Ano 20

Lili Bandeira

Eliane Bandeira, conhecida como Lili Bandeira, nasceu em Recife, Pernambuco, e é radicada em São Paulo. Lili Bandeira é produtora executiva na Anhangabaú Produções, produtora em que é sócia de Francisco César Filho. Atuou em vários filmes importantes e premiados, seja como produtora executiva ou diretora de produção. “Quando eu sou contratada, a maior parte das  vezes é  como diretora de produção.  A vida útil aí é mais ou menos da preparação até o fim da filmagem”.

Lili Bandeira tem parcerias importantes no cinema brasileiro. Sócia de Francisco César Filho, o Chiquinho, assinou a produção de seus longas Augustas (2012) e, com Ninho Moraes, Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now. Outra parceria importante é com o cineasta José Eduardo Belmonte, nos filmes A concepção (2005), Meu mundo em perigo (2007), e Se nada mais der certo (2008). “ Olha, foi bem gratificante, principalmente os dois primeiros, o A concepção, fantástico, e o Meu mundo em perigo, que é uma realização assim corajosa, arriscada e que eu aprecio muito, eu gosto muito desse filme. O Se nada mais der certo já não era uma parceira tão integrada porque era por uma produtora de Brasília e eu era a produtora executiva do filme, não era feito pela minha produtora”.

Como cineasta, dirigiu curtas e média-metragem como Terceira Idade, (1983) - Melhor Filme de Ficção na Jornada de Cinema da Bahia;  Balzaquianas (1981), Melhor Filme de Ficção na Jornada de Cinema da Bahia;  Vida de Doméstica (1976), Melhor Curta Metragem no Festival de Cinema de Gramado; Mulher Índia (1985), Melhor Vídeo na Jornada de Cinema da Bahia; Melhor Vídeo no Rio Cine Festival; Prêmio Especial no 3o Videobrasil. Ao lado de Ninho Moraes, dirigiu o documentário 100% Jardim Angela. “Nos anos 80 eu dirigia muito, eu dirigi seis curtas, um média, eu parei de dirigir quando veio o Collor (ex-presidente Fernando Collor de Melo), eu parei tudo, todo mundo parou. Mas aí, quando eu voltei para o cinema, uns oito anos depois,eu voltei só na área de produção, mas talvez eu dirija (risos)”.

Lili Bandeira esteve na Mostra de Cinema de Tiradentes acompanhando a exibição de Meu mundo em perigo, de José Eduardo Belmonte, e conversou com o Mulheres. Ela repassou a trajetória e contou sobre seus trabalhos de produção, seu lado cineasta, e muito mais.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Bom, o Se Nada Mais Der Certo é uma segunda
parceria sua com o José Eduardo Belmonte em longas …

Lili Bandeira: Já é a terceira.

MCB: Ah, sim, tem o  A concepção.

LB: A concepção, Meu Mundo em Perigo e o Se Nada Mais Der Certo.

MCB: Exatamente. Ainda que os filmes não compõem uma trilogia, como foi esses trabalhos com ele?

LB: Olha, foi bem gratificante, principalmente os dois primeiros, o A concepção,
fantástico, e o Meu mundo em perigo, que é uma realização assim corajosa, arriscada e
que eu aprecio muito, eu gosto muito desse filme. O Se nada mais der certo já não era
uma parceira tão integrada porque era por uma produtora de Brasília e eu era a
produtora executiva do filme, não era feito pela minha produtora. Mas foi ótimo
assim, a realização e tal, aí na fase de finalização ele tocou o projeto sozinho e eu fui
fazer o filme de Esmir Filho.

MCB: A vida útil de uma produtora executiva  é durante o set? Quando se é contratada?

LB: Quando eu sou contratada, a maior parte das  vezes é  como diretora de produção.  A vida útil aí é mais ou menos da preparação até o fim da filmagem.

MCB: Quando se é a produtora, o acompanhamento é desde o surgimento até a realização do filme, não é isso?

