Matheus Trunk (Kate Lyra)
Musas dentro do cinema brasileiro existem várias. Cada uma com uma beleza ousada ou mesmo um talento diversas vezes esquecido. Isso desde os primórdios. Me lembro de Eliana Macedo, nas chanchadas nos anos 50, por exemplo. Além de atuar, ela dançava, cantava, representava...
Mas o maior número de vestais no cinema brasileiro foi mesmo nos anos 70 e 80, quando nossa produção dominava as telas do país. Criamos por bem ou por mal, uma verdadeira indústria de cinema. Diversas foram as mulheres que tinham diversos fã-clubes espalhados por todo país. Na Boca do Lixo, em São Paulo, então nem se fala.
Pra mim, escolher uma única atriz para essa coluna foi uma tarefa cruel e árdua. Muitas mereciam estar aqui: Neide Ribeiro, Alcione Mazzeo, Alvamar Taddei, Aldine Müller, Sandra Bréa...
Porém, minha escolha é mesmo Kate Lyra. Embora alguns dos papéis na televisão dela sejam até famosos (principalmente em programas humorísticos), Kate uma dessas atrizes que nasceu para a telona.
Vinda do distante estado norte-americano do Arizona, a musa veio para o Brasil, onde se casou com o bossa-novista Carlos Lyra. Participou de algumas comédias, que já vão dando uma prévia do que estar por vir. Isso fica claro em filmes como “Nos Tempos da Vaselina”, em que ela é uma professora de dança, numa espécie de “Embalos de Sábado a Noite” da Zona Sul carioca.
Sua atuação em um despretensioso, mas genial filme de J. Figueira Gama merecia ter ganhado algum prêmio. Quem procurar pode ter certeza: o título da película nada tem haver com seu conteúdo.
Mas o grande talento de Kate está provado nos filmes que ela realizou sob as ordens do mestre Walter Hugo Khouri. São os três filmes fundamentais na filmografia da atriz: “Prisioneiro do Sexo”, “Convite ao Prazer” e “Eros”.
Quem conhece cinema brasileiro sabe que ninguém na nossa história cinematográfica sabia dirigir atrizes como Khouri. Nessa segunda fase do trabalho do cineasta paulista, ele está mais livre para fazer o que queria sem precisar de um rigor estético tão forte. Ele não era mais um acadêmico. Estava mais livre pra fazer o que bem entendia.
Seu fotógrafo agora era o autodidata Antônio Meliande; seu produtor era Antônio Pólo Galante; ele poderia usar todas as atrizes que desejava. Ele então transformava aquelas simples e frágeis moças em deusas fenomenais. Nesse aspecto, Kate Lyra foi mais uma das musas desse grande (e extraordinário) esteta.
No primeiro longa que fizeram juntos, a atriz está quase discreta num papel de uma mulher divorciada seduzida por Marcelo (Roberto Maya). Em “Convite”, ela é uma professora de inglês, fortemente explorada pelo patrão. E finalmente em “Eros”, mais uma vez no papel de professora, mas do menino Marcelo Ribeiro.
Mesmo em papéis difíceis e que poucas atrizes nacionalmente conhecidas se arriscariam a fazer, Kate teve brilho e coragem para sempre fazer papéis fortes, sem nunca cair na vulgaridade, tão presente hoje em dia.
Pena que nas décadas seguintes, a musa ganhou pouquíssimas chances, sendo uma sombra frente seu talento e beleza. Kate Lyra merecia ser mais lembrada nos dias atuais em que cada vez mais atrizes sem brilho dominam nossas telas.
Matheus Trunk é fundador da Revista Zingu! e pesquisador de cinema brasileiro.
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