Rubens Ewald Filho (Eliana )
É engraçado que tem gente que chega pra mim e diz assim, “ah, você não gosta de cinema brasileiro, você gosta é de filmes do Oscar” (risos). È engraçado porque não é nada disso. Eu falo tão mal do Oscar, dos filmes do Oscar, e o meu cinema favorito era o cinema italiano. Eu não consigo conceber, é uma coisa que não entra na minha cabeça nunca, você não gostar do cinema brasileiro. Como eu não vou gostar do que é meu, do que é nosso, do que é a minha formação, do que é a minha vida. Eu acho que a gente tem uma memória afetiva muito forte. Eu, na verdade, tenho uma paixão com tudo que... sei lá, uma música antiga que eu ouvi. Eu ouvi uma voz e aí eu vou lá atrás procurar essa voz.
Graças a Deus eu era de uma geração que nasceu vendo filme brasileiro. Eu era da geração da chanchada mesmo, e chanchada era um nome que aparecia já para mim sem essa condição de crítica ou pejorativo. Embora o pessoal que fazia o cinema ficava ofendido se chamasse de chanchada. Eu não via isso, eu adorava todos eles. Se eu tenho uma tristeza é a de não ter conhecido a Eliana Macedo. Eu sou muito amigo do Sílvio de Abreu, que fez o "Assim Era a Atlântida", e eu dizia "Sílvio, eu quero conhecer ela". E eu não pensei que ela fosse morrer tão cedo, sabe? Foi relativamente cedo que ela morreu, Ela era uma pessoa difícil, taciturna, tinha morrido o noivo dela, e ela nunca aceitou isso direito. Ela era uma pessoa triste. Ela não era aquela alegria de viver que ela tinha. Ela era uma atriz limitada, mas que importância tinha isso? (risos) Ela foi sim a namoradinha do Brasil naquele momento. E hoje, revendo, eu adorava a Eliana naquela fase da chanchada. Eu acho que a Eliana tinha isso, talvez o que eu procurasse nas mulheres que eu admiro, e que talvez procure imitar.
Eu não me acho um grande crítico, mas eu acho que eu tenho uma coisa que os outros não têm e que chama-se entusiasmo. Eu estou falando com você e eu estou aqui segurando em você falando assim "olha, a Eliana era o máximo". Porque ela levantava aquelas sobrancelhas, ela dançava, e ela não sabia dançar, e dançava ótima, ela era uma natural, sabe? Eu não sei, de repente, falando agora pra você, eu me lembro da Debbie Reynolds, que eu gostava, e que tinha uma semelhança com ela. As duas eram ginastas, elas encaravam a performance como uma coisa atlética, como um esporte, uma exibição de esporte. Qual é a característica do esporte? É essa. É uma vitalidade, é uma energia, é um entusiasmo, é o fazer o melhor possível quando você está se apresentando. E é o que a Debbie tem até hoje, velhinha, ela é assim, uma explosão de alegria e de energia. E com a Eliana era exatamente o oposto, ela era uma pessoa fechada, triste, mas quando estava na câmara, ela era uma alegria só, ela era uma Carmen Miranda, uma Regina Duarte (risos), ela era isso, eu não sei. Pra mim representava um pouco o Brasil.
É engraçado, se eu for pensar nas pessoas que eu admiro, todas elas têm essa energia. A Anecy Rocha era uma pessoa extremamente viva, quando eu a conheci pessoalmente eu me apaixonei. Eu a acho absolutamente encantadora. E é uma grande perda, foi uma grande perda para o cinema brasileiro. Eu acho que talvez uma característica seja essa, o cinema brasileiro teve uma má sorte com as estrelas que morreram. Leila, Leila Diniz, que era inclusive minha amiga, me chamava de Rubão, era uma outra força da natureza, como essas outras que eu disse, elas tinham essa vitalidade. Porque mulher é mais interessante que homem. Embora a gente tenha essa coisa de bicho da mesma espécie, eu estou falando para você e naturalmente a gente já tem uma linguagem fácil, mas com mulher não é assim. Mas talvez o fascínio delas seja esse, elas parem, elas são mães, elas são monumentos, elas são a mãe-coragem. A gente, o homem é babaca, homem é bobo. E é mesmo, essa é a natureza, o corpo masculino, o homem quer fazer guerra, homem quer correr atrás da bola, sabe? O homem quer meter, o homem não tem qualquer sutileza. Pelo menos como regra, obviamente.
