enorme desde o roteiro, é um roteiro premiado internacionalmente, ganhou o prêmio da Fundação Carolina Ibermedia, de apoios cinematográficos ibero-americanos.
A gente foi em 2003, eu e meu co-roterista, Alexei Abib, pra Espanha, ficamos cinco semanas, era uma roteiro maduro, que teve grandes roteiristas olhando, que foi trabalhado, etc. Então foi um roteiro com alguma repercussão internacional, e ainda assim foi difícil captar recursos aqui. Tanto é que eu acabei filmando com 430 mil reais, a gente filmou com muito pouco, porque eu não queria mais esperar, fiquei dois anos, dois anos e meio esperando pra captar, e, até certo ponto, o tempo é criativo, a partir de um ponto o tempo é a morte. Você pode perder aquela história, você perde aquele momento, e em termos de carreira eu acho que são hiatos muito longos.
As pessoas dizem, “puxa, um segundo filme depois de cinco, seis anos”, mas é o tempo que eu tive que suportar, eu filmo até rápido, mas esse hiato pra mim, é difícil pra todo mundo, pra mim foi particularmente difícil. Tanto é que eu optei por rodar, eu rodei no final de 2005, e disse “gente é agora”. Eu já esperado vários editais, aí eu disse “temos isso, quem faz esse filme com isso?” Fez o filme quem quis fazer e o Marco Ricca foi fundamental, ele é co-produtor também. O Marco Ricca leu o roteiro, se apaixonou pelo roteiro e falou “eu faço”, e fizemos. Ai filmei, e o filme parou porque eu não tinha dinheiro.
Em 2006, o primeiro corte do filme ganhou outro prêmio internacional, aliá um prêmio de muito prestígio que o “Cine em Construcion”, foi selecionado, e são apenas seis filmes que vão, e ganhou o prêmio “Casa das Américas”, em San Sebastian, na Espanha. Aí, no final de 2006, eu captei e terminei o filme, que acabou estreando em Cannes. Agora é um filme super B.O. (baixo orçamento), “A Via Láctea” é um filme feito com 1 milhão, não passa de 1 milhão o orçamento. É um filme feito com muito pouco, é 1 milhão o filme inteiro, já distribuído e tal.
Então foi difícil fazer o segundo filme sim e foi um exercício de persistência. Por outro lado, foi também um processo muito legal, porque a própria dificuldade me mostrou caminhos, e eu descobri, por exemplo, as bitolas do filme perante a dificuldade. Eu percebi que era um filme que poderia ser rodado em mini-dv, em 80%. Uma porque eu não tinha como filmar em 35mm, que era meu primeiro plano, mas dois, e principalmente, porque o filme também encontrou uma linguagem ali, e no fundo, eu te digo isso, sem a menor, não é nenhum pensamento de consolação, no fundo a minha dificuldade foi uma grande virtude, foi o encontro de uma grande virtude, que é a própria linguagem do filme.
Esse filme tem uma maneira semi-documental de acontecer na rua, não é? Essa coisa de rodar continuamente, o Marco Ricca que comprou a briga e guiava o carro o dia inteiro e ficava engarrafado. E a gente tava na cidade num corpo a corpo, gerou um vigor da cidade que bate na tela, que só essa maneira de captar me daria. Seu eu tivesse 2 milhões e meio e fizesse meu próprio engarrafamento e, aliás eu talvez até precisasse de um orçamento mais alto, eu não teria o que eu tenho nesse filme, que é esse corpo a corpo com a cidade que é fundamental pra contar essa história. Então eu também nesse tempo de espera descobri o filme e entendi o filme. Então ele é uma história muito boa também. Agora, a tua pergunta é: foi difícil fazer o segundo filme? Sim, foi difícil fazer o segundo filme.
Mulheres: É incrível como o Marco Ricca está cada vez melhor. Porque no “Crime Delicado” (2005), do Beto Brant, ele já tem uma interpretação marcante.
Lina Chamie: Porque o Marco é um ator que mantém uma integridade rara, ele faz os filmes que ele acredita. Ele aposta nos filmes que ele acredita, ele faz com muita verdade, ele é um ator que já tem uma carreira construída, e ele nunca deixou de construir a carreira dessa forma, com essas escolhas. Ele não abdica das escolhas dele, então isso é muito bacana, e no “A Via Láctea” a gente fez com um amor o filme, o Marco fez, nós ficamos melhore amigos, o Marco é uma pessoa para o resto da vida. Ele fez com uma entrega que justamente era o que o filme precisava, era uma humanidade, a gente não queria fazer um exercício estético, a gente queria fazer um filme de um personagem, porque “A Via Láctea” é um filme de um personagem. Ele tem toda uma narrativa própria, mas ele emociona muito as pessoas, as pessoas se tocam, as pessoas choram no filme.
Ontem eu vi uma história linda, porque o filme foi aplaudido no cinema, alguém me disse “vi seu filme numa sessão à tarde no Unibanco”. Então ele é um filme que chega às pessoas, a ente viu isso em Cannes, quando a gente viu pela primeira vez o filme na tela, as pessoas se emocionam, isso é fundamental. E isso tem muito a ver com o Marco, eu estou dizendo isso porque tem muito a ver com a atuação do Marco, é um filme que mergulha em um personagem, e é o Marco com uma abertura enorme, ele faz o filme de uma maneira muito plena. Então eu tenho muito gratidão.
Mulheres: E com a Alice Braga, como foram os trabalhos?
