Ava Rocha é cineasta, montadora, roteirista e produtora. Nasceu em 21 de março de 1979, no Rio de Janeiro, e é filha dos cineastas Glauber Rocha e Paula Gaitán, e irmã do também cineasta Eryk Rocha. Desde criança se encantou por cinema. “Eu queria fazer cinema desde pequena. O Eryk um pouco mais na adolescência, nos 16, 17 anos ele começa a fazer cinema. Eu, desde muito pequena, muito pequena mesmo, sempre fui apaixonada por cinema. Até uns 12, 14, 15 anos, por exemplo, a minha intenção era ser atriz de cinema. Depois, nem sei porque razão eu já não queria ser mais atriz, o meu foco de interesse passou a ser outro, passou a ser atrás das câmeras. Então com 14, 15 anos, a gente já fazia vídeo, produção, figurino, fazia tudo com os colegas, com os amigos, estudava, ia muito ao cinema, muito, muito, muito mesmo”.
Começou a carreira no audiovisual como produtora, seguindo depois para montadora e cineasta - também escreve e produz seus filmes. Começou a carreira de montadora aprendendo com o cineasta Sérgio Sbragia, no curta Zé do Sertão contra a fera do mar. “Quem me ensinou a editar foi um cineasta chamado Sérgio Sbragia. É um amigo nosso, amigo da minha mãe há anos, cineasta, maravilhoso. Eu estava fazendo produção, eu fazia de tudo, só que eu cheguei da Colômbia, comecei a estudar cinema e aí não gostei. Daí saí e comecei a trabalhar com o Joel (Pizzini), em produção, mas não era bem o que eu queria fazer. E gosto muito de produção, porém eu queria fazer outras coisas, e como eu era apaixonada por montagem eu liguei para o Sérgio. Ele me disse que ia começar a montar um filme, me chamou, me ensinou a mexer no equipamento. O nome do filme dele é Zé do Sertão contra a fera do mar, um filme sobre um cara que caçou um tubarão no Rio de Janeiro”.
Ava Rocha desenvolve parceria importante com seu irmão, o também cineasta e montador Eryk Rocha. “...eu e o Eryk temos uma sintonia muito grande. Nós somos irmãos, mas, independente disso não sei, por alguma razão, a gente fala a nossa história, nossa formação. É o terceiro filme que eu monto do Eryk, e o Eryk também foi o montador do meu filme, um curta que eu acabei de fazer. A gente tem um trabalho muito semiótico, é um processo”.
Ava Rocha esteve na 1a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto e conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro. Ela repassou sua trajetória: o encanto pelo cinema, a parceria com o irmão Erik Rocha, a admiração pelos pais, os cineastas Glauber Rocha e Paula Gaitán, a montagem e a direção de filmes, e muito mais.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Queria que a gente já começasse pelo momento atual que é o filme do Eryk Rocha, Intervalo Clandestino. Gostaria que você comentasse esse processo de montagem.
Ava Rocha: Foi um processo muito interessante, eu e o Eryk temos uma sintonia muito grande. Nós somos irmãos, mas, independente disso não sei, por alguma razão, a gente fala a nossa história, nossa formação. É o terceiro filme que eu monto do Eryk, e o Eryk também foi o montador do meu filme, um curta que eu acabei de fazer. A gente tem um trabalho muito semiótico, é um processo.
MCB: Na coletiva, você falou dos momentos, que na hora de você fazer a montagem algumas questões abordadas pelo filme te surpreendeu.
AR: A gente ficou oito meses montando. É um processo de aprendizado, de reflexão, de você ter um cuidado enorme para você não estar falando nenhuma besteira. De não manipular uma ideia, convencer o diretor de uma coisa que não é aquilo. Existem vários limites, existe o processo de você realmente aprender e começar a refletir sobre coisas que você não tinha pensado antes, então o filme é isso, são oito meses de montagem e ele foi montado nesse fluxo de pensamento. O filme é muito orgânico, nesse encontro entre a política e a cultura, a política e a religião, a política e a democracia, a política e a história. Enfim tudo isso, essas ideias muito firmes do Eryk, uma visão forte de história política e tudo mais. O meu trabalho foi traduzir isso, pegar essas ideias, pegar todo mundo que ele tinha entrevistado, pegar todas aquelas imagens e tratar de criar aquele fluxo, interpretar aquele fluxo. Eu não trabalho separado a montagem e o som, claro que depois eu faço a edição do som na ilha, que eu construo na ilha junto com a montagem. Muitas vezes eu construo primeiro o som, depois a montagem e vice-versa. E depois tem a presença do Aurélio, que é o nosso parceiro de trabalho e que vem completar o desenho sonoro, não só completar como trazer coisas novas, enfim, o trabalho espacial mesmo, um trabalho que o Aurélio faz muito, o jeito como ele pensa, desenha o espaço sonoramente.
