Ano 20

Betty Faria

Betty Faria é conhecida pelo grande público como uma das maiores estrelas da televisão brasileira. Realmente, é uma das mais importantes atrizes de telenovelas e suas atuações em “Pecado Capital” (1975) e “Duas Vidas” (1976), de Janete Clair, “Água Viva” (1980) e “Anos Dourados” (1986), de Gilberto Braga, e “Tieta” (1989), de Aguinaldo Silva são inesquecíveis. Mas é no cinema que atriz enche a tela em cheio, por ser uma persona essencialmente cinematográfica.

Betty Faria tem paixão confessa pelo cinema, e nas telas deu vida a, pelos menos, a quatro das melhores personagens femininas do cinema nacional: a Leniza Maier em “A Estrela Sobe” (1974), de Bruno Barreto; a Salomé em “Bye Bye Brasil” (1979), de Carlos Diegues; a Fausta em “Romance da Empregada” 1987), também de Bruno Barreto; e a Dália em “Anjos do Arrabalde” (1987), de Carlos Reichenbach. Agora, deu vida a mais uma personagem de Carlos Reichenbach, a Serena de “Bens Confiscados” (2004), ainda não lançado comercialmente, mas apresentado em mostras e festivais – acabou de levar o prêmio de Melhor Atriz no Cine Ceará.  

“A Estrela Sobe” é o primeiro longa de Bruno Barreto, que depois viria a dirigir Betty Faria no melhor filme de sua carreira, “Romance da Empregada”, filme que lhe deu o maior número de prêmios e que é um momento luminoso na história do cinema brasileiro dos anos 80. “Bye Bye Brasil”, por sua vez, é considerado por muitos como o melhor filme de Carlos Diegues, e é um clássico do cinema nacional. Já Carlos Reichenbach é um dos mais importantes cineastas brasileiros e seu encontro com Betty Faria, além de ter rendido dois grandes filmes, levou-a também para uma nova frente em sua carreira: a produção. Em conversa exclusiva com o Mulheres, Betty Faria nos conta sua trajetória, desde o desejo de criança em ser artista até o momento atual. Fala dos tempos de balé, dos trabalhos na televisão, no teatro, e, claro, no cinema. 

  
Mulheres: Você tem formação de bailarina e sabe-se que as bailarinas começam os estudos bem cedo. Ainda assim, você sempre pensou, desde pequena, em ser atriz?  

Betty Faria: Eu queria ser artista. Eu tinha um sonho da Broadway, quando eu era criança eu queria cantar, dançar, representar em tudo. Então, ao entrar no show busines, a minha porta foi o balé. Eu sou de família classe média, mãe dona de casa e pai militar, e com seis anos de idade eu fiz tanta pressão para fazer aula de balé, eu gostava tanto, que me obrigaram, ou estuda piano ou não faz balé. Então eu estudava horas aqueles exercícios todos de piano e fiquei com trauma de piano.Eu comecei a fazer aulas de balé aos seis anos. Depois, por causa de viagens do meu pai, eu parei, mas quando voltei para o Rio de Janeiro, na adolescência, aí eu entrei direto na coisa do balé. Eu sabia que a minha não era ser uma bailarina clássica, eu sabia que eu queria mais, eu não ficava feliz naquelas pontas, entendeu? Mas eu tenho dez anos de balé clássico, estudei com a Eugênia Feodorawa, que foi minha minha grande maitre, Pierre Klimov, Nina Verchinina, Madame Marie Makarowa. A minha primeira professora foi dona Alexandra. Quem me ajudou a dar o salto para o show foi a Sandra Dieckens e depois o Geraldo Casé, pai da Regina Casé, que tinha um programa de televisão. Eu fui fazer teste, toda vestida de balé clássico (risos), e eles me botaram em cima do sapato alto, “Le girls”, em cima da escadaria. Tudo começou ali.

Mulheres: Então sua primeira apresentação para o grande público foi na televisão?  

