Ano 20

Tereza Trautman

Nascida em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1951, Tereza Trautman estreia no cinema em 1971 no filme Fantasticon, os deuses do sexo, roteirizando, dirigindo e atuando no episódio Curtição, sobre pessoas às voltas com as drogas para refugiarem da época da repressão. "Sim, quando levei o release para a Folha de S. Paulo, pedindo apoio na divulgação, a minha primeira entrevista foi uma coletiva, pois juntou a redação inteira me entrevistando,  porque era incomum uma mulher fazendo cinema atrás das câmeras".

Radicada no Rio de Janeiro a partir dos anos 1970, intensifica sua carreira cinematográfica, atuando em várias frentes: atriz, roteirista, diretora, montadora e produtora.  Em 1973, realiza seu primeiro longa-metragem, o bem-sucedido Os homens que eu tive, para o qual também assina o roteiro e a montagem. O filme foi idealizado para Leila Diniz, e foi protagonizado por Darlene Glória. No entanto, apesar de bem-recebido, foi censurado e tirado de cartaz. "Dramático. Imagina que foi um grande transtorno na minha vida. Fazer o filme foi maravilhoso. Um filme super barato, custou menos de US$30 mil e filmado em três semanas. É um filme de ideias".

Depois de 15 anos, volta a dirigir um longa-metragem, o delicado Sonhos de menina moça, para o qual escala um elenco feminino inesquecível: Tônia Carrero, Marieta Severo,  Louise Cardoso, Xuxa Lopes, Monique Lafond, Zezé Motta, Norma Blum, Íriz Bruzzi, Dóris Giesse, Ângela Figueiredo, Flávia Monteiro e Gabriela Alves.  Além da direção de Sonhos de menina moça, Tereza Trautman assina também a produção e o roteiro do filme.  "Foi muito agradável e lúdico. Esse filme participou de mais de 20 festivais internacionais, mas a bilheteria do cinema já estava em baixa e a Embrafilme foi extinta pelo governo Collor (Fernando Collor de Mello) logo em seguida".

Tereza Trautman esteve em Belo Horizonte para participar da "Mostra Curta Circuito", que na edição 2024 tem o tema "Mulheres Transgressoras - as cineastas brasileiras e os Anos de Chumbo". A cineasta exibiu e comentou seu longa Os homens que eu tive, que foi restaurado. Tereza Trautman conversou com o Mulheres por e-mail. Na entrevista, ela repassa sua trajetória, comenta sobre os filmes, o pionerismo na década de 1970 dirigindo um longa, as diferentes funções em vários filmes, a experiência na criação e coordenação do canal CineBrasilTV dedicado à exibição de filmes brasileiros, e muito mais.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Nome, data de nascimento, cidade em que nasceu e formação. 

Tereza Trautman: O mesmo nome. Nasci em São Paulo, capital, em 11 de fevereiro de 1951. Formação nenhuma. O meu colégio, o Aplicação, da USP, foi fechado em dezembro 1968, e a UNB, onde eu queria estudar cinema, também sofreu intervenção.

MCB: Até a década de 1960, tivemos menos de dez diretoras de longas no Brasil, realidade que começou a mudar a partir da década de 1970. Você foi uma das pioneiras desse período e de uma geração de ouro na história do cinema brasileiro, que tem também Ana Carolina, Maria do Rosário Nascimento e Silva, Tizuka Yamasaki, Vanja Orico, entre outras. Gostaria que falasse um pouco sobre esse momento  pioneiro, em plena ditadura civil-militar no Brasil.

TT: Era a profissão que havia escolhido e como nasci em família pobre tive que estudar por conta própria e inventar como trabalhar.

MCB: Sua formação no cinema é autodidata, e você desempenhou várias funções em um set de cinema. Foi sua paixão pelo cinema que te motivou a desbravar esse ofício em que se saiu notavelmente bem e com carreira importante e premiada?

TT: Obrigada. Mas muito censurada também.

MCB: Nos final dos anos 1960, você integrou a Reunião do Produtores Independentes, com cineastas com realizações na Boca do Lixo, dentre eles, João Silvério Trevisan, João Batista de Andrade, Luis Sérgio Person e Carlos Reichenbach. Poderia comentar sobre isso?

TT: Não, não integrei, eu ficava peruando em volta, porque eu ainda era uma menina.

MCB: Sua estreia no cinema foi roteirizando, produzindo, dirigindo, montando e atuando no episódio Curtição, do longa Fantasticon - Os deuses do sexo, em 1970. É um feito e tanto e que remete ao pioneirismo de Carmen Santos e Cléo de Verberena na década de 1930, e depois a Gilda de Abreu. Foi um acontecimento na época, não é isso?

