Elisa Tolomelli
Elisa Tolomelli é uma importante produtora de cinema, fundadora da Eh! Filmes. Sua formação inicial é em música, mas foi o cinema que a capturou definitivamente - Bacharel em Comunicação Social e pós-graduada em Cinema. ”Na verdade, eu tenho uma formação musical, eu sou professora de piano, eu fiz flauta transversal barroca, enfim, eu tive uma trajetória de música. E aí comecei, na época da faculdade, a fazer publicidade. Daí caí no cinema, fiz roteiro, fiz direção, fiz montagem, direção musical, edição, exibição, tudo que vinha pela minha frente eu ia fazendo”.
Começou a carreira cinematográfica na década de 1980, como assistente de direção de S.O.S. Sexy Shop, e como roteirista de A menina do lado, ambos dirigidos por Alberto Salvá. “Foi como assistente de direção no primeiro filme, roteiro no segundo filme, e diretora assistente no terceiro filme.Eu comecei fazendo um filme chamado S.O.S Sex Shop (1984, Alberto Salvá). Eu fui assistente de direção e daí eu fui vendo o que era cinema. Eu sou um interiorana, eu sou uma carioca da clara, digamos assim, eu sou de Volta Redonda. Na minha infância e adolescência eu não tive um contato direto com cinema, com nada disso, era uma interiorana. Quando eu cheguei no Rio, eu fui fazer cinema e aí gostei, eu conheci meu ex-marido, que tinha escrito um conto chamado “Alice”,que era a história do A Menina do Lado”.
Em sua trajetória como produtora estão dezenas de filmes e obras importantes como Central do Brasil (Walter Salles), Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Katia Lund), Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho), e, entre 1992 e 1996, foi Diretora Comercial da RioFilme Distribuidora. Responsável pelo lançamento de vários filmes. Elisa Tolomelli também dirigiu um longa, Manobra radical: “Eu gostei muito, porque a direção te dá uma uma possibilidade criativa muito grande, você construir os personagens, você achar os atores e levá-los àquela interpretação que você quer, você poder ter a sua linguagem, narrar uma história cinematograficamente. Isso é um tesão, eu gostei muito disso, sabe, dessa criatividade de linguagem e de interpretação de ator, foi o que eu mais gostei”.
Elisa Tolomelli esteve na 9a Mostra de Cinema de Tiradentes para o lançamento de Mulheres do Brasil, que produziu e dirigido por Malu di Martina, e conversou com o Mulheres. Ela falou sobre sua trajetória, as diferentes funções que exerceu no cinema, o desafio de ser uma produtora de cinema e vários filmes que produziu, e muito mais.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Cinema brasileiro é uma batalha. Você que tem uma trajetória importante como produtora e atua também em outras frentes como diretora e roteirista Como é trafegar nesse universo tão tumultuado?
Elisa Tolomelli: Na verdade é assim, teve uma época da minha vida que eu me achava um nada, porque eu tinha amigos que eram fotógrafos, que eram atores, enfim, amigos com profissões definidas e eu não tinha uma. Na verdade, eu tenho uma formação musical, eu sou professora de piano, eu fiz flauta transversal barroca, enfim, eu tive uma trajetória de música. E aí comecei, na época da faculdade, a fazer publicidade. Daí caí no cinema, fiz roteiro, fiz direção, fiz montagem, direção musical, edição, exibição, tudo que vinha pela minha frente eu ia fazendo. Chegou em um determinado momento em que eu achava que isso aqui era um erro, era uma coisa que não contribuía comigo mesmo, e hoje eu digo pra você que foi a melhor escola que eu tive na vida para eu ser a produtora que eu sou hoje. Porque eu sei como funciona o processo de um filme, desde a sua ideia até o lançamento internacional. Tem uma coisa que me trouxe aqui, eu sou uma produtora que tem uma experiência de vida para ser uma produtora de cinema, uma produtora executiva de vários filmes, de 15 filmes, dentre eles alguns de extensão nacional e internacional. Agora, estou aplicando no Mulheres do Brasil, vamos ver no que vai dar
MCB: Qual foi a sua primeira experiência no cinema?