MCB: Começamos pelo atual e agora vamos retroceder um pouco. Como se dá o seu encontro com o cinema
AV: Eu queria fazer cinema desde pequena. O Eryk um pouco mais na adolescência, nos 16, 17 anos ele começa a fazer cinema. Eu, desde muito pequena, muito pequena mesmo, sempre fui apaixonada por cinema. Até uns 12, 14, 15 anos, por exemplo, a minha intenção era ser atriz de cinema. Depois, nem sei porque razão eu já não queria ser mais atriz, o meu foco de interesse passou a ser outro, passou a ser atrás das câmeras. Então com 14, 15 anos, a gente já fazia vídeo, produção, figurino, fazia tudo com os colegas, com os amigos, estudava, ia muito ao cinema, muito, muito, muito mesmo. via todos os filmes, eu vi todos os filmes do Tarkovski. Eu não entendia muita coisa, mas, eu tinha uma relação muito forte com a imagem. Eu vi o Stalker com 13 anos, em russo com legenda em alemão, e eu fiquei apaixonada pelo filme, eu não entendi nada, mas eu fiquei completamente apaixonada, entendeu? Minha mãe é cineasta, então é sempre na ilha com ela, a minha escola de montagem, digamos, eu tenho com minha mãe na ilha, porque ela é uma grande montadora também.
MCB: Como foi, a partir desse desejo, ir para o set, transformar isso em profissão, ofício, expressão?
AV: É um processo, você vai crescendo, amadurecendo suas ideias, você vai descobrindo o, que você quer né? Você não sabe, mas vai tendo umas ideias, uns sonhos, umas viagens, tem todo um processo de você descobrir o que você quer. Nesse processo de descoberta, você faz várias experiências, vai ensaiado várias coisas, experimentando, milhares de formas, encontrando as pessoas certas, encontrando parceiros, se decepcionando. Eu entrei na Universidade, me decepcionei, depois me arrependi de não ter escolhido estudar outra coisa que não fosse cinema.
MCB: Qual Universidade?
AR: Eu estudei na Colômbia, em uma Universidade chamada Unitek, e também estudei no Rio na Estácio de Sá, abandonei as duas. Eu me arrependo até hoje, como eu abandonei, eu tenho que prestar vestibular de novo. Acho que nesse processo, você vai descobrindo, você começa a fazer de fato, você já é mais experiente, começa a receber por um trabalho que você está fazendo. Eu fiquei anos trabalhando, ralando que nem uma condenada com um monte de gente sem ganhar nada, mas aprendendo, fazendo um monte de coisa.
MCB: Dá para citar alguns nomes de gente que você trabalhou?
AR: Eu trabalhei com o Joel Pizzini durante algum tempo, trabalhei em alguns documentários dele na série “Retratos Brasileiros”, foi uma experiência incrível, eu admiro muito o Joel, o trabalho dele. Aprendi pra caramba, a gente se tornou muito amigos e ele foi fundamental na minha trajetória, de eu acreditar no meu filme, no meu projeto, para eu conseguir fazer. Hoje em dia ele é até meu cunhado, mas é anterior, bem anterior a isso. Trabalhar com meu irmão é uma experiência incrível assim também. Eu não trabalhei tanto com pessoas de gerações anteriores, foi mais com a minha, pessoas da universidade mesmo, uns curtas que eu montei, tem um curta lindo que eu montei com cinco diretores: Camila Marques, Pedro Urano, Estevam Garcia, Caú Fernando e Rebeca Ramos.
MCB: Qual foi a sua primeira montagem?
AR: Quem me ensinou a editar foi um cineasta chamado Sérgio Sbragia. É um amigo nosso, amigo da minha mãe há anos, cineasta, maravilhoso. Eu estava fazendo produção, eu fazia de tudo, só que eu cheguei da Colômbia, comecei a estudar cinema e aí não gostei. Daí saí e comecei a trabalhar com o Joel (Pizzini), em produção, mas não era bem o que eu queria fazer. Eu gosto muito de produção, porém eu queria fazer outras coisas, e como eu era apaixonada por montagem eu liguei para o Sérgio. Ele me disse que ia começar a montar um filme, me chamou, me ensinou a mexer no equipamento. O nome do filme dele é Zé do Sertão contra a fera do mar, um filme sobre um cara que caçou um tubarão no Rio de Janeiro.
MCB: Vamos falar sobre o seu curta, o Dramática. Passar para a direção foi um caminho natural?
AR: Totalmente natural. Porque eu sempre quis, eu escrevo, sou roteirista também, sempre escrevo meus projetos. Eu não acredito muito nessa coisa de você ter uma profissão de diretora e ser só diretora, eu acho que o exercício da montagem é muito importante. Os trabalhos que eu faço como montadora, em geral, eu pelo menos gosto assim, são trabalhos que tem uma autonomia muito grande A gente nunca sabe exatamente o que o outro fez, o diretor sempre fica, responsável por tudo. Então como diretora eu sou muito assim com a equipe, do jeito que eu como montadora gosto, de estar inserida em uma equipe. É justamente isso, impregnar a equipe com as ideias do filme e direcionar todo o tempo, mas dando a liberdade em cada área.
