Ano 20

Mariana Tavares

Mariana Tavares nasceu em 31 de agosto de 1967, na Bélgica, onde seus pais foram estudar. Tem formação em duas graduações, Jornalismo e Radialismo, mestrado em Artes/Cinema, doutorado e Pós - Doutorado. Durante muitos anos, esteve a frente de importante programa de televisão, "Curta", veiculado por 12 anos, de 1999 a 2012. "Isso permitiu que pudéssemos difundir e discutir o curta-metragem, atingindo diferentes públicos, em Belo Horizonte e também cidades do interior de MG, cidades que, inclusive, não possuíam salas de cinema. Nesse sentido, acredito ter contribuído para a compreensão de que o curta-metragem é um formato em si, tão importante quanto o longa ou o média-metragem. Um formato que permite aos realizadores maior liberdade para a experimentação de linguagem, uma vez que independe do retorno comercial das salas de cinema, sendo muitas vezes exibido em outros espaços e telas como mostras, festivais, escolas, centros culturais, galerias de arte, universidades, dentre outros". 

Em 2012, Mariana Tavares defende tese  na Escola de Belas Artes, da UFMG, sobre a cineasta Helena Solberg, e, em 2014, sua tese virou livro, "Helena Solberg - Do cinema Novo ao Documentário Contemporâneo", tornando-se referência sobre a cineasta, sua trajetória e obra, realizando também seminário e mostra. "À medida em que fui assistindo e analisando os filmes de Helena Solberg durante o doutorado, me surpreendi com a qualidade de seus filmes e, ao mesmo tempo, com a ausência de referência ao seu trabalho na bibliografia nacional sobre cinema. A única exceção, naquele momento, era um verbete dedicado ao seu trabalho, na "Enciclopédia do Cinema Brasileiro", organizada por Fernão Pessoa Ramos e editada pela Senac. Portanto, eu tinha a convicção de que era necessário transformar a tese em livro para que sua filmografia pudesse ter uma maior difusão, além do meio acadêmico". 

Mariana Tavares, que também tem outras publicações, é uma estudiosa e pesquisadora atenta ao cinema brasileiro. "Adoro o Cinema Novo e acompanho a produção contemporânea que vive novo momento de efervescência nesta segunda década do século XXI. Mas tenho um carinho especial por aqueles períodos, diretores e diretoras pouco abordados pela pesquisa acadêmica e pela crítica como o período do silencioso e a época das Chanchadas entre as décadas de 1930 e 1950".


Mariana Tavares conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e repassou sua trajetória: a formação, o programa referencial "Curta", a pesquisa e suas realizações sobre o cinema de Helena Solberg, outros temas e publicações, e muito mais.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começarmos, nome, data de nascimento, cidade em que nasceu, e formação.

Mariana Tavares: Mariana Ribeiro da Silva Tavares, nascimento em 31/08/1967, em Louvain,  Bélgica. Meus pais foram para a Bélgica estudar: minha mãe, História da Arte, e meu pai, Filosofia . Por isso, nasci lá -  em 1972 a família retorna para o Brasil; depois, de 1977 a 1979, fica em Grenoble, na França, retornando depois definitivamente para o Brasil. Formação em duas graduações: Jornalismo e Radialismo, ambas na UFMG (1991). Mestrado em Artes/Cinema na Escola de Belas Artes UFMG (2006) e doutorado também na EBA/UFMG (2012). Fiz Pós - Doutorado na EBA (2015 a 2019) e estive como Professora Visitante no Departamento de Fotografia e Cinema da EBA de 2021 até 2023.

MCB: O seu doutorado foi em cinema, não é isso? O que te moveu a se aprofundar no tema?