ET: Foi como assistente de direção no primeiro filme, roteiro no segundo filme, e diretora assistente no terceiro filme. Eu comecei fazendo um filme chamado S.O.S Sex Shop (1984, Alberto Salvá). Eu fui assistente de direção e daí eu fui vendo o que era cinema. Eu sou um interiorana, eu sou uma carioca da clara, digamos assim, eu sou de Volta Redonda. Na minha infância e adolescência eu não tive um contato direto com cinema, com nada disso, era uma interiorana. Quando eu cheguei no Rio, eu fui fazer cinema e aí gostei, eu conheci meu ex-marido, que tinha escrito um conto chamado “Alice”,que era a história do A Menina do Lado.
MCB: Você fez o roteiro para o filme?
ET: Então, era a história do A Menina do Lado, só que era contada do ponto de vista do personagem masculino. Daí eu reescrevi todo o conto do ponto de vista da menina de 14 anos. Tinha uma diferença de idade muito grande, eu tinha 20 anos e ele tinha 42. Fui eu que descobri a Flávia Monteiro (a protagonista), eu que dirigi a Flávia Monteiro e todo o núcleo jovem, dirigi por intuito, eu não estudei. Na verdade, todas as minhas fases são um pouco intuitivas, fui cavando coisas, fui descobrindo, eu sou uma pessoa muito ativa nesse sentido. Eu sou uma pessoa naturalmente inquieta, com muita energia, então eu fui buscando. Tudo isso eu acho que é uma característica de um produtor, de uma produtora, é uma característica muito específica.
Eu comecei, recentemente, a realizar cursos. Teve uma aluna minha que foi genial, ela disse “ Eu adorei seu curso, porque hoje eu sei exatamente o que eu não quero fazer na vida”. Achei genial, porque na hora que você diz pra eles o que é essa profissão de produtor, tem gente que se excita e tem gente que diz assim “Deus me livre!”. Muita gente não sabe o que é, de verdade, a profissão de produtor
MCB: E são várias funções, né, tem produção, produção executiva, direção de produção.
ET: Minha primeira aula é explicar isso, o que é um produtor? Produtor é um cara quecontrata para fazer o filme, é o dono do filme. Ele viabiliza, ele concretiza a ideia do roteiro ou do roteirista.
MCB: E a direção?
ET: Eu não vou dirigir mais, ficou só no Manobra radical. Eu gostei, mas assim, se eu for dirigir hoje quem vai produzir para mim? Não tenho esse número estatístico para te dizer, mas estimo que existam cinco diretores para um produtor. Produzir é muito difícil, é muito complicado, tem muitas nuances, administrar, planejar. São duas funções, uma criativa e a outra prática, juntar essas duas coisas, jamais farei isso de novo, jamais produzirei e dirigirei junto, se eu for dirigir alguém vai produzir para mim.
MCB: Mas ainda assim você acha que isso pode acontecer, você voltar a dirigir?
ET: Acho que não.
MCB: Você esteve envolvida em grandes produções, inclusive Central do Brasil (Walter Salles) por exemplo..
ET: Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Katia Lund), Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho), Benjamim (Monique Gardenberg), Amores Possíveis (Sandra Werneck)…
MCB: O que te chama atenção no projeto, em um primeiro momento, para produzir?
ET: Produzir é muito difícil, ou você se envolve efetivamente com o projeto de uma forma ou é muito duro, você sofre muito. Por exemplo, você fica em um filme durante uns três anos, acaba um e aí fica mais três anos com outro, então a sua vida é isso, então o mínimo que você tem que buscar é o prazer, que tenha a grana, que tenha o sustento, você ter uma qualidade de vida profissional. Eu digo que sou eclética, eu posso produzir o Lavoura Arcaica ou o Cidade de Deus, uma comédia, um drama, ou policial, pelo tanto que eu me envolvo com isso. Qual o gênero do Mulheres do Brasil? É um documentário, é uma ficção? Não existe um gênero e isso me fascinou muito sabe, eu via o Mulheres do Brasil como um projeto muito interessante. Guardando as diferentes proporções, o Central do Brasil foi passado em várias partes do mundo porque ele dizia, ele tinha sentimento, a saudade, a dor, o amor, o desamor, a solidão, um sentimento universal contextualizado em uma situação brasileira. O Mulheres do Brasil fala de situações do universo feminino que vai bater aqui, vai bater na Argentina, na Polônia, são coisas da mulher contextualizada. Então isso para mim, além de contar história, é um projeto que tem amplitude, entendeu? Então quando escolho um projeto, eu escolho pelo coração e pela possibilidade que eu tenho de o produzir, seja o que for. Não importa se é um filme simples ou um filme grande, o que importa é você perceber o projeto que você tem, o filme que ele pode ser.
