Ano 20

Catarina Abdalla

Catarina Abdalla nasceu no dia 13 de junho de 1959, no Rio de Janeiro (RJ). O começo na carreira artística foi no teatro, com formação no Tablado, sugestionada pela mãe. “Quando eu cresci, eu estava com 19 anos, fui para casa depois de uma quadrilha e minha mãe, minha santa mãezinha, falou que eu deveria fazer teatro, que eu fazia muito bem esse negócio de show. Daí disse para ela que como eu poderia fazer teatro, a gente não tinha dinheiro, então eu precisava ter um emprego. No que ela respondeu: “Arruma um emprego de meio expediente e faz”. Daí, dito e feito, eu obedeci mamãe, eu  arrumei um emprego de meio expediente, trabalhava de manhã, de tarde fazia teatro, e à noite eu estudava para vestibular. E assim eu fui parar no Tablado e comecei a estudar lá”.

O sucesso junto ao público veio na televisão, primeiro como Cuca, no "O Sítio do Picapau Amarelo", seriado da Globo: “Então, para minha sorte, eu logo consegui sobreviver com a minha profissão porque fui para a televisão, a Regina Casé me viu e me indicou para fazer um teste para a Cuca, eu nunca nem tinha visto, nem nunca tinha prestado atenção em Cuca nem nada. Cheguei lá, peguei o texto, em que a Cuca achava o espelho da Yara, espelho este que só reflete a Yara, e ela olhava para aquele espelho  e achava que ela era a Yara. Para minha sorte, o diretor geral era o Casé (Geraldo), um querido que já se foi. Ele adorou, mandou todo mundo embora e eu já fiquei gravando”. E, sobretudo, como a divertida e inesquecível Ronalda, no seriado “Armação Ilimitada”: “Durante aquele período, a gente não sabia da importância que era aquilo, realmente o programa foi um divisor de águas na televisão brasileira. E eu acho que até mais que no Brasil, porque a gente só se sustentou, inclusive na Globo, porque ganhamos um prêmio americano muito importante, e esse prêmio abriu para os seriados de lá também. Quer dizer, foi uma coisa que precisou passar muitos anos para a gente também enxergar o tamanho que foi aquilo”.

A estreia no cinema foi em Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos. Atuou na versão cinematográfica do sucesso do Tablado, O cavalinho azul, de da mestra Maria Clara Machado, dirigido por Eduardo Escorel. E a partir daí, desenvolve uma trajetória grande e atuando em filme de cineastas importantes, como Marco Altberg - Aventuras de um Paraíba; Sérgio Resende - O sonho não acabou e Salve Geral; Reginaldo Faria - Aguenta coração; Francisco de Paula - Areias Escaldantes; Julio Bressane - O Mandarim;  Carlos Diegues - Veja esta canção; Luiz Carlos Lacerda - For All: O trampolim da vitória; Lúcia Murat - Doces Poderes, entre outros. “No set eu comecei a ver realmente o mundo da fantasia, mesmo porque  eu já tinha feito televisão, a coisa da Cuca, que me remetia ao teatro infantil, os trabalhos com a Maria Clara Machado. No teatro tem a questão da realidade mesmo, você lida com o aqui e o agora, já quando eu fui para o cinema eu vi a historinha,  eu comecei a viajar um pouco, foi aí que eu comecei a aprender um pouco a fazer cinema, até porque como eu fiz coisas pequenas eu não tenho toda essa vivência. Por esse tamanho que é o cinema, como é que você transmite para quem está te vendo, então a pesquisa é mais delicada, eu acho”.

Catarina Abdalla conversou com o site Mulheres do Cinema e repassou sua trajetória: a formação no Tablado, os espetáculos teatrais, a estreia na televisão, as inesquecíveis Cuca, de "O Sítio do Picapau Amarelo", e a Ronalda, de "Armação Ilimitada", as novelas, os filmes com vários cineastas, e muito mais.



Mulheres do Cinema Brasileiro: No início da sua carreira você tinha alguma meta, algum veículo específico de predileção?