MT: Sim, meu doutorado foi em Artes/Cinema, na Escola de Belas Artes, com orientação do Professor Doutor Evandro José Lemos da Cunha. A necessidade de seguir estudando sobre a história do cinema e do documentário me levou ao doutorado. Também pertenço a uma família de acadêmicos. Minha mãe, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, é referência nos estudos do Barroco, do Rococó e da arte do mestre Aleijadinho, com vários livros publicados no Brasil. Meu pai, Hugo César da Silva Tavares (falecido em 2023), foi professor de filosofia na UFMG. Ambos fizeram doutorado na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, que, nos anos de 1960, recebia estudantes de países latino-americanos que viviam sob regimes ditatoriais. Meu pai participou da Juventude Católica. Estudar no exterior era uma boa opção naquele momento. Minha irmã, Joana Ribeiro da Silva Tavares, é professora da UniRio e tem desenvolvido e estimulado pesquisas sobre a preparação corporal para as artes da cena no Brasil. Portanto, esse ambiente familiar também foi uma inspiração para que eu prosseguisse com meus estudos no doutorado.

MCB: Você foi nome fundamental na divulgação e formação de público com o programa "Curta", veiculado na Rede Minas. Quanto tempo durou e como foi estar a frente do programa?

MT: O programa "Curta" foi veiculado por 12 anos na Rede Minas de Televisão, emissora educativa de MG. De 1999 até 2012. Provavelmente deve estar no Brasil, entre os programas dedicados ao formato curta-metragem que mais tempo ficaram no ar, sendo que o "Curta" tinha a vantagem de ser exibido aos sábados e domingos, às 18h, horário de grande visibilidade e num período em que a televisão ainda era uma referência de entretenimento e informação para públicos de diferentes faixas etárias. Isso permitiu que pudéssemos difundir e discutir o curta-metragem, atingindo diferentes públicos, em Belo Horizonte e também cidades do interior de MG, cidades que inclusive, não possuíam salas de cinema.

Nesse sentido, acredito ter contribuído para a compreensão de que o curta-metragem é um formato em si, tão importante quanto o longa ou o média-metragem. Um formato que permite aos realizadores maior liberdade para a experimentação de linguagem, uma vez que independe do retorno comercial das salas de cinema, sendo muitas vezes exibido em outros espaços e telas como mostras, festivais, escolas, centros culturais, galerias de arte, universidades, dentre outros. 

Gostaria de destacar também a contribuição de Lourenço Veloso (filho do cineasta Geraldo Veloso), que passou a trabalhar comigo na segunda fase do programa quando saímos do estúdio e passamos a fazer gravações externas cobrindo festivais no Brasil e exterior. Gravamos uma série de programas no Festival Internacional do Curta-metragem de Clermont-Ferrand, na França, em 2008, o principal festival dedicado ao curta-metragem no mundo, e também no Festival de Vila do Conde (o principal de Portugal).

MCB: Na BH News, você também comandou o "CinemaNews", não é isso? Como foi esse programa? Teve algumas outras experiências na TV, Rádio, jornal e/ou internet?

MT: Sim, dirigi e apresentei o "CinemaNews" na emissora BH News, por seis meses, com dicas e críticas semanais sobre os filmes em cartaz nas salas comerciais de cinema. Em seguida, iniciei meu Pós-doutorado na UFMG, com pesquisa sobre os 65 anos da Escola de Belas Artes, quando também tive a oportunidade de lecionar, junto aos professores da instituição, disciplinas sobre a história do Cinema Brasileiro e sobre a história do cinema de animação mundial.

Para realizar meu Pós-Doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes, UFMG, tive bolsa PNPD-CAPES de 2014 até 2019. A pesquisa deu origem ao livro "Escola de Belas Artes, UFMG: 65 anos de ensino-aprendizagem em Artes" (Editora Ramalhete, 2024), organizado por mim e pelos professores Evandro José Lemos da Cunha e Lucia Gouvêa Pimentel, que foram meus orientadores no Pós-Doutorado.

MCB: Em 2012, você defendeu tese  na Escola de Belas Artes, da UFMG, sobre a cineasta Helena Solberg. O que te seduziu na obra dela para que virasse seu objeto de estudo?

