Ano 20

Roberta Rodrigues

Dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund, “Cidade de Deus” (2002)  foi um filme que conquistou público e crítica e lotou os cinemas. Além da história bacana, da montagem eletrizante e da direção segura, raramente se viu tantos atores desconhecidos apresentando um trabalho em conjunto tão arrebatador. Todo mundo está ótimo no filme, os jovens, os velhos, as crianças. A maioria dos atores estava debutando nas telas, mas parecia que eram todos veteranos tamanha a excelência das atuações.  

Muitos desses atores vieram do Grupo Nós do Morro, grupo teatral do Morro do Vidigal. Como Roberta Rodrigues, linda e talentosa atriz que encantou o público no premiado filme, e vem encantando a todos em suas atuações no cinema e na televisão. Depois de “Cidade de Deus” Roberta Rodrigues não parou mais, já fez seis longas, vários curtas, novelas, minissérie e seriado. O cinema tem um lugar especial, “foi amor à primeira vista. Eu tenho tesão no cinema, a minha boca enche d´água a cada cena que eu tenho que fazer”.  

Roberta Rodrigues esteve na “8a Mostra de Cinema de Tiradentes”, onde foi participar do lançamento do filme “Mulheres do Brasil” (2006), no qual é uma das protagonistas. Ao lado dela, estiveram a diretora Malu de Martino e a produtora Elisa Tolomelli (brevemente, serão publicadas entrevistas com ambas), além das atrizes Thaís Garayp e Luana Carvalho. Em entrevista exclusiva ao Mulheres, Roberta Rodrigues fala de como o cinema mudou a sua vida, dos trabalhos na televisão e no teatro, e, claro, nas atuações no cinema nacional em longas e curtas.  

  
Mulheres: O cinema brasileiro atual está revelando algumas atrizes que só da gente olhar dá para ver que são atrizes essencialmente cinematográficas. Como a Maria Flor, a Cléo Pires, e como você. Como foi o acontecimento cinema na sua vida?  

Roberta Rodrigues: Primeiro que o cinema mudou totalmente a minha vida. Quando eu entrei para o teatro, no Grupo Nós do Morro, no primeiro ano eu fiz um teste para um filme. Eu não tinha noção do que era o cinema, amava ver filmes, porque desde criança eu sempre gostei de ver, e aí, de repente, eu fiquei sabendo que era para o filme “Cidade de Deus”. E aí eu disse, “caramba, o quê que eu vou fazer, eu nunca dei de frente com uma câmera?” Mas foi muito louco porque foi amor à primeira vista. Eu tenho tesão no cinema, a minha boca enche d´água, a cada cena que eu tenho que fazer. Quando está terminando eu já fico triste porque eu quero ficar ali junto.  

No “Cidade de Deus” aconteceu o seguinte: eu filmei e daí, quando acabou a minha parte, eu fiquei tão encantada que eu falei para a Kátia (Lund) que eu fazia qualquer coisa pra continuar lá com eles. Ela então me disse para fazer maquiagem, e eu fiz estágio de maquiagem até o final do filme, foi muito louco (risos). Por mim não acabava nunca mais, eu sou encantada com aquela coisa da correria, dos meninos da câmera, do som, todo mundo em prol de um só movimento. Eu pirei, eu me encantei. Eu tenho tesão por cinema, eu sou fissurada mesmo, eu queria muito poder viver de cinema.  

Mulheres: O “Cidade de Deus” teve uma trajetória grandiosa, e você, que era apaixonada pelo cinema, estava em um dos grandes filmes da chamada Retomada. Eu imagino que esse tesão foi ampliado ainda mais por saber que estava sendo vista em um trabalho tão bonito e importante.  

