Ano 20

Tizuka Yamasaki

Nascida no dia 02 de maio de 1949, em Porto Alegre,  Rio Grande do Sul, mas criada em Atibaia, São Paulo, Tizuka Yamasaki é uma importante cineasta. Antes de assumir a direção, ela passa por várias etapas, atuando em diferentes  áreas: continuísta, roteirista, cenógrafa,  assistente de direção, montadora, produtora executiva. Suas primeiras experiências são no curta, em 16mm: Mouros e cristãos (1974); Bom Dori (1975); Viva 24 de maio (1978 – codireção de  Edgar Moura). “Para quem quer ser diretor, nada melhor que passar pelas mais variadas funções, possibilitando o melhor entendimento da construção do filme. Com isso, você terá mais munição para solicitar ou exigir o melhor dos seus parceiros de set. Principalmente a produção. Se você como diretor tem a cumplicidade de seus pares, técnicos ou atores, você terá mais segurança de acertar.”

No formato longa-metragem, Tizuka Yamasaki faz importantes trabalhos como assistente de direção com dois verdadeiros mestres: Nelson Pereira dos Santos – O amuleto de Ogum  e Tenda dos milagres;  Glauber Rocha – Jorjamado no cinema  e  A idade da terra. "Com Nelson Pereira dos Santos aprendi a amar o cinema, a cultura brasileira e que devemos ter a liberdade para nos expor na escolha de um tema de filme. E que o trato com o elenco e a equipe deve ser amoroso. Não perder o bom humor nunca! Com Glauber, conheci que o medo e a coragem são essenciais na postura de um diretor.  Provocação é imprescindível no ato de fazer cinema.  Que a mais insignificante ação pode virar um épico, dependendo de onde você coloca a câmara e de como a movimenta. Não ter medo do enfrentamento, ainda que tenha que ter agressividade na sua postura, contra quem quer que seja."    


Em 1980 Tizuka Yamasaki estreia como cineasta em grande estilo: o arrebatador  Gaijin – caminhos da liberdade. A diretora estreante volta sua câmera para o seu quintal e discute sua identidade, focalizando e homenageando os primeiros imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil. O resultado é impressionante, lançando Tizuka para primeiro time das nossas realizadoras. "Muitos cineastas me disseram que Imigracão "não dava filme". Era tema muito árido. No meu profundo desejo de fazer o filme, não ouvi os conselhos. Ainda bem!" Em seu segundo filme, realizado em 1983, Tizuka Yamasaki escala Tânia Alves para protagonizar Parahyba mulher macho, baseado na história real da poeta e feminista Anayde Beatriz, amante de João Dantas, homem que assassinou o político João Pessoa.”Só foi possível fazer o filme, porque estávamos nos finais dos Anos de Chumbo. Não fosse isso, o filme seria censurado com certeza, pois Anayde foi uma autêntica transgressora!"

Tizuka Yamasaki é a convidada da abertura da 24a edição da Mostra Curta Circuito, que tem como tema “Transgressoras Brasileiras do Cinema”, na terça-feira, 16 de julho de 2024, no Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte. Ela vai apresentar a sessão de exibição de seu segundo longa, Parahyba Mulher Macho, e um bate-papo com público. A cineasta conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro por email e repassou sua trajetória: a formação, as primeiras experiências no cinema, a parceria com Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, a estreia em longas com Gaijin - Caminhos da Liberdade, Parahyba Mulher Macho e Patriamada, e muito mais.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Nome, data de nascimento, cidade em em que nasceu e formação.

Tizuka Yamasaki: Tizuka Yamasaki, nasci em 02 de Maio de 1949, em Porto Alegre - RS, porém sai de lá com um ano de idade e cresci em Atibaia - SP. Estudei sempre em escola pública - o primário e o secundário em Atibaia e o ensino médio em SP. Entrei na UNB – Universidade de Brasília ( Artes), onde descobri o cinema. Quando fecharam o curso em 72, eu e alguns colegas pedimos transferência para o curso de cinema da UFF-Universidade Federal Fluminense, onde me formei.
 
MCB: Você começou no cinema desempenhando várias funções técnicas, como continuísta, roteirista, cenógrafa, assistente de direção e produtora executiva. Imagino que essas experiências foram importantes para o seu cinema e a construção de sua estética. É isso mesmo?
 
TY: Para quem quer ser diretor, nada melhor que passar pelas mais variadas funções, possibilitando o melhor entendimento da construção do filme. Com isso, você terá mais munição para solicitar ou exigir o melhor dos seus parceiros de set. Principalmente a produção. Se vc como diretor tem a cumplicidade de seus pares, técnicos ou atores, você terá mais segurança de acertar.
 
MCB: Você foi assistente de direção de dois dos maiores cineastas brasileiros, Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, em filmes importantes como O Amuleto de Ogum, Tenda dos Milagres e A Idade da Terra. Poderia falar um pouco sobre essas experiências?
 
