Ana Maria Nascimento e Silva
A atriz Ana Maria Nascimento e Silva tem passagem pelo Tablado, de Maria Clara Machado, e algumas peças infantis no currículo. Estreia em novelas e no cinema nos anos 1970, sendo sua primeira nas telinhas a novela "Nina", do grande autor Walter George Durst, em 1977. “Gostei muito, hoje em dia acho que não, porque é muito espera, é muita fofoca, é muita inveja, é muito texto, você não tem tempo de elaborar. Eu já sou conhecida, eu não faço questão de tirar foto, de aparecer. Eu tenho um programa no Rio que não passa aqui, chamado “Deles&Delas”, em que entrevisto políticos”.
No cinema, atua em Marcados para viver, de Maria do Rosário Nascimento e Silva; Paraíso no inferno, de Joel Barcellos; no clássico Ladrões de cinema, de Fernando Cony Campos; A força de Xangô, de Iberê Cavalcanti; Os trombadinhas, de Anselmo Duarte. No final dos anos 70 e início da década de 80, Ana Maria atua em filmes de cineastas da Boca do Lixo e marca presença em um grande sucesso: Bem-dotado – o homem de Itu, de José Miziara. “Foi convite, eu nunca fiz um teste na minha vida. Bom, eu fiz um pouco na Boca do Lixo, fiz O bem-dotado - o homem de Itu (1978, José Miziara). Eu tenho cara de bandida? Porque eu sempre faço bandida, traficante, eu olho para o espelho e falo “Será que o espelho está mentindo para mim?”. Porque eu não me lembro de ter essa cara, acho a minha cara tão legal, sabe. É uma coisa meio Hollywood, né, colocam um estigma na loira, eu tinha um cabelão e você fica sendo marcado”.
A década de 80 marca seu encontro com um homem que vai mudar a sua vida: o cineasta Paulo César Saraceni. O grande cineasta, um dos criadores do Cinema Novo, apaixona-se por Ana Maria, casa-se com ela, escreve um filme para ela ser a protagonista, e mais tarde ela se torna produtora de seus filmes. O primeiro filme de Saraceni que a atriz protagoniza é Ao sul do meu corpo, uma adaptação de um conto de Paulo Emílio Salles Gomes. A partir desse trabalho, Ana Maria Nascimento e Silva passa a ter uma presença fundamental na obra de Saraceni, atuando em Natal da Portela, em 1988, e, sobretudo, inaugurando uma nova frente em sua carreira: a produção. Daí realizam filmes importantes, como O viajante, protagonizado por Marília Pêra, e O gerente, protagonizado por ela e por Ney Latorraca. “(sobre a transição para a produção) Nem tanto porque eu sou muito corajosa, sou uma mulher de peito, eu encaro. Produzi filme com seis milhões comandando 120 homens, fiz dois festivais em Paraty, depois resolvi parar porque festival é muito cansativo, e depois tive um câncer. Fazer filme como atriz novamente com o Paulo demorou porque eu queria me entregar de corpo e alma”.
Ana Maria Nascimento e Silva esteve na Mostra de Cinema de Tiradentes e conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro. Repassou sua trajetória, os trabalhos como atriz na TV e no cinema, a careira como produtora e muito mais.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Você tem uma trajetória longa no cinema brasileiro com filmes importantes, dirigida por nomes como Anselmo Duarte, Antônio Calmon, e Paulo César Saraceni, claro!
Ana Maria Nascimento e Silva: Nelson Pereira dos Santos.
MCB: O filme do Joel Barcelos.
AMNS: Do Joel com produção da Rosário (Maria do Rosário Nascimento e Silva) que acabou de morrer, éramos muito próximas. O paraíso no inferno. Eu fazia um personagem, uma conexão entre Rimbaud e Verlaine, muito bom, uma coisa incrível, praticamente a única mulher da equipe no Espírito Santo com um tanto de maluco, aprendi a ficar equilibrada porque convivi com muito maluco. Eu fiz muito filme fora do Brasil, eu filmei em Portugal, na França, eu fiz o Eternidade na Ilha de Madeira, um filme na Itália sobre os contos do Pirandello chamado Uma voz.
MCB: Você consegue recuperar sua primeira impressão do set?
AMNS: Posso, consigo. Eu tinha feito Tablado e tal, sempre quis ser atriz na minha vida, não foi difícil. Porque eu acho que a câmera gosta de mim, como eu sou muito verdadeira eu consigo impregnar nas personagens.