Betty Faria: Não, eu já tinha feito muitos shows. Eu vinha fazendo tudo devagarzinho, mas  já tinha dançado em ópera, fui estagiária do Teatro Municipal. Eu fazia parte de um grupo de balé da Sandra Dieckens, que hoje tem uma escola de balé em Koll, na Alemanha. Ela me dava muita força, a Sandra tinha um grupo que fazia balé nos clubes, então nos fins de semana a gente dançava, clássico, moderno, charleston, cancan (risos).  

Mulheres: O que foi bom para a sua formação, porque durante a sua trajetória de atriz, a dança foi muito importante, não é?  

Betty Faria: Sempre. Agora, eu queria ser atriz, mas não tinha cursos. Eu ia fazendo aqueles que apareciam. Até que eu consegui fazer a minha primeira peça que foi no Leblon, e meu primeiro filme, “Amor e Desamor” (1976), do Gerson Tavares. 

Mulheres: Ainda no universo da dança, você trabalhou nas revistas do Carlos Machado?  

Betty Faria: Eu não trabalhei nas revistas, eu trabalhei em um show do Carlos Machado, já de estrela, que foi no “Chica da Silva”. Antes eu trabalhei em dois grandes shows, com produção do falecido Abraão Medina, com o Aluízio de Oliveira, do Bando da Lua. Eles trouxeram uma coreógrafa americana chamada Sandra Shaw, que era coreógrafa da Marlene Dietrich, eu fiz o teste entre 50 bailarinos, passei e estreamos no Golden Roon do Copacabana Palace, que era o must da época. Aí fomos para o Teatro Record, em São Paulo, e depois para Buenos Aires. Meu pai foi obrigado a me emancipar, o general enlouqueceu com isso (risos), mas ele teve que me emancipar para me deixarem trabalhar no corpo de baile da Sandra Shaw. 

Depois, no ano seguinte, ela voltou para o Brasil para fazer um outro show, que também estreou no Copacabana Palace, mas que depois fez uma grande temporada no Teatro Record de São Paulo. Dali teve uma tristeza, tive problema de joelho, um acidente de trabalho. Aí,  voltei para a casa dos meus pais, em Copacabana e recomecei tudo devagarzinho. Um dia estava ensaiando, com o Juan Carlos Berardi, que era meu amigo, meu coreógrafo, meu descobridor, junto com Geraldo Casé, quando o Carlos Machado me viu  e disse “essa menina será a minha próxima estrela”. E me convidou para fazer um show chamado “Chica da Silva 63”, com o Grande Otelo. Foi aí que estreei com o Carlos Machado, mas já como estrela dele, na boate Fred´s, em Copacabana. Nunca trabalhei em teatro de revista. 

Mulheres: E que maravilha, ao lado do Grande Otelo. 

Betty Faria: Estreei ao lado do Grande Otelo. Aí, nesse ano, o Flávio Tambellini, pai, foi assistir ao show e me convidou para faze uma participação na primeira versão de “Beijo” (1965), do Nelson Rodrigues – e aí eu cheguei ao cinema. Era uma dança, uma coreografia fantástica, que eu fazia em uma boate. Eu entrava com uma capa, a Glauce Rocha me tirava a capa e eu dançava. 

Mulheres: Ao mesmo tempo que você fez a participação em o “Beijo”, acontece a televisão como atriz? 

Betty Faria: Não, isso ainda levou uns dois anos. Eu estava na televisão fazendo show e era muito difícil quem fazia show passar para atriz. Quando eu estreei no teatro diziam assim “agora é moda botar vedetinhas do rebolado no teatro”. E puxa, eu tinha uma formação clássica, eu estudava, fazia cursos de interpretação, era tão dedicada. Estreei em 65, e o Hugo Carvana me levou para fazer teste para o filme “Amor e Desamor”, do Gerson Tavares, meu primeiro longa. Na televisão, eu ainda não trabalha de atriz, eu fazia shows, musicais, apresentava. Eu só consegui trabalhar como atriz na tv depois que minha filha nasceu (Alexandra Marzo, também atriz), em fins de 68. 

Mulheres: Como aconteceu o primeiro convite para você trabalhar como atriz na tv? 