TY: Com Nelson Pereira dos Santos aprendi a amar o cinema, a cultura brasileira e que devemos ter a liberdade para nos expor na escolha de um tema de filme. E que o trato com o elenco e a equipe deve ser amoroso. Não perder o bom humor nunca!

Com Glauber, conheci que o medo e a coragem são essenciais na postura de um diretor.  Provocação é imprescindível no ato de fazer cinema.  Que a mais insignificante ação pode virar um épico, dependendo de onde você coloca a câmara e de como a movimenta. Não ter medo do enfrentamento, ainda que tenha que ter agressividade na sua postura, contra quem quer que seja.     
 
MCB: Até a década de 1960, temos menos de 10 diretoras de longa-metragem no Brasil, realidade que começa a mudar na década de 1970, com uma geração da qual faz parte dirigindo seus primeiros curtas e logo depois desaguando na direção do seu notável e premiado longa Gaijin - Os caminhos da liberdade. Como foi exercitar seu ofício dentro desse contexto? Vocês, diretoras, conviveram, trocaram ideias, ou foi um processo solitário?
 
TY: Eu não conhecia Ana Carolina, Tereza Trautman e tantas outras cineastas da época. Talvez mais por isso, eu não tinha consciência que as mulheres tinham o mundo profissional cerceado, impedidas de fazer o que queriam. Acho que minhas colegas também lutavam muito pra ser cineastas, luta muito árdua para todos os gêneros, tão grande que, no meu caso, não percebi os outros inconvenientes. Se senti discriminação, achava que por ser caipira vindo do interior, por ter fisionomia japonesa, nunca porque era mulher... Fui fazendo sem pedir licença, achando que meus direitos eram vastos! rsrs  

Até dirigir o Gaijin, só tinha feito três documentários de criação coletiva. Na UFF, Mouros e Cristãos, e de forma independente Bon Odori e Viva 24 de Maio, codireção com Edgar Moura sobre a regulamentação da profissão dos Artistas e Técnicos da área. Gaijin foi minha primeira ficção e meu primeiro longa. Acho que eu não tinha noção da responsabilidade que estava assumindo. Mas confiei nos meus pares, o produtor Carlos Alberto Diniz (kk) , o diretor Lael Rodrigues (diretor de Bete Balanco) e o produtor Mendel Rabnovitch, e deu certo.
 
MCB: Gaijin foi um acontecimento cinematográfico, um filme que continua marcante. Como foi a experiência do primeiro longa?
 
TY: Muitos cineastas me disseram que Imigracão "não dava filme". Era tema muito árido. No meu profundo desejo de fazer o filme, não ouvi os conselhos. Ainda bem! Rsrs

Mergulhei nessa produção aos trancos e barrancos pela falta de experiencia, mas não desisti. Meus companheiros de produção compraram minha "briga", o que foi fundamental para concluirmos o Gaijin.
 
MCB: Parahyba Mulher Macho confirmou sua excelência como realizadora, com uma atuação notável da atriz Tânia Alves, personagem baseado na história da poeta e feminista Anayde Beatriz. Como foi realizar o filme naquela época e como é vê-lo agora dentro dessa mostra do Curta Circuito, que focaliza o tema "Mulheres Transgressoras - as cineastas brasileiras e os Anos de Chumbo"?
 
TY: Me alegra muito que conseguimos tirar Anayde Beiriz da "lama" e hoje ela estar na lista das heroínas brasileiras. Ela foi transgressora em todos os sentidos: escrevia poemas, dava aulas com uma visão moderna, cortou os cabelos "à lá garconne", que era uma provocação sem preço, não se envergonhava de sua nudez, não quis se casar com o namorado, um poderoso político,  mesmo sabendo que poderia pagar muito caro na sociedade paraibana da época.  Enfim, tudo que as mulheres levaram dezenas de anos para conquistar, Anayde abriu caminhos. Posso dizer que foi uma revolucionária dos costumes!

Só foi possível fazer o filme, porque estávamos nos finais dos Anos de Chumbo. Não fosse isso, o filme seria censurado com certeza, pois Anayde foi uma autêntica transgressora!
Fico feliz com esse reconhecimento.   
 
 
MCB: Patriamada é um filme que registra, com muita propriedade, a temperatura política da época, durante os movimentos políticos reivindicatórios  das Diretas Já. Gostaria que comentasse sobre esse filme tão importante, e em paralelo com o cenário político tão sombrio que o Brasil vem vivendo nos últimos anos com o avanço da extrema-Direita.
 
