Luiz Rosemberg Filho (Analú Prestes)
O ator é em essência um ser metafísico pois lida em profundidade com uma multiplicidade fantástica de identidades criativas. Tanto pode ser Abelardo 1º como “Antígona”. Tanto pode ser “Hamlet” como “Édipo” ou “Coriolano”. Tanto Lady Macbeth como “A$suntina Das Amérikas” ou “Medeia”... Sua liberdade é o seu processo sem um fim absoluto pois no próximo ano poderá vir a ser “Calígula” ou... Pouco importa as suas tantas vontades e certezas. Analu Prestes com quem fiz “A$suntina Das Amériks”, a priori é um sol na vida das personagens por onde vai passando. Nunca a vi pervertida na TV, vendendo planos de saúde ou papel higiênico.
Foi e segue sendo uma grande atriz repleta de sonhos e habilidades do Teatro e Cinema, as Artes Plásticas. Ter trabalhado com ela foi uma vitória de vida contra a ditadura. Vivíamos tempos feios na degeneração do humano. Bênção a Luiz Antonio Martinez Correa que me apresentou a ela no delicado “CASAMENTO DO PEQUENO-BURGUÊS” do Brecht, que vi em Paris por onde estavam passando. Analu já era um acontecimento na santificação política da desordem, que de certo modo purificava nossos tantos e tantos obstáculos. Ela foi sempre iluminada e positiva com grande desprezo pela ordem estabelecida.
Analu é um capítulo vivo da vocação e da razão anarquista. Engajada na ousadia do confronto, ridicularizou sempre a falsa ordem da moral hípica-religiosa. Ainda hoje vejo-a além do bem e do mal como uma Snta oswaldiana, tendo feito da sua “A$suntina” uma experiência rica, visível a olho nú. Um desafio visceral de exposição, ainda que exuberante, lúcida há cada movimento do seu primeiro personagem no nosso cinema. Ou seja, se deixando levar como atitude dionisíaca, dando força e graça a sua representação do “A$suntina”, e afastando-se do fácil, do comum, da mesmice televisiva de sempre.
Falar do meu privilégio de tê-la tão jovem e visionária foi para o filme que fizemos juntos, um ato anti-concessão ao cinema-patronal desejado pela ditadura que precisava desviar a atenção do público dos graves problemas do país. Mas já ali nascia as origens do cinema-televisivo que se faz hoje em nome do mercado. O cinema do: ME ENGANA QUE EU GOSTO! Analu e “A$suntina” seguem sendo mais vivos que todos estes fanfarrões idiotizados pela “fama” que continuam fazendo televisão ou publicidade com o Cinema. Ou seja, Analu e “A$suntina” não são um gozo menor do capital, e sim um gozo moralmente ou imoralmente (felizmente) político. Um gozo chamado Brasil.
É interessante lembrar que Analu vem de dois grupos fundamentais do Teatro brasileiro: o “Pão & Circo” e do Teatro Oficina. Não fez o Antunes Filho que eu até gosto e defendo, e foi para a Globo. Foi se reconhecer como essência no olho nu do furacão em outra cidade, com outros amigos, atrás da sua consciência no cinema comigo e com o saudoso Joaquim Pedro de Andrade. Claro que poderíamos ter feito um outro filme idiota como tantos outros que a ditadura defendia e gostava. Mas com Nelson Dantas, Ivan Pontes, Echio Reis, Renaud Leenhardt e Analu Prestes era impossível cultuarmos o idiotismo político da época.
Passaram-se quase meio século e aí estamos numa eterna repetição de passados. A tortura de hoje são os Impostos, a Política, a eterna Ocupação. E o espetáculo bárbaro dos meios de comunicação. Claro que a BUROCRACIA essêncializando as mais sutis certezas (ordem, mercado, trabalho, dinheiro, prostituição, religião, exploração...) e as nossas muitas dúvidas. Não brigamos anos e anos com a ditadura, para aos 50, 60 anos vivermos o regime do oportunismo e da burrice como sustentação do sistema que se satisfaz no seu desprezo retumbante contra o saber. Ora, como pode virar notícia que o Presidente da República viajou para a China, vendo uma cópia pirata do frágil passatempo de “Os Dois Filhos de Francisco”? Pelo visto no poder só o horror se perpetua e exerce duradoura afinidades. E quando foi diferente? Fico com a luz e a ousadia de Analu Prestes. Mais que uma Atriz, uma força deste país.
Luiz Rosemberg Filho é cineasta.
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