Betty Faria: Na televisão não aconteceu o convite. Eu pedi por favor para a Leila Diniz, que era minha amiga, para me levar para fazer um papel, na novela que ela fazia, que era na TV Rio. A Janete Clair, com pseudônimo, era quem escrevia, e o Daniel Filho dirigia. Eu pedi por favor a ela, por que minha companhia de teatro com o Cláudio Marzo (com quem era casada) tinha sido fechada, por problemas de censura, dificuldades nossas, nós estávamos com problemas financeiros sérios. Foi aí que eu entrei naquela novela e emendei dali para a Globo. Na verdade, eu já tinha trabalhado na TV Globo, eu inaugurei a TV Globo, mas fazendo musicais. Da TV Rio eu fui para a Globo, entrei na metade de uma novela da Glória Magadan, com direção do Fábio Sabag, e não parei mais, fui me virando. 

Mulheres: O curioso é que Janete Clair, que era a autora da sua primeira novela,  é quem vai escrever alguns grandes papéis seus em novelas. 

Betty Faria: Foi a autora com quem eu mais trabalhei, ela gostava muito de mim, eu devo tudo a ela. 

Mulheres: Esses primeiros momentos na televisão foram muito difíceis, até você conseguir o status de estrela que você tem até hoje? 

Betty Faria: Eu acho que continua sendo difícil, porque a gente mata um leão por dia. Eu não acredito nessa coisa que você disse de status de estrela, eu acho que eu não tenho. 

Mulheres: Não mesmo? Porque eu, particularmente, e acredito que boa parte do público, te considera uma atriz fundamental, tanto na história da televisão quanto no cinema. 

Betty Faria: Pois é, mas dei uma parada muito chata na minha carreira nos últimos anos e agora eu estou retomando devagarzinho. 

Mulheres: Essa parada foi uma escolha sua? Você estava desencantada com alguma coisa? Ou foi porque você quis trabalhar no cinema com essa outra vertente que é a produção? 

Betty Faria: Não. Eu acho que essa parada foi um pacote de problemas, eu digo sempre que eu tive um tsumani na minha vida particular, familiar e profissional. Na minha saúde, na saúde da minha família, eu tive tudo. Eu não sou de ir astrólogo, porque eu  sou budista praticante, mas eu fui a um que eu gosto muito, e quando ele viu meu mapa ele disse, “ui!!!” (risos), olha, o único jeito é deixar passar” (risos). Porque veio bombardeio de tudo quanto foi lado. Agora eu me sinto vitoriosa porque eu sobrevivi. 

Mulheres: A Lucinha de “Pecado Capital”, a Leda Maria de “Duas Vidas”, a Lígia de “Água Viva” e a Tieta são as suas personagens mais importantes, ou pelo menos as que você mais gosta? Ou você acrescentaria mais algumas? 

Betty Faria: Eu acrescento a Lazinha Chave de Cadeia (O Espigão, 1974,Dias Gomes)), tem “Anos Dourados” (1986, Gilberto Braga), a Lili Carabina. Teve também uma personagem (Carlota)que eu fiz em “Suave Veneno” (1999), do Aguinaldo Silva, que depois não foi uma novela de muito sucesso não, mas eu gostava de fazer aquele personagem, ela tinha uma dupla personalidade, era muito interessante. 

Mulheres: Nesse seu trabalho na televisão, eu gostaria que você falasse um pouco sobre o programa “Brasil Pandeiro”, que foi um momento em que você aliou o lado da atriz com a cantora e a dançarina. 

Betty Faria: Foi fantástico. O Augusto César Vanucci vinha do teatro de revista, então ele fazia lindos musicais. Eu tinha me separado do Daniel Filho, e nós estávamos sofrendo com essa separação. Daí ele ia dirigir o “Dancin Days” e o Gilberto Braga tinha pensado em mim para fazer aquela novela (Sônia Braga foi a protagonista).  Mas chegou uma hora que eu vi que eu não tinha condição de fazer o “Dancin Days”, e aí eu pedi para o Vanucci me dar uma chance, e ele criou o “Brasil Pandeiro” para mim. Foi um ano de muita felicidade, ele até queria batalhar para eu fazer mais um ano, mas eu não continuei porque eu já estava com a cabeça virada para ir fazer “Bye Bye Brasil”, com o Cacá Diegues. 