MCB: Dá para você comentar sobre esses primeiros filmes? Foram teste?
AMNS: Foi convite, eu nunca fiz um teste na minha vida. Bom, eu fiz um pouco na Boca do Lixo, fiz O bem-dotado - o homem de Itu (1978, José Miziara). Eu tenho cara de bandida? Porque eu sempre faço bandida, traficante, eu olho para o espelho e falo “Será que o espelho está mentindo para mim?”. Porque eu não me lembro de ter essa cara, acho a minha cara tão legal, sabe. É uma coisa meio Hollywood, né, colocam um estigma na loira, eu tinha um cabelão e você fica sendo marcado.
MCB: Tem o A força de Xangô, do Iberê Cavalcanti.
AMNS: Isso.
MCB: Como foi trabalhar nessa época, nessa produção da Boca?
AMNS: Eu era muito bonita, daí era aquela coisa “Vamos chamar a Ana”. E aí eu comecei a aprender, eu fui aprendendo a fazer cinema aos poucos, a câmera gosta de mim e eu gosto da câmera, então nós temos uma simbiose muito grande. Depois me casei com o Paulo (César Saraceni) e comecei a produzir as obras dele, o Ao sul do meu corpo. Na época eu morava em São Paulo, eu fiz a primeira novela da Band, “Cara a Cara”.
MCB: Ainda como atriz tem uma passagem importante, que é como o cinema do Djalma Limongi Batista.
AMNS: Que eu amo de paixão! O irmão dele que morreu, o Guto, para mim era o maior diretor de fotografia que eu vi nesse país. O Djalma tinha um carinho com mulher, ele tinha um cuidado. Eu fiz o Asa Branca: um sonho brasileiro, o Brasa adormecida, e depois fiz um papel que a Vera Fisher faria. Ele me ligou às 5h da tarde para eu pegar um voo para Natal às 8h, para decorar um texto em italiano, aí eu fiz.
MCB: O Bocage - O triunfo do amor.
AMNS: O Djalma é um irmão, uma pessoa com um talento extraordinário. Claro que tem o Mário Carneiro, mas o Guto era muito a minha cabeça, muito, muito, adorei filmar com o Guto, adorei, adorei.
MCB: O Djalma tem uma assinatura muito particular.
AMNS: É tipo o Paulo, só que em uma outra linguagem. O Djalma é um gênio, uma pessoa muito inteligente, aliás eu adoro pessoas inteligentes, tenho um problema de gostar de cabeças, eu não gosto muito do físico, o que me interessa é a cabeça. Porque as pessoas do físico, às vezes, têm tão pouco para falar e eu já sou verborrágica, gosto de conversar. Tem 34 anos que sou casada com o Paulo, não é à toa.
MCB: O seu encontro com o Paulo César foi no Anchieta, José do Brasil, não é isso?
AMNS: Foi, eu me encontrei com ele no Rio e na mesma noite fomos dançar na gafieira do Morro do Vidigal. Casamos e fomos morar juntos, e cada vez que eu saía para filmar ele morria, tinha um ataque.
MCB: Foi difícil fazer essa transição para produtora sem abandonar o lado da atriz?
AMNS: Nem tanto porque eu sou muito corajosa, sou uma mulher de peito, eu encaro. Produzi filme com seis milhões comandando 120 homens, fiz dois festivais em Paraty, depois resolvi parar porque festival é muito cansativo e depois eu tive um câncer. Fazer filme novamente como atriz com o Paulo demorou porque eu queria me entregar de corpo e alma.
MCB: Tem também o Natal da Portela.
AMNS: Um filme que ele fez em 1986 com produção minha. Tem a minha participação também, é com o Milton Gonçalves.
MCB: O Ao sul do meu corpo é também um filme difícil de ver, é raro.
AMNS: Tanto é que o Paulo mexeu com política por causa do filme. É um filme político, censurado, o Paulo teve que ir até o Celso Amorim, que era presidente da Embrafilme. O desafio passou um pouco, nem tanto, mas passou, mas o Ao Sul foi um problema, foram quase quatro anos na gaveta.
MCB: Você chegou a ver a outra versão com a Christine Fernandes (Duas vezes com Helena, 2001, Mauro Farias)?
AMNS: Não, não consegui. Adoro ela, acho uma gracinha, linda, uma ótima atriz. Eu e Paulo somos caseiros, ficamos escrevendo coisas, vendo coisas, e a gente vai raramente ao cinema, vemos filme em casa, nós temos telão.