MT: Meu primeiro contato com a obra de Helena Solberg foi em 1994, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, por ocasião da exibição do filme Carmen Miranda, Bananas Is My Business, que acabou recebendo 4 candangos no festival: Melhor Filme pelo Júri Popular; Prêmio Especial do Júri; Prêmio da Crítica e Melhor Edição de Som.

Assistir ao filme no festival me impactou, pois ele tinha uma sofisticação em termos de linguagem e também em termos técnicos (som e fotografia) que não eram comuns no cinema brasileiro naquele momento. Também trazia algo entre o Brasil e o estrangeiro (Estados Unidos), com uma narração feminina em português e entrevistas em inglês e português. Portanto, um filme entre os dois países, sem definir exatamente um espaço geográfico. Esse caráter híbrido também se manifestava na linguagem (entre a ficção e o documentário) e, aos poucos, o filme ia descortinando uma personagem luso-brasileira-estadunidense que era Carmen Miranda. Fiquei com o filme na cabeça. Dez anos depois, em 2005, durante meu mestrado na UFMG sobre o processo de criação no documentário brasileiro, entrevistei Eduardo Coutinho, Walter Carvalho, Isabel Jaguaribe e Helena Solberg. Foi quando descobri que, além do filme sobre Carmen Miranda, Helena Solberg havia realizado uma série de documentários na América Latina e também filmes sobre a condição da mulher no Brasil, nos Estados Unidos e na América Latina. Ela já tinha uma obra significativa, desconhecida no Brasil, e que merecia ser analisada e difundida. A decisão de analisar sua filmografia no doutorado surgiu numa conversa, por sugestão de meu marido, o jornalista Marcos Barreto, que me instigou com a pergunta: "Já que o doutorado pede originalidade, por que você não investiga a obra dela, em sua totalidade?"

Adorei a sugestão e me inscrevi no doutorado em Artes/Cinema da Escola de Belas Artes, UFMG com um projeto de pesquisa sobre a trajetória da cineasta. Também tive, no doutorado, a orientação do professor Evandro José Lemos da Cunha.

MCB: Em 2014, sua tese virou livro, "Helena Solberg - Do cinema Novo ao Documentário Contemporâneo". O que te levou a essa publicação? Em linhas gerais, o que ela abarca?

MT: À medida em que fui assistindo e analisando os filmes de Helena Solberg durante o doutorado, me surpreendi com a qualidade de seus filmes e, ao mesmo tempo, com a ausência de referência ao seu trabalho na bibliografia nacional sobre cinema. A única exceção, naquele momento, era um verbete dedicado ao seu trabalho, na "Enciclopédia do Cinema Brasileiro", organizada por Fernão Pessoa Ramos e editada pela Senac. Portanto, eu tinha a convicção de que era necessário transformar a tese em livro para que sua filmografia pudesse ter uma maior difusão, além do meio acadêmico. Me encontrei com Amir Labaki em Belo Horizonte, por ocasião do Festival Internacional de Documentários "É Tudo Verdade", que ele coordena, e falei de meu desejo em fazer o livro. Por sorte, Labaki comentou que admirava o trabalho da Helena Solberg e que iria me ajudar na publicação. Dois anos depois, em 2014, o livro foi editado e lançado pelo Festival "É Tudo Verdade" em conjunto com a Imprensa Oficial de SP. E o Festival, naquele ano, faria sua primeira retrospectiva dedicada a uma cineasta brasileira: Helena Solberg.