Mulheres: O “Brasil Pandeiro” durou um ano? 

Betty Faria: Foi um ano, mas foi muito lindo. Uns anos depois o Vanucci fez também um programa comigo chamado “Betty Faria Especial”. Ele me prestigiava muito, porque tem diretores que prestigiam muito as artistas que sabem cantar, dançar e representar. 

Mulheres: Que é o estilo americano. 

Betty Faria: Não é nem americano, no Brasil, quem faz isso, é porque estudou muito. 

Mulheres: É porque hoje a gente vê muitas das novas atrizes, que passam por uma escola de teatro e aí chegam à televisão... 

Betty Faria: As que chegam na televisão. Agora, se você passa uma temporada no Rio vendo os musicais, os palcos estão cheios de pessoas ótimas, cantando, gente jovem, só falta fazer mais musicais. Estão até fazendo, tem tido muita coisa. Tem muita gente boa aí, mas o público não conhece porque está no teatro. 

Mulheres: Eu quero que você fale de um momento importante do cinema brasileiro que foi o Cinema Marginal,  um cinema experimental, bastante diferenciado de tudo o que estava acontecendo e que você participou. 

Betty Faria: Eu participei, eu fiz um filme do Elyseu Visconti, “Os Monstros do Babaloo” (1971), que foi proibidíssimo, eu nunca vi esse filme, e fiz também “As Piranhas do Asfalto” (1971), do Neville D´Almeida. 

Mulheres: Esse modelo de filmagem só aconteceu ali ou você vivenciou isso de alguma outra forma. Porque os filmes eram muito experimentais... 

Betty Faria: É porque eu era muito bem-relacionada, eu freqüentava as pessoas, eu freqüentava os lugares, então os diretores conheciam a minha cabeça e me convidavam. Coisa que não aconteceu durante o cinema da retomada, porque eu ficava mais reclusa na minha casa, só saía para trabalhar. E foi aí que eu fiquei praticamente fora do cinema da retomada, porque fui ficando em casa, fui me retirando. Eu não consigo separar a vida particular da vida profissional, porque quando você tem um companheiro do meio que te dá forca, e você tem um equilíbrio, uma harmonia na família, uma saúde na família, você tem forças para ir adiante. Quando você está ligada a uma pessoa, numa relação afetiva, vivendo com uma pessoa que não é do meio, que tem ciúmes, que cria caso, isso já vai te puxando para dentro de casa. Na hora de sair a pessoa cria caso, e você acaba se isolando. Isso prejudica demais uma carreira artística, principalmente para pessoas da minha geração, que não tem agente, não tem assessor de imprensa, não tem nada. 

Mulheres: Esse seu retiro durou quanto tempo? 

Betty Faria: Não foi retiro, de vez em quando eu saio, badalo, saio na revista Caras. Não é um retiro feito a Odete Lara. Mas eu fui ficando meio dentro de casa, não indo às estréias, não encontrando as pessoas, e se você não encontra as pessoas, se você não vai prestigiar o trabalho das pessoas, elas não prestigiam você. A vida é causa e efeito, é assim que a gente aprende no Budismo. Eu fui ficando isolada. 

Mulheres: Felizmente, você está de volta e entrou numa fase de muito trabalho, não é? 

Betty Faria: Ainda não, eu estou recomeçando, eu me considero engatinhando. 

Mulheres: Em 1974, dando seqüência a sua carreira no cinema, você é convida pelo Bruno Barreto para fazer “A Estrela Sobe”, que foi o seu primeiro grande papel no cinema brasileiro. O Bruno era bem novinho. O que te motivou a fazer, foi paixão pelo cinema ou foi porque você acreditou nele? 