MCB: Você é uma produtora que interfere no trabalho artístico do diretor?
ET: É uma interferência construtiva, por isso eu me dou tão bem com a Malu (Di Martino), dos meus próximos projetos um é com ela e outro com outro diretor estreante,. Eu tenho as minhas ideias próprias de produção, então eu quero produzir para diretores que comunguem com minhas ideias de produção, porque senão, não tem orçamento que se realize, não tem projeto harmonioso. Se chega em um estágio que você tem desprazer de fazer o filme é muito doloroso, é muito difícil. No mínimo, que você tenha uma integração com o diretor, se tiver ainda que brigar com o diretor eu vou abrir um restaurante, entendeu? Eu estou em uma fase que eu quero ter prazer, mesmo com todas as dificuldades que a gente tem. Eu não estou falando que isso vai acabar, é lógico que isso não vai acabar nunca, as dificuldade da produção, tudo isso vai continuar, é um negócio. Agora, você tem que ter uma integração, porque toda a minha teoria das minhas aulas, da minha vida, que eu aplico, só se realiza se eu tiver uma parceria com o diretor, porque senão vira uma briga. Eu já dirigi, eu sei como que é, e isso me dá uma flexibilidade maior e que talvez outros produtores não tenham essa experiência.
MCB: E pode funcionar ou não, não é isso? O Acquaria…
ET: Olha, o Acquaria (2003), Flávia Moraes) é uma questão singular na minha carreira, nem sei se quero falar disso. É um exemplo de dissociação de diretor e produtor, o diretor e eu no meio, nunca mais eu quero isso na minha vida. A partir do Acquaria eu falei “Eu não produzo mais filme dos outros, eu quero fazer os meus filmes”. Porque você vê os erros, você prevê o que vai acontecer, porque, ali é prática, é estressante. Eu tenho experiência, eu sei o que estou falando, e deu no que deu, e ainda acho que deu bastante, 800 mil espectadores é público pra caramba. E teve uma imagem de fracasso, mas não é um fracasso, porque o que é um fracasso e um sucesso de um filme? Se você investe 100 e tem 300 é sucesso, agora se você investe milhões e tem 100 é fracasso, é essa a conta. Então você tem que dimensionar o seu projeto, se você vai fazer um filme menor você gasta menos para você poder pagar. Teve muitas expectativas de um filme que tinha muitos problemas de estrutura e de roteiro, você vê no roteiro, o roteiro não está bem estruturado, não tem um público alvo dirigido, não tem várias coisas, e ai..
MCB: O Benjamim é um filme mais fechado, eu gosto..
ET: Eu também gosto.
MCB: Eu não sei quanto ele deu, mas foi um filme que repercutiu.
ET: Ele produziu mais que eu esperava. Mas é isso, você tem que saber, não adianta você pegar o Benjamim e jogar de mídia porque não dá, o filme é mais introspectivo. É isso que o produtor tem que saber, seja ele lançado com 10 cópias, com 30, com 100 ou com 300 copias. São filmes diferentes e com todos eles você pode ter de volta o investimento, só tem que saber direcionar. Por exemplo, hoje é muito difícil isso, hoje eu vivo o dilema de com quantas cópias eu vou lançar o Mulheres do Brasil. Então o tamanho do número de cópias e o tamanho do lançamento é muito difícil e isso pode fazer você ganhar dinheiro e perder dinheiro.
MCB: E, às vezes, lançando com muitas cópias, acho que o público pode ficar diluído.
ET: É verdade, é melhor você começar com 80 cópias e crescer do que lançar 220 e você decair na segunda semana. E depende da mídia que você está aportando no filme. Você não consegue com 50 cópias fazer 3 milhões de espectadores, porque o tempo que você tem no mercado do cinema é pequeno, pois aí já vem o Homem Aranha, já vem o Batman, já vem os filmes americanos atrás de você. Então você tem 5 semanas, um filme de sucesso você tem 5 semanas para fazer o grosso, depois você vai completando. Então é aí que você tem que saber que não pode gastar demais, copia é cara, é muito difícil isso porque não tem regra, não tem matemática, é feeling.