"Helena Solberg, do Cinema Novo ao Documentário Contemporâneo" percorre as fases da cineasta. Os primeiros filmes  realizados no Brasil, os curtas A Entrevista(1966) e Meio-Dia(1970); a "Trilogia da Mulher" com documentários pioneiros sobre a condição da mulher no Brasil, América Latina e Estados Unidos; a fase latino-americana com seis filmes realizados nos Estados Unidos que analisam o apoio do governo do então presidente Ronald Reagan à ditaduras no Chile, Nicarágua, Brasil, dentre outros; o filme Carmen Miranda, Bananas Is My Business, que marca o retorno da cineasta e de seu marido e produtor, David Meyer, ao Brasil, e os filmes que se seguiram com seu retorno ao Brasil: os documentários Palavra (En)cantada, de 2009, sobre a música popular brasileira;  A Alma da Gente (2013), sobre o projeto "Dança das Marés", do coreógrafo Ivaldo Betazzo, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro; e sua primeira ficção em longa-metragem, Vida de Menina, adaptação do "Diário de Helena Morley, minha vida de menina", rodado em Diamantina, MG, em 2002, e lançado em 2004. Depois do lançamento do livro, Helena lançou, em 2017, o documentário Meu corpo, minha vida, sobre um tema-tabu na sociedade brasileira, o aborto. E em 2024, lançou Um filme para Beatrice, no Festival "É Tudo Verdade", uma cinebiografia em que ela percorre sua trajetória e o desejo de compreender a complexidade do feminismo hoje.

MCB: Você também organizou mostra e seminário sobre a cineasta. Uma das poucas mulheres do Cinema Novo e com uma filmografia extensa, inclusive fora do Brasil. O que você considera que ela traz de mais relevante em termos éticos e estéticos para a história do cinema brasileiro?

MT: O cinema de Helena Solberg tem um caráter transnacional que tem muito a nos dizer em tempos de globalização. É um cinema realizado sobretudo entre as três Américas (Norte, Central e América do Sul), com um olhar especial para a condição das mulheres no campo e nas cidades, no espaço doméstico e no trabalho. Nesse sentido, ela é pioneira na investigação de questões relacionadas às mulheres na América Latina, com os documentários The Double Day (A dupla Jornada, 1975) e Simplesmente Jenny(1977);  nos Estados Unidos e na Inglaterra (The Emerging Woman, A nova mulher, 1974); e no Brasil, com o primeiro filme feminista realizado entre nós e, também, seu filme de estreia, o documentário A Entrevista, de 1966. Nesse filme de estreia, Helena conversa  com mulheres de sua geração, antigas estudantes do colégio "Sacre Coeur de Marie" sobre questões fundamentais nos anos 1960, como virgindade, religião, relacionamento com os maridos, educação de filhos etc. A partir desse filme, ela irá realizar nos Estados Unidos a "Trilogia da Mulher", que citei acima, sobre diferentes aspectos da realidade feminina na América Latina e América do Norte. Depois da fase feminista, realizou documentários no âmbito do cinema independente estadunidense, chegando a ganhar um Prêmio Emmy pelo filme From the Ashes... Nicaragua Today (Nicaragua hoje, 1982), a meu ver, um dos filmes mais importantes de sua filmografia. De volta ao Brasil, com seu marido e produtor, o norte-americano David Meyer, realiza filmes sobre diferentes aspectos da arte brasileira, literatura, música, dança e história, celebrando o reencontro com seu país natal, após 30 anos vivendo nos EUA.

É portanto uma obra densa, multifacetada, cuja linguagem acompanha as mudanças na linguagem do próprio audiovisual. Seu cinema nasceu moderno com os curtas A Entrevista (1961) e Meio-Dia (1971) ,e permanece contemporâneo. Esses aspectos foram abordados no Seminário e Mostra que organizei em conjunto com meu orientador, o professor Evandro José Lemos da Cunha, na Escola de Belas Artes/UFMG, em 2014.

MCB: Como é a sua relação com ela e qual o seu filme preferido dela?

MT: Nos tornamos amigas. Conversamos com frequência e, todos os anos, a visito em sua casa no Rio de Janeiro.