Eu acho que essas mulheres todas, de alguma maneira simbolizavam a força da mulher brasileira também, sabe? E é por isso que eu tenho a maior admiração por elas. Outra que eu não mencionei é a Glauce Rocha. Adoro "Terra em Transe", embora faça restrições à Glauber, eu acho "Terra em Transe" um filme seminal, o retrato da gente. Eu conheci Glauce também pouco antes de morrer, dias antes dela morrer, em São Paulo, fui até ao enterro dela.
Mais uma que você certamente não deve ter alguém elogiando chama-se Lola Brah. Eu fui amigo dela, a gente sentava e ela não passava um minuto sem pensar no cinema brasileiro: como que o cinema brasileiro ia pra frente? o que ela ia fazer no cinema brasileiro? Se eu organizava um festival ela ligava para mim e dizia "convida a Zenaide Andréia, porque ela escrevia na Cinelândia e ninguém fala mais com ela agora”. E eu levei a Zenaide Andréia para o festival porque a Lola pediu, foi a última aparição pública até da Zenaide, era uma jornalista de cinema. E aí as amigas, Ruth de Souza...
A Lola foi a vida inteira uma pessoa altamente misteriosa, eu nunca consegui saber exatamente de onde ela veio, como ela veio, embora a gente até conversasse, e ela fosse bastante próxima. Era um mistério a vida dela e era o tempo inteiro o cinema brasileiro. Ela era uma russa que vivia aqui, e aí tinham boatos de que ela foi caso do Getúlio, e, no Brasil também todo mundo era caso do Getúlio. Ela foi outra pessoa que morreu muito cedo, relativamente cedo, eu também fui ao enterro.
E aí pula. Anos depois eu recebo um telefonema dizendo o seguinte "eu sou filho do amante de Lola Brah, meu pai era casado e viveu anos com Lola. A gente não gostava dela por causa disso, ela destruiu nosso casamento, mas eu estou com as coisas da Lola aqui e não tenho para quem deixar. Quero deixar para alguém e pensei em você”. Ele morava no mesmo bairro que eu e eu fui buscar (emociona-se). Desculpe-me eu me emocionei agora... Mas eu acho que de alguma maneira (muito emocionado) a Lola fez ter às minhas mãos, ela fez chegar a mim. O roteiro de "Pulga na Balança", montado por ela, eu acabei guardando isso tudo dela (emocionado) ...
(O depoimento é interrompido durante alguns minutos, depois Rubens retoma).
Uma coisa que eu digo que eu acho é que se eu virei crítico foi pelo fascínio que eu tenho e tinha pelos atores. E se hoje eu sou diretor de teatro, embora até possa brincar dizendo que eles são egocêntricos, eles são isso são aquilo, eu adoro eles. Eu só entrei no negócio por isso, porque eu tenho fascinação sim. Eu acho que com todos os defeitos que tenho, cinema para mim é, mais do que homem, sempre foi mulher. É claro, é a estrela, é a figura, e grandes emoções eu tive indo à Hollywood, e gravando lá, e beijando a Debbie Reynolds, e estando com Diane Baker, que ninguém sabia quem era, mas eu adorava.
Eu consegui chegar até os meus ídolos de infância, alguns já tinham morrido, infelizmente, mas com vários deles eu saí, jantei, fiquei com eles. Então isso para mim é motivo de felicidade. Para dizer a verdade, me fez muito feliz. Quer dizer, se eu estou no negócio é pelo fascínio que eu tenho pelos atores e, principalmente, pelas estrelas, foram elas que me colocaram nisso.
Rubens Ewald Filho é crítico de cinema.
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