Betty Faria: Não é isso, a história é a seguinte. Eu passei três meses ensaiando o musical “Calabar”, , com direção de Fernando Peixoto, em que eu fazia a Ana de Amsterdam. Ensaiava dança e canto durante o dia, e texto à noite, era uma trabalheira. Eu me lembro que eu fugia e ia em casa, pegava criança no colégio, dava comida, voltava para ensaiar, era uma loucura a minha vida. No dia do ensaio geral a censura proibiu em todo o território nacional e nós ficamos todos desempregados. Eu fui para casa, eu não tinha ainda, na época, contrato com a TV Globo. Eu fiquei arrasada, com uma filha pequena, sem saber o que fazer da minha vida. Porque era um projeto de vida, quando você entra em um musical assim você tem um projeto de vida para um ano inteiro. Estava triste, eu fazia uma Ana de Amsterdam deslumbrante, até hoje eu tenho as músicas na cabeça, eu dançava em cima da mesa, eu cantava, era um escracho aquela Ana de Amsterdã que eu fazia. Fiquei em casa trancada, deprimida. 

Uma semana depois bate na minha porta, porque não tinha porteiro eletrônico, eu morava em prédio desses sem garagem, sem elevador. Bate na minha porta um rapaz com uma pasta debaixo do braço e disse assim, “olha eu vi o seu ensaio geral do Calabar, e só você pode fazer o meu filme”. Era o Bruno Barreto. 

Mulheres: E com esse papel maravilhoso. 

Betty Faria: “A Estrela Sobe”... esses moços, pobres moços (cantarola). 

Mulheres: Nos anos 70 ainda, você faz duas participações, em “Dona Flor e seus Dois Maridos” (1976, Bruno Barreto) e “O Casal” (1975, Daniel Filho). Parece-me que esse crédito, participação afetiva, foi você quem criou, não é? O Daniel Filho usa esse crédito até hoje. 

Betty Faria: Sim, fui eu que inventei. Porque foi quando eu descobri que eu estava grávida do João. 

Mulheres: E nesses mesmos anos 70 você faz “O Cortiço” (1978, Francisco Ramalho Jr.) Como foi dar vida à Rita Baiana. 

Betty Faria: Foi gostoso, fizemos em Araruama. Foi muito gostoso. 

Mulheres: Logo depois, você tem o seu outro grande momento no cinema, que é a Salomé, em “Bye Bye Brasil”, do Carlos Diegues. 

Betty Faria: Esse aí é carro-chefe. 

Mulheres: Você já falou que não quis fazer o segundo ano do Brasil Pandeiro porque já estava com a cabeça na Salomé. Como foi o convite do Carlos Diegues para você fazer essa personagem? 

Betty Faria: Não me lembro como foi, eu me lembro que ele viajou, fez um pré-roteiro, me mostrou e me disse que o personagem seria bom para mim. Aí eu disse,  vamos embarcar nessa. E foi isso. 

Mulheres: Foi um filme que só te deu alegria, não é? 

Betty Faria: Só me deu alegria, e me deu viagens, e me deu festivais. Agora, o filme que mais me deu prêmios foi o “Romance da Empregada”, eu tenho um xodó aí. Aliás, eu vou dizer, bestamente, os melhores filmes do Bruno Barreto ele fez comigo, se ele fizer outro ele ganha um Oscar, ele tá comendo mosca (risos) 

Mulheres: Eu considero “O Romance da Empregada” o melhor filme dele, e com a Fausta, você desenvolveu uma gama impressionante de nuances com a personagem. Para mim é seu melhor trabalho no cinema.Me fale um pouco sobre a Fausta, do “Romance da Empregada”. 

Betty Faria: Eu gostei muito da Fausta, mas eu não posso registrar só a Fausta, sem registrar a Salomé, e não posso deixar de registrar a Dália, do “Anjos do Arrabalde”. Senão os diretores ficam chateados. Agora, a Fausta foi duro de fazer, as condições de trabalho foram duras, porque tinha aquela chuva, aquela enchente, aquilo levou uns quinze dias filmando, e eu toda molhada. Eu só me lembro, que diziam assim, “atenção, tudo pronto pra rodar, tudo pronto, câmera, ação, falta alguma coisa, aí”, Então a assistente de direção dizia, molha a Betty” (risos). 