MCB: Eu acompanhei em Belo Horizonte o lançamento de O viajante, do Paulo César, com a Marília Pêra, e me lembro dos seus cuidados com o filme. Como foi essa produção?
AMNS: Cuidei com carinho, porque nós, atores e atrizes, nós somos tão sensíveis. Daí eu achei que tendo essa deusa, que era a Marília, eu deveria cuidar não só dela como das outras atrizes também. Eu me preocupei com som, no primeiro dia quebrou a câmera, daí tive que mandar buscar outra em São Paulo. Depois teve a exibição em Moscou, eu não quis ir porque eu não gosto muito de avião, não nasci para passarinho. O Paulo foi só, a Marília não podia ir, e foi bárbaro, foi um filmaço, um filme que o mundo inteiro amou.
MCB: Eu gosto muito.
AMNS: É uma Medeia né, uma atrizona, eu aprendi muito vendo a Marília trabalhar.
MCB: Você atuou no A terceira margem do Rio, do Nelson Pereira dos Santos. Foi bacana de fazer?
AMNS: Muito, Nelson é uma pessoa deliciosa, maravilhosa, boa, gentil. É como o Paulo, o Paulo é uma pessoa muito generosa, muito boa, um diretor fantástico, trabalhar com ele é um presente.
MCB: E como fica a junção atriz, produtora, esposa?
AMNS: Eu separo muito. Eu acho as mulheres mais fortes que os homens. A possibilidade de criarmos um filho dá uma generosidade de alma para a mulher muito grande. A mulher é muito capaz, é uma maravilha mulher no poder.
MCB: E essa produção internacional que citou, o Eternidade.
AMNS: Isso, dirigida pelo Quirino Simões. Os portugueses são muito educados, então era muito fantástico, aquilo animou as pessoas e foi muito legal.
MBC: Você participou também de O general, do Fábio Carvalho.
AMNS: O Fábio é minha paixão, uma gracinha, ele e a Bel (Isabel Lacerda) são tudo de bom. Tem um filme lindo também com o Paulo chamado Etnografia da amizade (2007, Ricardo Miranda).
MBC: E aí tem essa beleza de filme que é O gerente.
AMNS: Eu não iria fazer por medo. Eu me dediquei de uma maneira que nem te conto, era uma entrega total, você não tem noção
MBC: É um filme de planos longos.
AMNS: Sim, o Paulo gosta muito de planos.
MBC: Filme de planos longos exige muito do ator, tem cena que são focadas completamente em você.
AMNS: Aquele telefonema, a cena da praça, a cena da boate. Tem momentos muito difíceis, mas que foi feito com tanta entrega. E como eu e o Ney (Latorraca) somos muito amigos, nós fizemos muitas coisas juntos em televisão e no cinema que deu certo, daí eu fiquei muito feliz. Está rolando muitos convites.
MBC: Você gosta de fazer novela? A última novela foi “Jamais te Esquecerei”.
AMNS: Gostei muito, hoje em dia acho que não, porque é muito espera, é muita fofoca, é muita inveja, é muito texto, você não tem tempo de elaborar. Eu já sou conhecida, eu não faço questão de tirar foro, de aparecer. Eu tenho um programa no Rio que não passa aqui, chamado “Deles&Delas”, em que entrevisto políticos.
MBC: Para finalizar, as duas únicas duas perguntas fixas da entrevista. Sem ser aqui da Mostra qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?
AMNS: Tropa de Elite (José Padilha).
MBC: Eu sempre convido minhas entrevistadas para homenagear uma mulher na entrevista delas, de qualquer época e área do cinema brasileiro.
AMNS: Norma Bengell. Sou totalmente contra com o que aconteceu com ela. Ela é uma pessoa muito doente, muito sozinha, porque ela perdeu a Sônia (Nercessian). É uma das nossas grandes atrizes, de uma mestria inacreditável, é um ser magnífico. É uma das pessoas que eu admiro.
MBC: Alguma coisa que eu não perguntei que você queria registrar?
AMNS: Que eu amo meu marido, apesar de ser 32 anos mais velho do que eu. Como disse, eu gosto de cabeça interessante, cabeça que pensa. Eu gosto dos filmes do Paulo, do Nelson, que te levam ao pensamento.
MBC: E a obra do Paulo, não vai ser restaurada?
AMNS: Toda, já foram dois filmes só.
MBC: Muito obrigado pela entrevista.
AMNS: Muito obrigada.
Entrevista realizada em janeiro de 2011, durante a 14a Mostra de Cinema de Tiradentes.
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