Catarina Abdalla: Não, eu não tinha meta nenhuma, eu nem pensava em ser atriz, eu pensava mesmo era em ser médica, matemática, terapeuta, esses eram os meus pensamentos. Eu tinha muita facilidade com matemática, então eu já trabalhava com contabilidade, com faturamento,  eu me dava muito bem, progredia nos escritórios. Era uma loucura isso e uma hora eu me sentia sufocada, pedia demissão e ia embora. Quando eu era pequena eu dançava quadrilha, eu era capaz de puxar cordão de carnaval se me deixassem. Quando eu cresci, eu estava com 19 anos, fui para casa depois de uma quadrilha e minha mãe, minha santa mãezinha, falou que eu deveria fazer teatro, que eu fazia muito bem esse negócio de show. Daí disse para ela que como eu poderia fazer teatro, a gente não tinha dinheiro, então eu precisava ter um emprego. No que ela respondeu: “Arruma um emprego de meio expediente e faz”. Daí, dito e feito, eu obedeci mamãe, eu  arrumei um emprego de meio expediente, trabalhava de manhã, de tarde fazia teatro, e à noite eu estudava para vestibular. E assim eu fui parar no Tablado e comecei a estudar lá.

MCB: Isso foi quando? O primeiro trabalho no teatro foi lá? 

CA: Em 1979. Foi lá, pelo Tablado.

MCB: Você se lembra desse primeiro espetáculo?

CA: Me lembro sim, eram duas peças, “Hoje é Dia de Rock” e “Quem Pariu Matheus que o Embale”.

MCB: Foi quando você fez esse curso que você descobriu sua praia?

CA: Quando eu entrei no Tablado, na minha primeira aula, jamais vou esquecer, a professora botou uma cadeira no palco e pediu para cada um ir ali falar. E subi e praticamente tive que ser arrancada dali, para mim foi um encontro, eu encontrei o meu lugar, isso para mim é muito claro, era, uma coisa que já existia em mim, uma natureza espetaculosa, digamos assim, desde a minha infância. A minha mãe, graças a Deus, teve aquela visão ali e abriu aquele universo para mim, realmente foi o que me salvou na vida, porque eu não tinha espaço, todos aqueles meus talentos para a matemática, para a medicina, para  a terapia, eu reverti tudo para o teatro, então achei um lugar que eu não tinha.

MCB: Qual foi o primeiro espetáculo fora da escola?

CA: Foi o “Atrás da Trouxa”, que também criamos no Tablado, na turma, e daí levamos de lá para fora. Isso foi em 1982.

MCB: E aí veio televisão, não é isso?

CA: Sim, o “O Sítio do Picapau Amarelo”. Foi rápido porque eu tinha também a questão da minha sobrevivência. Eu nunca passei fome, eu nunca tive tragédia nesse ponto de vista, mas era uma família dura, sem regalia, minha mãe era cabeleireira e desquitada, em uma época que havia muito preconceito, década de 1960. Então, para minha sorte, eu logo consegui sobreviver com a minha profissão porque fui para a televisão, a Regina Casé me viu e me indicou para fazer um teste para a Cuca, eu nunca nem tinha visto, nem nunca tinha prestado atenção em Cuca nem nada. Cheguei lá, peguei o texto, em que a Cuca achava o espelho da Yara, espelho este que só reflete a Yara, e ela olhava para aquele espelho  e achava que ela era a Yara. Para minha sorte, o diretor geral era o Casé (Geraldo), um querido que já se foi. Ele adorou, mandou todo mundo embora e eu já fiquei gravando. Teve um lado muito bom, mas também teve um lado difícil, como não foi planejado, a gente é meio tragado, os meus primeiros oito anos foram muito bons, depois vieram problemas, mas sigamos na ordem cronológica.

MCB: Antes de a gente entrar no cinema, vamos falar um pouco mais de televisão, já que além do “Sítio”, você atuou também na inesquecível série “Armação Ilimitada”. Como isso aconteceu?

CA:  Foi teste também. Quer dizer, eu acho que fui uma das únicas atrizes que tinha permissão para fazer uma novela junto, então eu fazia a Cuca no ‘Sitio”, Cuca que se transformava também em mulher, e aí o público já pode me ver, e junto com a Cuca eu fiz “Vereda Tropical”, uma novela dirigida pelo Guel Arraes e pelo Jorge Fernando. O Carlos Lombardi e o Sílvio de Abreu eram os autores. Daí me chamaram para fazer o teste para o “Armação”. Eu me lembro que eu fui até meio mau humorada porque a personagem era uma gordinha engraçadinha,  e eu cheguei lá e disse que nem estava tão gordinha assim. Eu fiz o teste meio mau humorada, mas deu certo, o “Armação Ilimitada” foi assim um momento na vida da gente que tinha que ser, foi uma junção absurda, eu Andrea Beltrão, Kadú (Moliterno), André (de Biasi), praias. Eu e a Andrea, inclusive, começamos a estudar teatro juntas, fizemos a primeira peça juntas, somos amigas desde adolescentes no teatro, ela ainda mais adolescente que eu. Durante aquele período, a gente não sabia da importância que era aquilo, realmente o programa foi um divisor de águas na televisão brasileira. E eu acho que até mais que no Brasil, porque a gente só se sustentou, inclusive na Globo, porque ganhamos um prêmio americano muito importante, e esse prêmio abriu para os seriados de lá também. Quer dizer, foi uma coisa que precisou passar muitos anos para a gente também enxergar o tamanho que foi aquilo.