A cena final do filme é deslumbrante, ela subindo no telhado com a galinha. Mas eu vou te contar uma coisa, eu sofri um acidente naquele momento. Aquele telhado estava armado no meio da Lagoa de Barapendi, na Barra da Tijuca, a gente ia para lá em um bote, eu e o maquiador. Tinha uma luzinha de serviço dependurada, e eu ficava esperando a hora em que o megafone gritava ação, para subir a escadinha e aparecer naquele telhado toda molhada. Quando disseram “ vamos rodar, tá tudo pronto, molha a Betty”, o maquiador pegou o burificador e foi burificar o meu cabelo, o meu rosto, porque eu ficava molhada o tempo todo, a continuidade. E aí ele borifou a lâmpada, que estourou no meu olho. 

Eu tinha um copinho de água mineral, que a gente leva para beber na hora de rodar. Eu estava passando a água no olho e nisso eu escuto o Bruno Barreto gritando ação, lá de longe, no megafone. Eu então subi a escadinha, apareci naquele telhado, encontrei com a galinha, fiz tudo, repeti. Quando acabou, ele disse assim “genial, maravilhoso, vamos todos jantar”. Aí eu gritei “me leva para o hospital”. Eu  tinha o olho todo esfarelado, arranhou a córnea toda, eu estava com farelo de lâmpada no olho. Eu fiquei com o olho tampado uns três dias, teve que parar a filmagem, porque aquela era o final do filme, mas tinha outras cenas para fazer. 

Mulheres: Esse filme fez muito sucesso no Festival de Cannes, não foi? 

Betty Faria: Fez um sucesso maravilhoso. Eu ganhei o Huelva, na Espanha, ele fez muito sucesso no Festival de Sorrento, foi uma coisa. 

Mulheres: Eu já vi uma declaração sua dizendo que, às vezes, os artistas não dão importância a prêmios, mas que você gosta muito e expõe os seus na estante. Prêmio é bacana mesmo, não é? Não sei porque as pessoas esnobam. 

Betty Faria: Ah, esnobam, isso é um fingimento danado. É muito gostoso você receber um carinho pelo seu trabalho. 

Mulheres: Nos anos 80, você inaugura uma nova frente na sua carreira, pois você faz a produção executiva do filme “Jubiabá” (1987), do Nelson Pereira dos Santos, em que você também atua. Por que você foi parar do outro lado das câmeras? Foi o Nelson que te convidou ou você que pediu? 

Betty Faria: Fui eu que falei com ele, porque eu tinha feito uma maluquice, que foi recusar o “Roque Santeiro”. 

Mulheres: Você foi a viúva Porcina na primeira e, interrompida, versão da novela. 

Betty Faria: Sim. Ma daí impliquei, impliquei. Tinha péssimas recordações da época, impliquei com o personagem. O Boni me chamou e me disse que era o melhor que eles tinham para me oferecer, e eu recusei. Aí fiquei pastando, e disse que queria era fazer cinema, e me ofereci para o Nelson. Claro que depois eu me arrependi, pois a novela fez muito sucesso e a Regina Duarte ganhou muito dinheiro. E eu lá, dirigindo Kombi, e levando jegue para o alfaiate, porque o Nelson me passou um trote de caloura, e eu fui vestir o jegue inteirinho no alfaiate (risos). 

Mulheres: Mas essa experiência na produção te acrescentou muito não foi? Porque eu também já li você dizendo que a partir daí você entendeu melhor os diretores. 

Betty Faria: Eu me tornei menos estrela, pois eu era muito arrogante. Daí a bola abaixou um pouco. Foi muito bom para mim como artista e como pessoa. Eu me tornei melhor. 

Mulheres: Como foram as filmagens de “Anjos do Arrabalde?” Você, uma carioca da gema fazendo uma paulista contida? 

Betty Faria: Foi um desafio, foi muito bom, foi dedicação total, eu fiquei dois meses lá nas locações, em São Paulo. Meus filhos estavam crescidos, ficaram com os pais, e eu fiquei lá emburacada. Eu gosto de ficar assim, emburacada, concentrada nas filmagens. Com o “Bens Confiscados” agora foi assim também. 

Mulheres: E as lembranças das filmagens do “Anjos do Arrabalde” são boas? 