Roberta Rodrigues: É verdade, porque eu até falava muito de cinema nacional e grande parte das pessoas não queria assistir porque ainda tinha preconceito. Eu acho que o “Cidade de Deus” modificou muito isso, inclusive a minha mãe, que não ia ao cinema há vinte anos, foi assistir ao “Cidade de Deus”. As pessoas onde eu moro, lá no Morro do Vidigal, sentiram vontade de ir ao cinema e a partir daí começaram a ir, a freqüentar, então foi realmente uma mudança. Eu fiz parte disso e isso para mim é uma honra, eu me sinto privilegiada. Eu quero que as pessoas tenham acesso e eu acho que o “Cidade de Deus” mostrou isso. Todo mundo quis ir ver, e hoje, se tiver passando um filme americano, um filme francês e um filme brasileiro, a grande parte vai no brasileiro. Então, se for uma moda, eu quero que seja uma moda que fique para o resto da vida. Para mim foi uma honra, eu fiquei muito feliz e a partir dali a minha vida mudou radicalmente. Eu comecei a trabalhar sem parar, fiz vários curtas-metragens. As pessoas dizem que não vão me chamar porque curta não tem grana, mas eu sempre falo que quero fazer. Eu vou às faculdades, tenho amigos que me perguntam se eu quero fazer um curta e eu digo “quero!”.  

Mulheres: Me fale os nomes dos curtas?  

Roberta Rodrigues: Olha, tem um que eu fiz, que eu acho que vai passar aqui no Festival, chamado “Desejo”, que eu fiz com o Wagner Moura, que é da Anne (Pinheiro Guimarães - 2005). Tem o “Mina de Fé”, da Luciana Bezerra, que é lá do Grupo Nós do Morro. Tem vários outros de faculdade que eu não me lembro o nome agora.  

Mulheres: Você está de uma forma muito bacana também no longa “O Diabo à Quatro” (2004), da Alice Andrade. Como foi, você fez teste ou foi um convite?  

Roberta Rodrigues: “O Diabo à Quatro” foi engraçado porque eu tinha que viajar para Cannes, por causa do “Cidade de Deus”, e daí não deu tempo de fazer o teste. Eu então fiquei desesperada, pois eu tinha certeza que se tivesse feito o teste eu passaria. Eu estava fazendo um espetáculo teatral, chamado “Noite do Vidigal”, do Nós do Morro, e aí quando eu voltei da França e fui fazer a peça, a diretora, a Alice (Andrade) estava lá. No final, um amigo me disse que a diretora do “Diabo à Quatro” havia dito que ela me queria. Eu fiquei sem acreditar, agradecendo a Deus e dizendo para mim mesma o quanto eu era sortuda (risos). Aí eu fui e fiz o filme. A Alice me chamou, eu conversei com ela e aceitei na hora. Também foi maravilhoso, uma experiência maravilhosa, foi o primeiro filme dela e foi uma troca bem legal.  

Mulheres: E o “Mulheres do Brasil”?  

Roberta Rodrigues: O Mulheres é lindo, eu ainda não vi o filme. Foi engraçado porque para fazer o teste eu decorei o texto, em casa, passando, eu fui totalmente segura. Chegou na hora eu não conseguia falar nada, travou tudo, deu vontade de chorar, eu não conseguia dar o texto. Eu vi que eu estava ferrada, sabendo que não ia passar.  Então eu disse para a Malu (di Martino) que era isso, que eu não estava conseguindo, e ela respondeu que estava tudo bem.  Daí demorou um mês e meio, e de repente, eu estou atravessando a rua, feito uma louca, toca o telefone, e a Thaís me disse que eu tinha passado no teste do “Mulheres do Brasil”. Eu parei no meio da rua, tipo “Não acredito”.  

E aí começaram os preparativos. Eu tive que aprender a girar como porta-bandeira, eu desfilei realmente no carnaval como porta-bandeira. Todo mundo dizia que eu não ia aprender, que era muito difícil, que era muito trabalhoso, mas eu dizia que ia aprender, que eu queria desfilar, filmar desfilando. Eu fiz dois meses de ensaio e aprendi loucamente. As pessoas acabaram me confundindo com porta-bandeira já antiga, e eu achei aquilo incrível, desfilei e foi emocionante. Foi a primeira vez que eu tive que me dispor a aprender mesmo algumas coisas específicas para um trabalho. Eu desfilei lindamente e foi emocionante. Eu ainda não vi o filme, mas tenho certeza que é lindo, até porque é o que a Malu falou, são pessoas simples, do dia-a-dia. Às vezes alguns diretores, alguns produtores tentam fazer coisas grandiosas e esquecem do simples, que é o mais belo, né? Eu acho que é isso, o filme é belo, eu não vi, mas tenho quase certeza disso.  