É mais fácil falar em "filmes favoritos": From the Ashes... Nicaragua Toda  (Nicaragua Hoje, 1982); Carmen Miranda, Bananas Is My Business (1994), e, mais recentemente, Um filme para Beatrice ,que ela lançou no Festival Internacional de Documentários "É Tudo Verdade", neste ano de 2024, uma cinebiografia em que ela percorre a complexidade do feminismo hoje em contraponto aos filmes que ela dirigiu sobre a condição da mulher nas décadas de 1960, 1970 e 1980.

MCB: Além da Helena, sua pesquisa engloba outros autores e temas?

MT: Sim, em meu Pós-Doutorado na Escola de Belas Artes, UFMG, com bolsa PNPD-CAPES de 2014 a 2019, pesquisei os 65 anos da Escola de Belas Artes, que é uma referência no Brasil, no ensino das Artes. O primeiro curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis do país foi criado na Escola de Belas Artes, em 1978, pela professora Beatriz Coelho. A primeira habilitação em universidade brasileira de Cinema de Animação (1985) é também da EB,assim como a primeira Especialização em Estilismo e Modelagem do Vestuário (1986), que, posteriormente, deu origem ao Bacharelado em Design de Moda (2009). Implementado em 2006, o Doutorado em Artes é o primeiro de Minas Gerais.

O Festival de Inverno da UFMG – uma das principais atividades de extensão em universidade brasileira - foi criado em 1967 pelo saudoso professor de pintura da EBA, Haroldo Mattos, pela professora Yara Tupynambá, e pela professora e pianista Berenice Menegale, da Fundação de Educação Artística. O grupo Giramundo, referência em teatro de bonecos no país, foi igualmente criado como atividade de extensão na EBA, em 1970, pelos professores-artistas Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso e Maria do Carmo Vivacqua (Madu).

Minha pesquisa teve, como ponto de partida, o projeto Memória da Escola de Belas Artes, idealizado pela professora aposentada Pompéa Peret Britto da Rocha, que levantou documentos e registrou entrevistas que cobriram os 15 anos iniciais da EBA, de 1957 a 1972. À essa documentação, somaram-se novas entrevistas com professores e técnicos, bem como o levantamento de novos documentos, reportagens, textos e imagens que abarcam as décadas seguintes até a atualidade.

Tive orientação no Pós-Doutorado dos professores Evandro José Lemos da Cunha e Lúcia Gouvêa Pimentel, que assinam comigo a organização do livro "Escola de Belas Artes: 65 anos de Ensino-Aprendizagem em Artes" (Editora Ramalhete), que foi lançado neste ano de 2024.

Durante meu Pós-Doutorado e depois como Professora Visitante ( 2021 - 2023) na Escola de Belas Artes, ministrei disciplinas de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso); Panorama do Cinema de Animação Brasileiro; Panorama do Cinema Brasileiro e Roteiro. Em 2018, realizei em conjunto com o professor Maurício Gino. o "Seminário Pesquisas em Animação e Poéticas Tecnológicas", que deu origem ao livro "Pesquisas em Animação & Poéticas Tecnológicas" (Ed. Ramalhete, 2019), que pode ser acessado gratuitamente.

Aliás, o livro "Helena Solberg, do Cinema Novo ao Documentário Contemporâneo" (É Tudo Verdade/ Imprensa Oficial de SP, 2014) também pode ser acessado gratuitamente. Mais recentemente, já como Professora Visitante na UFMG, organizei, com os professores Maurício Silva Gino e Arttur Espindola, o 2º Seminário Internacional Pesquisas em Animação e Poéticas Tecnológicas, que contou com a participação de professores de Portugal, França, Argentina, Chile, Colômbia e do Brasil. Todo o conteúdo do Seminário pode ser acessado no Youtube.

Esse segundo seminário internacional deu origem a um segundo livro "Pesquisas em Cinema de Animação: Conexões Internacionais" (Editora Ramalhete), que será impresso ainda neste ano de 2024, com lançamento previsto para 2025.