Betty Faria: As lembranças das filmagens foram muito boas, daí saiu a minha amizade com o Carlão e com a Sara Silveira. Quem me apresentou ao Carlão foi o Francisco Ramalho Jr. O Carlão é uma pessoa impressionante, uma grande pessoa, um grande artista e um grande ser-humano, e a Sara também. Você já viu “Bens Confiscados”? 

Mulheres: Ainda não, pois não passou em Belo Horizonte. Eu sei tudo sobre o filme, porque ele passou na Mostra de Tiradentes, aqui em Minas Gerais, mas eu não pude ir até lá no dia em que ele foi exibido. Ele está sendo mostrado só em festivais. 

Betty Faria: É um trabalho tão diferente, eu acho que você não vai me reconhecer. É uma personagem tão fechada, tão contida. Eu fiz estágio de enfermagem no Miguel Couto, elas não reagem muito às coisas, é tudo dentro.  

Mulheres: Eu estou louco par assistir esse filme.

Betty Faria: É, a gente precisa realmente lançá-lo. 

Mulheres: Recentemente, em depoimento ao Selton Melo, no programa Tarja Preta, você disse que não gostou muito do resultado do filme “Lili, A Estrela do Crime” (1988), do Lui Farias, já que a adaptação foi bem diferente do sucesso apresentado na tv. Ainda assim, você não acha que é um filme com uma estética pouco explorada pelo cinema brasileiro, essa linguagem extremamente pop, próxima aos quadrinhos? Lembro-me agora do “Cidade Oculta”, do Chico Botelho. 

Betty Faria: Acho que foi linda a linguagem, foi um trabalho lindo. O que eu acho é que o meu trabalho de atriz é que foi diferente, eu não consegui desenvolver o lado mais humano dela. A minha interpretação ficou muito aquém do trabalho feito na tv. 

Mulheres: Depois de ficar muito tempo longe das telas, você entra os anos 2000 atuando em “Sexo, Amor e Traição” (2004), do Jorge Fernando, e em “Bens Confiscados”, do Carlos Reichenbach. 

Betty Faria; Mas antes teve o “For All”. 

Mulheres: Sim, o “For All” (Trampolim para a Vitória, de Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda) e o “Perfume de Gardênia”, do Guilherme de Almeida Prado. Como foi fazer o “For All”, que reuniu mais uma vez você e o José Wilker? 

Betty Faria: Foi muito bom, eu gosto do filme. Eu gostei de fazer aquela família. Já o “Sexo, Amor e Traição”, que você citou, foi só mesmo uma participaçãozinha. 

Mulheres: No “Bens Confiscados”, além de protagonizar, você assina a produção. Você se tornou produtora para viabilizar projetos pessoais? 

Betty Faria: Foi porque o Carlão me convidou. Ele me mostrou o projeto, eu topei, e disse “vamos fazer”. 

Mulheres: E foi difícil ser a protagonista e a produtora ao mesmo tempo? 

Betty Faria: O lado produtora não me atrapalhou porque eu separei bem as coisas. Na hora de atuar estava só a atriz, porque também tinha a Sara Silveira (produtora associada do filme), na qual eu confio plenamente, é minha amiga. 

Mulheres: Você pretende continuar a produzir cinema? Tem algum projeto? 

Betty Faria: Sim. Eu fiquei um bom tempo às voltas com um projeto do Miguel Fallabela. Eu me apaixonei pela idéia, e fiquei um tempão esperando ele desenvolve-la, mas isso não aconteceu. Mas continuo procurando algum projeto. 

Mulheres: Agora, um momento tradicional nas entrevistas do Mulheres que é a hora de pedir para minhas entrevistadas homenagearem uma ou mais mulheres do cinema brasileiro, de qualquer área e época. Você gostaria de homenagear alguma? 

Betty Faria: Quero homenagear duas atrizes que já se foram: Isabel Ribeiro e Glauce Rocha. Duas atrizes maravilhosas. 

Mulheres: As duas são atrizes ícones do site e dão nome à salas do Mulheres. Muito obrigado pela entrevista. 

Betty Faria: Obrigada, e boa sorte! 

   
 Entrevista realizada em junho de 2005.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.