TY: Quando me constou que não haveria alguém filmando as Diretas Já, concentração popular que aconteceria 3 dias depois na Candelária do Rio de Janeiro, virei para meus parceiros, KK e Lael, e disse : Precisamos filmar esse acontecimento popular! O KK me contestou: Você nem tem roteiro e nem elenco! A nossa proposta, na época, era produzir ficção. Respondi na "lata" que eu tinha sim o Alcione Araújo para escrever o roteiro e o Walmor Chagas que vivia me pedindo pra filmar, pois a geração dele foi criada no cinema. Chamei a Debora Bloch, que havia se candidatado para o teste do Parahyba, e o KK sugeriu o Buza Ferraz.  Conversei com eles dizendo que só tínhamos 2 latas de negativo, sobras do Bete Balanço, a equipe do último filme e nenhum dinheiro. Com as filmagens das Diretas, iríamos atrás da captação. Todos toparam e fomos para a Candelária, com cenas escritas de três personagens que eu já tinha em mente : um empresário moderno inspirado no Antônio Ermírio de Moraes ( Walmor), uma jornalista "foca" nascida em 64 (Débora) e um cineasta louco pra fazer seu longa, atrás 'de um investidor ( Buza). Com esse material apaixonante das Diretas, conseguimos um produtor e 4 meses depois filmamos a ficção entre alguns acontecimentos políticos, como a derrota das Diretas no Congresso,  a revolta dos indígenas do Xingu que haviam sequestrado funcionários da Funai e a balsa da Rodovia Belém Brasília, a crescente força que o Maluf adquiria, e o surgimento de Tancredo Neves como possível presidente a ser votado pela primeira vez depois de anos de chumbo.

Foi só então que cruzei com um cineasta, com o Oswaldo Caldeira, que fazia um documentário sobre o Tancredo.
 
MCB: Depois de temas políticos e sociais fortes, a senhora inicia nos anos 90 uma incursão nos filmes infantis com o sucesso Lua de Cristal, protagonizado por Xuxa Meneghel, em outros filmes com ela e com Renato Aragão. Gostaria que comentasse sobre essas produções.
 
TY: Eu sou cineasta e entendo que devo dirigir filmes de todos os gêneros, assim como dirigi óperas no palácio das Artes. Quanto mais diversificada for minha atuação, sei que me enriqueço como cineasta.
 
MCB: Em Fica Comigo, amplia esse universo, agora focalizando os adolescentes. A experiência com seu filho foi um agente motivador  para realizar esse filmes, não foi isso?
 
TY: Sim, uma experiencia de vida impagável. Mas tudo na vida da gente é inspiração para filmar.
 
MCB: Em 2005, retoma o primeiro longa e realiza Gaijin 2 - Ama-me como sou. Como surgiu esse projeto?
 
TY: Ao saber do movimento "dekassegui", brasileiros descendentes de japoneses que procuraram o Japão pra ganhar a vida, vi que  ali tinha assunto pra um filme. No caminho, entendi que precisava falar sobre 100 anos da imigração que estava para ser comemorado em 2008, através de 4 mulheres de uma mesma família, de diferentes gerações, tentando entender a riqueza cultural que havia entre elas.
 
 
MCB: Poderia comentar sobre Aparecida - o milagre, filme lançado em 2010?
 
TY: Fui contratada pelo Paulo Thiago e Glaucia Camargos pra dirigir um filme. que. pra mim. tinha uma temática nova: A fé em Nossa Senhora da Aparecida,  padroeira do Brasil.
 
MCB: Encantados, em 2014, e 1817: A Revolução esquecida, em 2017, são filmes que retomam temas importantes em sua trajetória. Poderia comentar sobre esses trabalhos?
 
TY: Encantados me trouxe a possibilidade de entrar em contato om a Pajelanca Cabocla, a fé religiosa que surgiu da miscigenação dos povos que compuseram a população brasileira do Norte. Assim, a partir de um momento da vida da pajé marajoara, Zeneida Lima, o filme desvendou um pouco dos mistérios do Brasil.
 
E 1817 – A Revolução Esquecida, que trata da Revolucão Pernambucana, que de fato fez uma revolução, escreveu uma Constituição e governou provisoriamente para se ver livre do julgo português imperial.  Como era para a TV Escola, pensei em colocar como narradora uma garota de 16 anos, a namorada e esposa do líder revolucionário. Sendo assim, a narrativa mais leve de uma adolescente criaria uma cumplicidade maior com os estudantes.
 
MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site: Qual foi o último filme brasileiro a que assistiu?
 
TY: O filme maravilhoso de Lazaro Ramos, Medida Provisória. Vi outros, mas não guardei os títulos na memória.
 
 
MCB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, deixa registrada em sua entrevista como uma homenagem e o porquê da escolha?  
 
TY: Há tantas, que não tenho como citá-las. Viva a mulher no cinema brasileiro!


Entrevista realizada por email em 15 de julho de 2024 para a abertura da 24 edição da Mostra Curta Circuito.
Foto: Divulgação

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.