LB: Desde a inscrição do projeto. Às vezes se vai atrás de determinado diretor, de
determinado roteirista ou livro certo, que ele gostaria de adaptar, aí monta o esquema
para  aquele filme poder funcionar. Algumas vezes pode ser um filme de
produtor, não exatamente de diretor, você tem um diretor contratado, o que
você quer realizar enquanto produtora. Eu faço as duas coisas, eu tenho a minha
produtora, junto com o Chiquinho, o Francisco Cesar Filho, que é a Anhagabaú, então
quando eu faço os projetos na Anhagabaú aí eu cuido desde o inicinho. Tipo, pego o projeto e, às vezes, o roteiro não está pronto, tem que trabalhar junto com o diretor
que a gente escolheu, com o roteirista. Inscreve o projeto na Ancine, prepara todo o
projeto, começa a captar, depois tem que lançar. É que nem um filho, vai cuidar o
resto da vida, né (rsrs).

MCB: A produtora executiva contratada não participa dessas outras etapas, não é isso?

LB: Não. Normalmente vai até o fim da filmagem, e, muitas vezes ,acompanha também a
finalização até a primeira cópia. Porque cada vez mais, com essas novidades
digitais que mudam a cada dois, três meses, tá ficando muito diferente tudo. Então você precisa ter uma pessoa de produção, uma pessoa de finalização acompanhando de perto o esquema todo de montagem e de pós, e aí, muitas vezes você, a executiva segue essa etapa também.

MCB: E aí vem o filme do Esmir, Os famosos e os duendes da morte.

LB: O filme do Esmir é uma produção da Dezenove Filmes, da Sara (da Silveira) e da Maria (Ionesco). Eu fiz a direção de produção.  Ele foi todo rodado lá no Sul, em uma cidadezinha bem pequenininha chamada Cotiporã. Como as produtoras executivas não podiam ir ao Sul, a Sara foi algumas vezes, mas ela tinha muitos outros compromissos, então ela dava um bate e volta, ficava lá dois, três dias e voltava, então eu tive que fazer uma preparação muito grande lá. Era uma equipe mista, São Paulo, Rio de Janeiro, o diretor de fotografia com toda aquela equipe agregada dele, tipo assistentes de câmera, eletricistas e maquinistas do Rio. E tinha uma parte toda de produção gaúcha, com a parceria da Casa de Cinema. Então foi uma estrutura trabalhosa (risos).


MCB: Ele é um filme aparentemente pequeno, mas  que teve uma repercussão grande, foi um filme muito comentado.

LB: Na verdade, ele era um filme pequeno em termos orçamentários. Para filmar,
a gente tinha muito pouco dinheiro, mas ele era um filme bem cuidado e bem elaborado
em termos estéticos, fotográficos, em termos de direção de arte. Então a gente usou
equipamentos, por exemplo, que eu ainda nunca tinha usado em nenhum outro filme,
entendeu? Tipo uma grua com controle remoto, com mais um traveling acoplado, uma
coisa que teve que vir de São Paulo num caminhão especial, um operador especial e tal,
que ficou lá com a gente três dias.

MCB: Mas é porque a produção já apostava nisso?

LB: Já. Isso é a proposta do Esmir, esteticamente ele tem essas preocupações, os movimentos de câmera são muito elaborados, ele investe muito na preparação de atores. Então você pode ver que os adolescentes tiveram um trabalho primoroso do Beto (Roberto Audio) e realmente eles renderam. Os meninos trabalhavam doze horas por dia, era um negócio intenso, mas foi gratificante, e visualmente também. O filme é riquíssimo, o Mauro Pinheiro (diretor de fotografia), o Esmir, o Marcelo Escañuela (diretor de arte), era tudo muito integrado.

Apesar de a gente trabalhar numa cidade bem pequenininha, todas as condições técnicas tinham vindo de São Paulo, tinham sido testadas, estava tudo preparado. É trabalhoso porque é longe, é caro, entendeu? E não era Porto Alegre, era lá em Cotiporã. Então pega um avião para Porto Alegre, daí pega uma van, e aí outra, e vai até o set. Então foi um trabalho intenso, desgastante, mas eu fiquei super feliz com o resultado.

MCB: E aí você volta para São Paulo?

LB: Eu volto, e antes disso eu tinha filmado o Augustas, do Francisco César Filho, é um edital de baixo orçamento.

MCB: Isso foi quando?

LB: Isso foi em 2007 ou 2008, acho que foi por aí. A gente filmou e não entramos em montagem logo imediatamente, a gente só rodou o filme. Nesse meio tempo é que eu fui fazer o filme do Esmir, no Sul. Como  diretora de produção contratada, encerrei no fim da filmagem, mandei todo mundo de volta para São Paulo, para o Rio, fiquei lá mais uns 15 dias desmontando o circo e aí voltei.