Eu procurei a montagem porque eu acho que um filme se constrói assim, o tempo na montagem, então já foi um exercício de direção que eu fui fazer. Da mesma forma que o Eryk também é montador, a formação dele é de montador, não é nem de diretor, e ele agora retornou a montagem. Ele montou o meu filme, montou um filme dele, o Medula, dele com o Tunga. E montei o Quimera e vou montar outro agora. É uma passagem natural. O Dramática é meu primeiro filme em película 35mm, mas tem 10 vídeos que eu já fiz, dirigi, experimentais. É o que eu estava te falando, experiências de linguagem, não são filmes que eu me debrucei numa pesquisa, então são filmes que eu não apresento muito porque são filmes que eu gosto e tal, mas são muito pessoais. Eu já mostrei em alguns lugares, mas não é um filme assim como o Dramática, que eu estou apresentando.
MCB: Eu ainda não vi o filme, o Dramática.
AR: O Dramática é um filme inspirado livremente sobre um poema do Pasolini que fala sobre o percurso dele na cidade do Rio de Janeiro. A proposta do filme é, quer dizer, o que eu sempre imaginei, não foi fazer uma tradução literária do poema, mas é trazer o poema para a atualidade, no sentido de criar uma reflexão que trouxesse à tona várias questões. O nome do poema é "Hierarquia", ele traça, ele faz uma geografia social do Rio de Janeiro dos anos 1970. O filme tem três personagens de ficção que estão na cidade, são três personagens que vivem experiências radicais no Rio de Janeiro, experiências que lançam os personagens em conflito, em tensão entre o amor e a política, entre a fama, o sonho e a realidade. É um cinema de poesia, não é um cinema de prosa, é um filme que discute o próprio cinema. A minha pretensão no filme também é discutir o cinema, o tipo de linguagem, discutir o que é um cinema de sonhos, um cinema de prosa, um cinema de poesia, um cinema realista, um cinema que a gente vive hoje, a distância entre os anos 70 e o nosso momento hoje. Eu tento colocar que nós não estamos vivendo um outro momento, a gente está muito imbuído de um vazio político, de uma desorganização, e o filme coloca muito isso. Enquanto dois personagens estão se amando no carnaval, existe um outro personagem que está tentando mobilizar o povo para a política.
MCB: Você citou a sua mãe, no seu curta tem esse poema Pasolini. Tem essa influência de grandes nomes desse cinema político, Glauber Rocha...
AR: Total, meu filme é uma homenagem ao meu pai, à minha mãe, principalmente, aos dois, e que tem como inspiração o Pasolini. Eu sou completamente apaixonada pelo cinema do meu pai, pelo cinema do Pasolini, pelo cinema da minha mãe. Meu filme tem uma carga onírica muito forte, isso vem da minha mãe, a carga política, o Glauber também era muito onírico, mas trabalhava a dimensão política de uma forma bem terra, bem terrestre.
O Pasolini tinha um diálogo muito grande com o Glauber também, então, o filme tem um monte de influências, ou inspirações. Até pelo fato de eu ser filha do Glauber as pessoas acham parecido, acho que assim existe um conhecimento prévio, uma certa expectativa, mas não deixa de ser um pouco verdade, eu estou inspirada nisso, não sei se seria tão claro, entendeu? O filme tem, obviamente, várias referências ao Pasolini, mas as pessoas não enxergam tanto isso, são bem sutis. A forma como eu construo o filme passa por todas essas reflexões.
MCB: Eu sempre convido as minhas entrevistadas para homenagear uma mulher de qualquer área e de qualquer época do cinema brasileiro, uma mulher que você admire.
AR: Minha família não pode ser?
MCB: Pode sim, claro!
AR: Vou homenagear a minha mãe então (Paula Gaitán).
MCB: Por quê?
AR: Porque a minha tem um olhar libertário sobre o cinema, ela me ensinou que o cinema não é um quadro fechado onde se tenta reproduzir uma realidade, uma realidade mesmo específica. A minha mãe vem de uma formação que mistura poesia, cinema, artes visuais, fotografia, filosofia, então ela abriu a nossa percepção para isso. Ela é uma mulher de imagem, de sonhos, de água, de fluxos. A imagem como matéria poética, como matéria sensorial, não uma descrição fingida da realidade. Por isso que eu homenageio ela, porque ela é fundamental na minha formação, fundamental no que eu penso do cinema, fundamental de tudo. Ela é uma grande cineasta, tem filmes lindíssimos, pouco conhecidos no Brasil porque são documentários da produção latino-americana, a gente morou muito tempo fora. Eu acho que, na verdade, o cinema brasileiro nunca deu espaço devido a mulher, acho que agora, a minha geração, é uma geração que tem muitas mulheres no cinema.
MCB: A última pergunta: sem ser o Intervalo Clandestino, qual o último filme brasileiro a que você assistiu?
AR: O último filme brasileiro que eu vi foi Os Incuráveis, do Gustavo Acioli, que é maravilhoso.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
AR: Obrigada.