MCB: Foi um seriado que foi exibido durante muito tempo.

CA: Ficou 4 anos, e depois reprisou. O “Armação” é uma coisa ainda muito forte.

MCB: E de novela, gosta de fazer?

CA: Pois é, fiz sim, muitas outras, “Agora que são Elas”,  “Vira-lata”,  a última que eu fiz na Globo foi “Senhora do Destino”. Agora eu estou na Record, a última que eu fiz foi “Chamas da Vida”. Eu gosto de televisão, principalmente quando eu estou fazendo teatro, eu adoro gravar televisão. Apesar do cansaço,  o teatro te dá uma confiança, você fica mais poderosa. Muito se fala na rapidez da televisão, quase uma fábrica, e realmente hoje em dia tem uma dificuldade de linguagem, de aprofundamento. Mas eu acho que pode não ser feito assim, eu faço parte de uma televisão que nem era feita dessa forma, e até hoje, quando eu estou na televisão, eu não faço televisão assim, eu posso realmente chegar ali com profundidade, de dentro para fora, com o meu pé no chão, com a minha opinião, eu acredito nisso. Claro que nem sempre você vai fazer um ótimo trabalho, mas isso também no teatro, no cinema, em qualquer lugar, nem sempre você é o seu  melhor. Eu acho que hoje em dia muita coisa se perde na televisão porque as pessoas chegam para o individual e não para o coletivo, e o que me interessa é o coletivo, eu trabalho na televisão também coletivamente, então eu faço televisão para todos que estão ali. Eu fico arrepiada, porque eu sou uma suburbana, eu sou uma pessoa que nasceu em São João de Meriti, eu morei em Nilópolis, eu passei a vida no subúrbio. Então eu ter conseguido compreender o quanto foi grande essa minha trajetória, não no sentido do dinheiro, porque esse realmente não existiu, mas a fama. Eu não deito nessa cama que é a minha fama, que é a minha popularidade, principalmente porque eu sou uma pessoa muito popular.

MCB: Como o cinema começou na sua vida?

CA: Aconteceu também pelo teatro. Memórias de Cárcere, do Nelson Pereira dos Santos, foi o meu primeiro filme.

MCB:  Foi convite do Nelson?

CA: Foi convite do Nelson, uma personagem muito pequena, mas que fez quase a trajetória do filme inteiro. A Laura Cardoso deu uma entrevista outro dia dizendo que  não tem esse negócio de tamanho de personagem, personagem é personagem, Não importa o tamanho dele lá no papel, a grandeza dele está em todos. Essa é a minha viagem, então eu sou uma atriz de personagens pequenos.

MCB: E  de cara em um clássico.

CA: Pisei com o pé direito.

MCB: Você consegue se lembrar da sensação do primeiro ser de cinema? Ou não era diferente pra você?

CA: Não, não é isso não. O Nelson, por exemplo, foi um diretor que eu convivi muito mesmo sem ter trabalhado, então de alguma  maneira eu fiquei fazendo parte daquele mundo dele também. Quando a gente começou a filmar no porão de um navio,  eu me abstrai de tudo em volta de mim, já estava ali naquele universo, envolvida. A questão da emoção é muito forte para mim, eu tenho essa facilidade. No set eu comecei a ver realmente o mundo da fantasia, mesmo porque  eu já tinha feito televisão, a coisa da Cuca, que me remetia ao teatro infantil, os trabalhos com a Maria Clara Machado. No teatro tem a questão da realidade mesmo, você lida com o aqui e o agora, já quando eu fui para o cinema eu vi a historinha,  eu comecei a viajar um pouco, foi aí que eu comecei a aprender um pouco a fazer cinema, até porque como eu fiz coisas pequenas eu não tenho toda essa vivência. Por esse tamanho que é o cinema, como é que você transmite para quem está te vendo, então a pesquisa é mais delicada, eu acho.