TT: Sim, quando levei o release para a Folha de S. Paulo, pedindo apoio na divulgação, a minha primeira entrevista foi uma coletiva, pois juntou a redação inteira me entrevistando,  porque era incomum uma mulher fazendo cinema atrás das câmeras.

MCB: Os Homens que eu tive, seu primeiro longa, é um marco e pioneiro na abordagem feminista. Foi idealizado para a Leila Diniz e foi protagonizado pela Darlene Glória. Foi um sucesso imediato mas de vida curta à época, pois foi censurado e proibido, sendo liberado comercialmente somente 10 anos depois. Como foi fazer esse filme e vivenciar esse boom e esses percalços?

TT: Dramático. Imagina que foi um grande transtorno na minha vida. Fazer o filme foi maravilhoso. Um filme super barato, custou menos de US$30 mil e filmado em três semanas. É um filme de ideias.

MCB: Poderia comentar sobre o filme Deliciosas Traições do Amor, filme em episódios, dirigido por você, Domingos Oliveira e Phydias Barbosa?

TT: Uma pena que a censura me puniu aplicando cortes nos fechamentos das piadas e o produtor aplicou esses cortes direto nos negativos, ou seja, destruiu a minha obra para sempre, deixando o filme da censura.

MCB: Você tem uma bem-sucedida parceria com Alberto Salvá  atuando como produtora em Revólveres não cospem flores, em 1972; atriz e roteirista em Os maníacos eróticos, em 1975; e produtora e assistente de direção em Ana, a libertina, em 1975. Poderia falar sobre essa parceria?

TT: Sim, foi realmente uma bem sucedida parceria, da qual ele se aproveitou mais que eu devido à censura que sofri.

MCB: Em 1977, você dirige o curta-metragem O Caso Ruschi, documentário que recebe o Prêmio Especial do Júri no XI Festival de Brasília, em 1978.  Como foi realizar esse filme?

TT: Ele era para ser um longa em três partes, mas somente tive condições de fazer uma porque o aguardado apoio da Embrafilme nunca chegou.

MCB: Depois de 15 anos, você volta a dirigir um longa-metragem, Sonhos de menina moça, para o qual escala um elenco feminino inesquecível: Tônia Carrero, Marieta Severo,  Louise Cardoso, Xuxa Lopes, Monique Lafond, Zezé Motta, Norma Blum, Íriz Bruzzi, Dóris Giesse, Ângela Figueiredo, Flávia Monteiro e Gabriela Alves.  Novamente o universo feminino focalizado e em um contexto social. Como foi reunir esse elenco e voltar à direção?

TT: Foi muito agradável e lúdico. Esse filme participou de mais de 20 festivais internacionais, mas a bilheteria do cinema já estava em baixa e a Embrafilme foi extinta pelo governo Collor (Fernando Collor de Mello) logo em seguida.

MCB: Poderia falar sobre a experiência do CineBrasilTV, que criou e coordena?

TT: Fundei o CINEBRASiLTV há 20 a pedido da Anatel quando o Canal Brasil estava quase fechando devido a uma dívida de $40 milhões de reais em 2003. Essa é uma história bem interessante e bem comprida.

MCB: O filme Os Homens que eu tive foi restaurado. Como é mostrar o filme nessa edição da Curta Circuito , com o tema "Mulheres Transgressoras - As cineastas brasileiras e os Anos de Chumbo"? E como vê a presença da mulher no panorama atual do cinema brasileiro?

TT: Fico muito feliz de ver o reconhecimento que o filme está tendo hoje em dia. Para mim é quase inacreditável que isto esteja acontecendo. As mulheres, finalmente, estão conseguindo ganhar espaço nesse mundo e depois do golpe do Temer/Aécio e do Moro, que prendeu o Lula para ele não ganhar as eleições, e do governo do inominável, é com enorme prazer ver essa ocupação de espaço das mulheres. É um grande prazer ver isso. Mas para mim é um espanto que o espaço das mulheres tenha até diminuído nesses cinquenta anos.

MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site: Qual foi o último filme brasileiro a que assistiu? 

TT: Eu vejo muitos filmes por causa do meu trabalho na TV.

MCB:  Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer gênero, você deixa registrada na sua entrevista com uma homenagem e o porquê?

TT: A Carmen Santos, grande mulher e grande cineasta. Pena que tenha sobrado tão pouco material que ela tenha filmado. Mas ela foi completa, fez de tudo.


Entrevista realizada por email no dia 13 de agosto de 2024.

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