MCB: O Augustas é da sua produtora.

LB: Sim, minha e do Chiquinho (Francisco César Filho)  somos sócios. Daí o
Chiquinho pegou um trabalho na TV Brasil e ele teve que se mudar de São Paulo, então
ele ficou fora mais de dois anos e o filme ficou meio estacionado, esperando
condições de montagem. Na verdade, o filme só foi montado, finalizado, no ano passado.

MCB: A montagem é de quem?

LB: A montagem é do Willem Dias. Começou com a Idê Lacreta, ela fez um
primeiro corte, depois passou para ele, que fez a montagem final. O Chiquinho entregou o filme para ele sem o roteiro, ele não tinha lido o livro e nem viu o material no corte ajustado que a Idê tinha feito. Ele pegou o material bruto todo de novo e começou do zero. Eu acho que ficou bem, ficou muito bom.

MCB: Sendo o Augustas da produtora de vocês, qual o tamanho da sua interferência? Você participa, por exemplo,  da escolha de elenco junto com o Chiquinho?

LB: Bastante. É porque eu sou uma produtora que, na minha formação, eu já
dirigi, então eu tenho uma formação que vem da faculdade, depois tem uma
especialização na Itália. Nos anos 80 eu dirigia muito, eu dirigi seis curtas, um média, eu parei de dirigir quando veio o Collor (ex-presidente Fernando Collor de Melo), eu parei tudo, todo mundo parou. Mas aí, quando eu voltei para o cinema, uns oito anos depois, eu voltei só na área de produção, mas talvez eu dirija (risos)

MCB: É mesmo? Está pensando nisso?

LB: Estou começando a ficar animada outra vez (risos). É um vírus, né, uma coisa que entra no sangue. O outro projeto da produtora era o Tropicália 40 Anos, o nome definitivo dele ficou O Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now!. É um filme do Chiquinho, meu sócio, e do Ninho Moraes, um documentário, um longa-metragem sobre os reflexos do tropicalismo hoje, não é um filme de resgate de acervo. E o outro projeto da produtora é sobre a Bossa Nova,  Então eu acho que são dois filmes que se completam, eles estão ficando prontos agora. O filme da Bossa Nova, do Marcelo, é um filme que tem material de arquivo fantástico, imagens que a gente nunca viu dos anos 60, 70, coisas fantásticas. Ele faz uma revisão. No filme sobre o tropicalismo, a gente trata do reflexo, sabe? Como é que funciona isso para as gerações atuais, como é que as pessoas da época ainda pensam nisso, se é que pensam. Ou se perderiam tempo, como diz a Nana Caymmi numa frase fantástica. Ela era casada com o Gil. Ela diz assim: “Eu não perderia dois minutos da minha vida pra falar de tropicalismo” (risos). E casada com um dos ícones da época. É muito engraçado. 

Bom, a gente terminou também um filme da Érika Bauer, outro documentário sobre o Pedro Casaldáliga.

MCB: Qual é o nome do filme?

LB:  E da Terra se fez Verbo. A gente levantou dinheiro para filmar, e como é longe,
no Araguaia, a gente fez duas idas até lá, uma num ano e a segunda em outro ano,
20006 e 2007. Registramos todo o material e também não tinha dinheiro para finalizar. Aí depois a Petrobrás entrou e aí a gente finalizou, também antes do Tropicalismo Now!. Um documentário sobre esse problema agrário, desde 1930 que é igual, muda tudo em todos os outros lugares e ali naquele Brasil central continua exatamente a mesma coisa. Tem o apoio muito grande do Pedro Casaldáliga, da igreja ali, da Pastoral da Terra,  é um filme assim social. 

MCB: E que é coerente com a trajetória da Érika, ela fez o Dom Helder.

LB: A gente até brincou que tá faltando o de São Paulo agora (risos), vamos atrás do Dom Evaristo.

MCB: Esses filmes ainda não foram lançados comercialmente, não é isso?

LB: Não. A gente tem três filmes para lançar esse ano.

MCB: E como é  cuidar de três filmes ao mesmo tempo?