MCB: Uma curiosidade: Qual foi o maior orçamento com que você já trabalhou?
ET: O maior orçamento foi Cidade de Deus, na época, né, uns 10 milhões.
MCB: Você disse que provavelmente não vai dirigir mais, mas como foi a experiência?
ET: Eu gostei muito, porque a direção te dá uma uma possibilidade criativa muito grande, você construir os personagens, você achar os atores e levá-los àquela interpretação que você quer, você poder ter a sua linguagem, narrar uma história cinematograficamente. Isso é um tesão, eu gostei muito disso, sabe, dessa criatividade de linguagem e de interpretação de ator, foi o que eu mais gostei.
MCB: Você é espectadora do cinema brasileiro?
ET: Eu sou, ainda que eu tenha pouco tempo.
MCB: Qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?
ET: Se Eu Fosse Você (Daniel Filho), que, aliás, eu sou coprodutora.
MCB: E está fazendo o maior sucesso.
ET: Graças a Deus! Se tivesse um outro filme brasileiro agora… O Didi também foi bem, foi a melhor bilheteria durante os últimos 12 meses, durante os últimos 5 anos, isso é muito bom. Eu sou uma produtora muito pé no chão. Eu estou fazendo algumas sessões do Mulheres do Brasil para a imprensa, hoje eu quero ver a sessão do filme porque é a primeira sessão do publico, então eu quero ver como o público reage a esse tipo de filme, não é um tipo muito convencional, ele é uma ficção com cinco histórias.
MCB: Eu sempre convido as minhas entrevistadas para homenagearem uma mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, aqui na entrevista. Qual a sua?
ET: Poxa, tem muita mulher…Tem várias, mas eu nunca conheci uma igual a Fernanda Montenegro. Posso estar sendo muito repetitiva, muitas pessoas devem ter citado ela, mas eu tenho uma reação com ela muito por conta do Central do Brasil, de admiração profunda. Porque além de admirá-la como atriz, eu a admiro como pessoa. A gente teve uma circunstância de filmagem no Central do Brasil muito difícil, a gente filmou em umas situações muito difíceis e ela teve uma elegância, ela é de uma elegância, uma ternura. Ela tem uma postura de vida, uma condição de vida que eu admiro demais, gostaria de poder ter na minha vida essa conduta de vida que ela teve com a gente no Central do Brasil. Então eu a cito por uma admiração profissional e por uma admiração pessoal, por ter convivido com ela nesse processo, em um ano de trabalho. Desde os ensaios até o lançamento, no Oscar, e ela era a mesma pessoa. Do interior do Sertão até Hollywood, ela era a mesma pessoa, ela tem uma integridade que a faz circular nessas duas pontas da mesma forma, isso para mim é uma admiração profunda.
MCB: Alguma pergunta que eu não te fiz que você gostaria de acrescentar?
ET: Acho que o registro que eu queria fazer é que eu sempre faço nos meus cursos, a minha campanha para divulgar o trabalho do produtor. Raramente a gente vê uma entrevista como essa, em que se entrevista um produtor tão atentamente, porque os jornalistas, em geral, querem muito mais assim o glamour dos atores. E eles mesmo não conhecem o trabalho do produtor. Agora mesmo, eu cheguei atrasada porque estava tomando conta da minha exibição, cheguei ali e tive que me apresentar, porque ninguém nos conhece. Então não é uma vaidade própria, é um trabalho para a categoria, porque eu acho que as pessoas têm que saber, a gente sofre pra caramba, a gente viabiliza as coisas. Então eu acho que isso nem é culpa do jornalista não, é porque essa profissão do produtor do cinema brasileiro é nova, quando eu comecei no cinema essas coisas se misturaram entre produtor e diretor. E aí começou a surgir uma geração com uma outra postura em relação ao próprio cinema, então isso é menos uma questão de vaidade e mais uma questão de postura de mercado, e isso faz com que o cinema se torne mais profissional. Essa profissão está sendo sedimentada aos poucos.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada em janeiro de 2006, durante a 9a Mostra de Cinema de Tiradentes.Foto atualizada.
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