Então o Memórias do Cárcere foi isso, esse filme histórico e que foi o primeiro, com elenco enorme, uma experiência realmente incrível. Depois eu fiz outros, tem Aventuras de um Paraíba (Marco Altberg),  O Sonho Não Acabou. Neste,  o Sérgio Resende me viu no teatro e me convidou para uma única cena e que é  maravilhosa, Tem o Aguenta Coração, do Reginaldo Faria, acho que eu fazia uma empregada, o Areias Escaldantes,  que foi uma experiência única também,  com o Francisco de Paula. É da década 80, um filme louquíssimo, era uma maquiagem louca, um penteado louco, era tudo uma loucura só. O Veja Esta Canção,  que também foi muito legal de fazer, do Cacá Diegues, uma sensibilidade que foi fazer o filme baseado nas músicas, foi um filme sensível, muito  interessante, o Cacá é um cara muito tranquilo, então foi também uma experiência muito legal. E era um personagem também mais clean, apesar de engraçado, mas chique e não tão pobre, porque as pobres me acompanham também, se bem que em Areia Escaldantes já era uma coisa mais repórter, mais louca. Tem o Mandarim, do Júlio Bressane, que também preciso rever,  não me lembro muito bem, mas acredito que seja uma coisa “Bressanica” e que eu amo. Tem o Doces Poderes, da  Lúcia Murat, eu fiz uma cena  com o Amir Haddad, ele era um deputado, eu fazia uma produtora de filmes de propagandas políticas.

MCB: Eu acho até que você fica ensinando a ele o que falar.

CA: É, foi também um prazer filmar com a Lúcia, e com o Amir Haddad , que é um homem que eu amo. Tem o For All: O Trampolim, da Vitória, com o Bigode (Luiz Carlos Lacerda), também meu amor querido, e que também foi um barato, o filme tem aquela coisa de Natal, aquele sotaque delicioso, um elenco maravilhoso. Eu adorei também o  Elvis & Madona,  eu soube do roteiro, da história, e procurei o Marcelo (Laffitte) e falei “Eu quero fazer esse filme, essa loucura ai, essa história”, ele falou “Quer?”, e eu “Quero”. Daí pronto, entrei no filme. E tem o Salve Geral, de novo o Sérgio Resende, que, praticamente, parou o filme para eu fazer aquela cena. Ele disse que tinha que ser eu, ele não queria nenhuma outra pessoa fazendo aquela cena.

MCB: O bacana é que vocês estavam juntos desde lá atrás.

CA: Pois é, lá no início, no O Sonho não Acabou. No Salve Geral eu estava com a Andrea Beltrão, que foi muito legal também, a gente fazia a cena juntas. Tem o A Ostra e o Vento, do Walter Lima Júnior, adoro trabalhar com ele.

MCB: Você vê alguma diferença no set entre ser uma diretora ou um diretor?

CA: Não, não creio, varia muito de um para outro, Sérgio, Nelson Pereira. O Aventuras de um Paraíba, por exemplo, foi um filme agradabilíssimo, com o Marcos Altberg, que também me convidou por causa do teatro, e foi onde eu conheci o pai da minha filha, o Paulão,  que já faleceu, mas fez milhões de filmes. Tinha o Caíque (Ferreira) também, amigo querido, com quem eu faço poucas cenas, mas muito legais. Olhando assim, cada um tem o seu jeito, com a  sua personalidade, com a sua grandeza, com seus defeitos, fazer a nossa arte é muito bom.

 MCB: Agora as únicas duas perguntas fixas da entrevista. A primeira: Qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?

CA: Os últimos filmes brasileiros a que eu assisti foram Elvis & Madona (Marcelo Laffitte), A Guerra dos Rochas (Jorge Fernando), em que eu fiz participação, eu sou uma atriz de pequenos papéis no cinema, né? Eu quero fazer um papel grande no cinema, esse vai ser meu desafio, e o O Céu de Suely.

MCB: Para terminar, qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer área e de qualquer época, você deixa registrada como uma homenagem na sua entrevista?

CA: Uma mulher do cinema brasileiro.. Tenho que pensar um pouco.. Olha, vou ficar com a Lúcia Murat, porque ela é uma batalhadora mesmo, muito talentosa, adoro os filmes dela. É uma batalha fazer um filme, para quem está atrás das câmeras, seja uma diretora ou um diretor. Louvo todos eles, mas no caso aqui como eu tenho que citar uma mulher, eu cito a Lúcia, como empreendedora, diretora, pesquisadora, escritora.

MCB: Muitíssimo obrigado pela entrevista.

Entrevista realizada em 2012.
Foto atualizada/Divulgação

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.