LB: Na verdade, são filmes muito pequenos. O Tropicalismo Now! foi feito com seiscentos mil reais, o Augustas é um filme de um milhão e duzentos, e o da Érika foi feito com nem quatrocentos mil. Então são filmes que têm nicho de mercado muito específico Estou  conversando com o Chiquinho se vale a pena a gente ter um distribuidor ou a gente mesmo cuidar dessa distribuição, porque a ideia é colocar em três salas em São Paulo, duas salas no Rio, depois começar a viajar. Todos eles vão ser distribuídos em
digital. O Augustas eu estou indo agora fazer em 35mm fora porque é mais barato do que aqui, e eu tenho que entregar uma cópia em 35mm para cumprir o edital da SAV, então vamos ter duas cópias 35mm, mas para lançar eu vou lançar em digital.

MCB: E que disse sobre voltar a dirigir, é uma ideia vaga ou não?

LB: Na verdade eu até tenho um roteiro, que o Bonassi (Fernando) escreveu para mim adaptado de um livro do Roberto Freire, que se chama "A Mulher que Devorou Roberto Carlos" (risos). Ele está lá, é que é um filme caro. Eu falei “Porra, eu vou ser diretora estreante de longa”. Eu não vou começar com essa coisa porque é caro. Eu falei “Ai, caceta, tem Roberto Carlos que é sempre ….”  Ele não aparece no filme, mas a personagem principal, a Gina, ela é uma fã ardorosa dele, daquelas que corta um pedacinho da coxa, coloca numa caixinha com fita e e manda de presente, sabe, nível doente. Ela só namora um cara porque acha que ele é parecido com o Roberto, daí ela começa a por uns ícones da Jovem Guarda nele, um medalhão, um casaco de couro. Ele namora ela porque ela é muito gostosa e ele acha que ela é maluca, porque ele não tem nada de Roberto Carlos. Aí ele pergunta para os amigos dele, ele trabalha em uma feira, “Essa mulher é louca né? Vocês acham que eu me pareço com o  Roberto Carlos?” Todo mundo fala “Acho” (risos). É bem interessante, mas é uma coisa assim sobre a fã, entende, não é sobre o Roberto Carlos. É sobre essa coisa doente de fã. Tem um show da Jovem Guarda no filme,  mas a minha câmera só enquadra a plateia; do palco eu só tenho luzes, fumaça, som. Mas é caro, a gente tem que ponderar mais.

MCB: Mas me parece que esse desejo vai ser realizado.

LB: Ah, talvez (risos). Quem sabe eu sou a diretora tardia de longa como a Suzana Amaral? Que começou aos 56 nos longas.

MCB: E maravilhosamente bem (A hora da estrela)… Mais algum projeto que a gente não falou?

LB: Eu estou trabalhando agora no filme  do Chico Teixeira , que é  o diretor de Casa de
Alice, agora com o segundo longa, que é o "Circo de Santo Amaro", é uma coprodução da Bossa Nova e da Anhagabaú. O Chico já é um diretor que eu acho que precisa um pouco mais de estofo e minha produtora é muito pequenininha. Daí eu levei o projeto para a Bossa Nova, eu conhecia a Denise, e eles adoraram, então a gente está fazendo uma parceria muito próspera até agora. Tanto que a gente está indo para Berlim para aquele Co Production Market. O filme vai ser apresentado para produtores internacionais, então a gente pode levantar agora uma parceria internacional para o projeto. Tá indo bem, já ganhou dois editais em São Paulo, está para filmar agora no segundo semestre. 

Na Anhagabaú, a gente está com outro projeto de documentário sobre goleiros chamado O Último Voo de Castilho. Castilho é um goleiro do fluminense famosão aí nos anos 50, 60, que, aos 59 anos, atirou-se da janela do 10º andar. Se jogou para a morte. É uma discussão sobre o personagem goleiro, que tem essa coisa meio de santo, meio de louco, meio de líder. É uma discussão de futebol que eu gosto pra cacete, eu acho que futebol dá sempre bons filmes. A gente tá interessado, estou começando a preparar esse também e começando o do Chico Teixeira. Aí eu quero esperar o Chiquinho ficar animado a dirigir outro também, quem sabe? (risos). Ele falou que vai dar um tempo, que é muito cansativo dirigir (risos).

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada durante a Mostra de Cinema de Tiradentes em janeiro de 2012.
Foto: Rogério Resende

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.