Mulheres: Vamos falar sobre outros longas?  

Roberta Rodrigues: Sim, tem o “Garrincha” (Estrela Solitária - Milton Alencar, 2003), que também foi legal, eu fiz uma cena nua.  

Mulheres: Muitas vezes há uma ordem que não é a dos lançamentos. Como foi?  

Roberta Rodrigues: Sim, o primeiro foi o “Cidade de Deus”, depois o “Garrincha”, “O Diabo à Quatro”, o “Mulheres do Brasil”, e o “Embarque Imediato” (Alan Fiterman), que eu filmei agora, nesse ano que passou. E teve também o “Noel - Poeta da Vila” (Ricardo Van Steen), no qual eu fiz uma participação.  

Mulheres: E o trabalho na televisão?  

Roberta Rodrigues: Televisão é muito engraçado porque eu estou sempre assim, fazendo uma coisinha, eu estou sempre lá, né? (risos). Foi muito legal, meu primeiro trabalho foi em “Mulheres Apaixonadas”, a Zilda. Eu caí assim de primeira na televisão, sem saber nada, mas eu fui e foi legal. Encontrei pessoas maravilhosas, que me ajudaram bastante. As pessoas julgavam muito por ser uma empregada e eu ser negra, mas isso aí nunca me incomodou, até porque é melhor você está ali representando uma classe, do que você não estar. Daí eu falei que se para chegar onde eu queria eu tivesse que passar por isso, então eu iria. Eu não tenho essa preocupação, eu estou indo, me chamou eu estou indo. E aí foi muito legal porque eu conheci pessoas maravilhosas, conheci diretores, que viraram meus amigos, me ajudaram, me ensinaram muitas coisas.  

Mulheres: A sua personagem tinha uma participação importante, não era apenas periférica.  

Roberta Rodrigues: Sim, até porque ela tinha aquela relação com o filho do patrão, que não era uma coisa que favorecesse a ela em nada, pois ele não tinha grana. Não tinha nada disso, foi um momento de adolescência dos dois, uma troca legal, foi muito legal participar.  

Logo depois eu fiz “Cabocla”, que me chamaram para fazer e que também foi linda, uma novela fofa, de época. Eu não tinha feito nada de época, foi uma experiência legal também. Fiz “A Lua Me Disse” agora, eu entrei como uma médica, foi um contraste total. Imagina se eu tivesse dito não só porque ia fazer uma empregada doméstica? De repente eu não teria tido essa oportunidade, até porque foram pessoas que estiveram comigo naquela época e me chamaram. Fiz também uma participação em “A Diarista” e fiz agora o “JK”, a minissérie, primeiro capítulo, que também foi muito legal.  

Mulheres: Ou seja, um trabalho atrás do outro.  

Roberta Rodrigues: Eu estou trabalhando direto, eu quero é mais (risos).  

Mulheres: Eu sempre convido as minhas entrevistadas para homenagearem alguma mulher de qualquer época e área do cinema brasileiro. Você aceita o convite?  

Roberta Rodrigues: Olha, tem duas mulheres. Tem a Ruth de Souza. E é muito louco porque quando a gente fala sobre a Ruth de Souza a galera jovem nem sabe quem é, porque ninguém está nem aí pra história. A Ruth de Souza é incrível, é uma atriz que eu acho que a gente tem que se ajoelhar no chão para ela passar. E tem a Dira Paes, que é a mulher do cinema, né? (risos). Eu quero pelo menos chegar no caminho delas, porque são pessoas que eu admiro bastante.  

Mulheres: No site você estará ao lado delas, pois eu já entrevistei as duas.  

Roberta Rodrigues: Que lindas, lindo, para mim é uma honra, um privilégio.  

Mulheres: Imagina, o privilégio é meu. Muito obrigado pela entrevista.  

Roberta Rodrigues: Muito obrigada.

 
Entrevista realizada em janeiro de 2006 na 9ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
O Mulheres viajou a Tiradentes a convite da Mostra.

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 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.