Lina Chamie: Eu acho que eu tive sorte com a “Via Láctea”. A Alice era tudo o que eu queria, eu queria muito a Alice, eu fui conversar com ela, e ela estava até num momento de passagem, hoje ela está com uma carreira internacional. Ela tinha feito “Cidade de Deus”, tinha feito “Cidade Baixa”, que é um filme em que ela está maravilhosa e também muito presente, ele lançou ela, de certa forma, no Brasil. Ela tinha rodado outros filmes e estava começando a ter essa carreira fora.
“A Via Láctea” acabou sendo um filme importante pra ela, pra mim, é o nosso encontro ali. Ela é uma atriz muito especial, pra mim, você não tem idéia, é um orgulho tê-la, é uma alegria, mas não é um orgulho pro-forme, é uma coisa de que ela traz ao filme uma densidade dramática e uma tragédia para o personagem masculino que tá na atuação dela, é um coisa dela, do carisma dela. A Alice é uma pessoa, é impossível não falar da pessoa. O Truffaut fala isso, que você tem que entender a pessoa do ator, é sempre mais importante a pessoa do ato. Ela é uma pessoa muito..., ela tem um coração maravilhoso, ela é uma pessoa muito linda, e eu acho que essa abertura dela pra vida é o carisma que ela tem na tela. Ela tem um canal aberto para a emoção, ela é uma explosão de emoção.
Mulheres; O Will Smith, agora no “Eu Sou a Lenda” (2007), disse, em entrevista, que ela ilumina o set.
Lina Chamie: Ela ilumina o set, ela ilumina o filme, ela tem uma coisa que é uma abertura, um fluir da emoção, ela é pura nesse sentido, ela é uma jóia, ela emana luz. Ela é fundamental no filme, em “A Via Láctea” ela é fundamental, porque é o casal, ela é que move, ele sai em busca dela, ela precisa ser esse ponto de fuga e esse ponto de tragédia, e ela é.
Mulheres: Você tem acompanhado o lançamento do filme nas capitais? Como está sendo?
Lina Chamie: Tenho acompanhado todas as capitais que eu posso, o Marco também, ele gosta muito do filme, ele tem ido comigo, a gente sempre vai, ou eu ou ele. É um lançamento paulatino, são poucas cópias, então a gente vai com muito carinho, com muita atenção, capital por capital. Ele foi lançado primeiro em São Paulo e no Rio de Janeiro, ele ainda está em cartaz em São Paulo, está três meses em cartaz, tá fazendo aos pouquinhos as praças. A gente sempre procura ir, ou em algum festival que antecede, como são poucas cópias, e ele é um filme que, como te disse, não tem orçamento grande, não tem mídia paga, então a gente vai.
Em Brasília foi um exemplo muito lindo, a gente ganhou o prêmio Itamaraty e a gente entrou em seguida, então a gente teve uma plataforma bacana. Em Tiradentes é a mesma coisa, o filme passa hoje na praça, o que eu acho lindo, sensacional. Tiradentes é muito charmosa, o festival é muito legal, um painel da produção brasileira de uma forma muito legal, as pessoas estão atentas, e o filme entra em Belo Horizonte. Então eu sempre procuro acompanhar o filme, é um filme feito com muito amor mesmo.
Quando eu não fui a alguma praça é porque eu estava envolvida em outra coisa, como as viagens internacionais, isso está acontecendo também, o filme viaja muito, tem uma carreira internacional em mais de 20 festivais e tá indo ainda pra festivais importantes. Então eu divido um pouco, mas eu não abandono o filme, nem o Marco, somos muito corujas (risos), a gente cuida, mas são lançamentos pequenos.
Mulheres: Você está 100% envolvida com o filme ou já está em novos projetos?
Lina Chamie: Eu estou tentando, mas como eu te disse, a gente não arreda pé, a gente cuida do filme, mas eu acho que até o meio do ano a gente terá feito o Brasil inteiro. Eu estou começando a pensar em um novo projeto, mas confesso que ainda não consegui ter na prática mesmo tempo pra sentar, mas eu gostaria de ter, já nesse primeiro semestre, ter finalizado um argumento pra já partir o mais rápido possível, que é o desejo de todo diretor, para o próximo filme. Então você tem que batalhar pra logo tá captando para outro filme.
Mulheres: Qual foi o último filme brasileiro que você assistiu?
Lina Chamie: “Mutum” (2007 – Sandra Kogut), gostei, gostei bastante.
Mulheres: Eu sempre convido minhas entrevistadas para homenagearem uma mulher do cinema brasileiro de qualquer época e de qualquer área.
Lina Chamie: Eu quero homenagear a Lúcia Murat, que eu acho que é uma cineasta que é uma resistente, em todos os sentidos. É uma figura, ela tem uma carreira que é muito bonita, ela tem filmes importantes. Ela tá com um filme novo que é muito lindo, que se chama “Maré – Uma História de Amor”, que vai agora pra Berlim, representa o Brasil la também. E é uma mãe, é mãe, então ela é uma figura, já que você me pede para homenagear uma mulher, me vem à cabeça ela, nesse sentido.
Tem uma outra diretora que eu admiro muito também que é a Tata Amaral, que também é uma outra geração, a minha geração, mas também é uma figura importante. Mas a Lúcia tem, até porque ela está à frente da gente, uma carreira, e a gente admira.
Mulheres: Obrigado pela entrevista.
Lina Chamie: Obrigada a você.
Entrevista realizada em janeiro de 2008, na 11a Mostra de Cinema de Tiradentes.
Foto: Leonardo Lara/Universo Produção
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