MCB: O termo "Olhar Feminino" é um pouco polêmico dentro do cinema. Você acha que ele existe? E se sim ou se não, o porquê? 

MT: Sim, é polêmico e complexo. E talvez não seja só exclusivo às mulheres. Um homem também pode ter um "olhar feminino". De todo modo, podemos observar que, muita vezes, filmes feitos por mulheres apresentam personagens e histórias com e sobre mulheres com mais frequência que os filmes dirigidos por homens. Apresentam também personagens femininas mais complexas, com perspectivas que fogem dos papéis tradicionalmente conferidos às mulheres.

MCB: Como você acha, a partir do recorte que estuda ou mesmo acompanha como público, que o  cinema brasileiro vem abordando e representando a mulher ?

MT: Tem melhorado muito. O cinema brasileiro vem apresentando personagens femininas mais interessantes e reais. Em filmes feitos por mulheres e homens.

Para dar um exemplo recente, Ainda estou aqui (2024), de Walter Salles, é um filme sobre uma mulher que, após a morte do marido pela Polícia Militar durante a Ditadura, em 1971, entra para a faculdade para estudar direito e poder sustentar os cinco filhos. É a história real de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres.

Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert, apresenta mulheres pertencentes a classes sociais distintas, evidenciando a exploração da mulher branca de classe alta sobre uma mulher simples, sua empregada doméstica vivida por Regina Casé, e, depois, sua tomada de consciência a partir da vinda da filha, que vem do nordeste para prestar vestibular na capital paulista. A construção dessas personagens em suas relações de opressão e oposição é reveladora de um sistema de exploração que ainda vigora no Brasil. É cinema para fazer pensar e discutir.

MCB: Tem algum período de preferência, década, escola ou movimento, no cinema brasileiro?

MT: Adoro o Cinema Novo e acompanho a produção contemporânea, que vive novo momento de efervescência nesta segunda década do século XXI. Mas tenho um carinho especial por aqueles períodos, diretores e diretoras pouco abordados pela pesquisa acadêmica e pela crítica, como o período do silencioso e a época das Chanchadas entre as décadas de 1930 e 1950.

No período das Chanchadas, o Cinema Brasileiro era popular, com filmes cômicos, musicais e carnavalescos que lotavam as salas de cinema . O ingresso era acessível, tornando possível a ida frequente ao cinema. No entanto, os filmes da Chanchada não tiveram o mesmo reconhecimento que os do Cinema Novo. Temos um diretor que também realizou Chanchadas, o Luís de Barros, que teve uma carreira extensa que se iniciou no período do silencioso e que foi até 1981! Foram seis décadas de atividades, em que ele realizou cerca de 50 filmes em vários gêneros. No entanto, ele permanece desconhecido, o que é uma injustiça. Sinto uma urgência em investigar e analisar esses períodos e nomes invisibilizados pela história oficial. Sempre comento sobre isso em minhas aulas sobre cinema e animação brasileira.

MCB: Para terminarmos, qual foi o último filme brasileiro a que  você assistiu?

MT: Ainda estou aqui, de Walter Salles, que comentei acima. E hoje, enquanto respondo esta entrevista, me preparo para assistir a animação brasileira Arca de Noé, inspirada na obra de Vinicius de Moraes.

MCB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você deixa registrada na sua entrevista como uma homenagem e o porquê? 

MT: Minha homenagem é para Gilda de Abreu (1904 - 1979), atriz, cantora lírica, escritora e autora de radionovelas, cuja estreia como cineasta foi na direção de um filme que atraiu multidões às salas de cinema em 1946: O Ébrio. O filme trazia no papel principal o grande cantor Vicente Celestino, que era casado com ela. Gilda era uma artista completa e merece todas as homenagens!

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada por Whatsapp, entre os dias 15 de outubro a 20 de novembro.
Crédito foto: Márcia Charnizon

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.