Ano 20

Isabel Lacerda

Nascida em Belo Horizonte, Isabel Lacerda é atriz, roteirista, produtora, montadora e agora diretora. Desde meados dos anos 90 vem marcando presença ao lado do marido e companheiro, Fábio Carvalho, em uma seara difícil: o cinema de idéias. Bem distantes do formato puramente comercial, os dois são legítimos representantes do cinema experimental, no significado mais positivo dessa palavra já um tanto gasta.  Juntos, eles realizam vários vídeos e curtas.

O general  (2003) é o primeiro longa de Isabel Lacerda e Fábio Carvalho: ele como diretor, produtor e roteirista; ela como atriz, roteirista e produtora. No longa, além das funções técnicas, ela tem belo bela atuação marcada por uma persona altamente cinematográfica.  Em 

Com formação em Letras e em Ciências Sociais, Isabel Lacerda trafegou por várias áreas: História, Fotografia, Canto, Publicidade, Teatro, Vídeo, Cinema. Ainda na década de 80 forma, com professores, a Companhia de História, ciclos de cursos livres que trouxeram a Belo Horizonte nomes como Augusto Boal. Depois, atua como atriz em São Paulo, onde trabalha ao lado de outro nome fundamental das artes cênicas: Maria Alice Vergueiro. De volta a Belo Horizonte no início da década de 90, trabalha na publicidade até se encontrar com o cineasta Fábio Carvalho, de quem vai se tornar companheira, parceira e musa primeira. “O nosso encontro deu muito certo, ele é muito frutífero”, diz a musa, e a verdade é mesmo essa: vários vídeos, curtas, e o longa “O General”. Em todos eles, Isabel Lacerda se meteu em quase tudo: roteiro, produção e atuação. 

O longa O general é uma vitória de Fábio Carvalho, um cineasta persistente na sua estética e no seu pensamento de cinema. É uma vitória também de Isabel Lacerda, cúmplice e parceira do projeto. Aliás, além de co-roteirista e produtora do longa, é uma bela presença em cena como atriz. Agora, Isabel Lacerda faz sua estréia como diretora com o vídeo Arquitetura e utopia, uma homenagem a arquitetos especiais para a diretora. Esse trabalho é mais uma vitória pessoal de uma artista que vem apostando em um cinema autoral e em produções realizadas em Belo Horizonte, uma cidade fora do principal pólo de produção, o eixo Rio-São Paulo. Em conversa agradabilíssima em sua bela casa, Isabel Lacerda repassa sua trajetória para o Mulheres. 



Mulheres do Cinema Brasileiro: Em qual momento da sua vida você escolheu o audiovisual para ser o seu ofício e o seu veículo de expressão artística?

Isabel Lacerda: É até interessante você dizer quando eu escolhi como ofício, não como começou a surgir, porque essas coisas são difíceis de datar. Eu comecei com a fotografia, que, na verdade, foi o meu primeiro interesse fora de escola. E aí já estava imagem. E também a música, sempre estudei muito a música, então estavam já o som e a imagem ali, de alguma forma. Como ofício eu acho que tem uns dez anos, por aí. Eu fazia teatro em São Paulo e, por uma série de motivos, retornei a Belo Horizonte. Eu estava trabalhando com a publicidade e aquilo estava me deixando muito insatisfeita, não estava gostando. Estava até ganhando dinheiro, mas aí chegou um momento em que eu não estava mais suportando trabalhar com publicidade e resolvi escrever um roteiro. Comecei a escrever um roteiro e encontrei-me com o Fábio. Não sei se são as coisas do cinema da vida ou o que é que é? Fábio Carvalho é meu companheiro atual, a gente se uniu a partir dali, e já são dez anos. O cinema nos uniu, e como eu já estava nessa onda, nessa sintonia do cinema, eu o encontrei. Ele é a pessoa de cinema da qual eu mais me aproximo por causa do tipo de cinema que ele faz. 

Mulheres: Eu comecei a perguntar sobre cinema, mesmo sabendo que você tem toda uma trajetória antes, porque é o foco principal do site. Mas agora, eu quero que você retorne um pouco. Você tem formação em Letras e Ciências Sociais, não é isso? Como seu deu o passo desse universo para o cultural, antes ainda do cinema? 

Isabel Lacerda: Desde muito cedo estive embrenhada no universo artístico, porque em minha família tem muitos artistas, sempre muita música, fotografia, arquitetura. Isso sempre foi natural dentro de casa, então, desde nova, desde criança, eu já participava de festivais de inverno em Ouro Preto e, cada vez fazendo uma área. Era aquela inquietação de menino, que cada vez quer experimentar algo diferente, desenho, dança, música, instrumentos, então isso sempre foi uma coisa próxima a mim. A expressão artística não foi uma coisa para a qual eu parei e tomei consciência. Trabalhar com isso foi uma coisa que veio vindo naturalmente. E acho que a questão das Ciências Sociais foi também uma preocupação quando a gente vai se tornando adulto, época de entrar na Universidade, mas ao mesmo tempo sem saber bem o que quer, como a maioria dos jovens. Mas eu acho que já era uma vontade de entender as estruturas de sistema, de como o mundo funcionava, porque eu não entendia nada. Já saindo da adolescência e perguntando o que era isso tudo em torno de mim. Então eu achava que as ciências sociais iam me dar uma resposta sobre a estrutura do mundo que a humanidade construiu. 

Mulheres: Nesse tempo você já trabalha com idéias, uma coisa importante que você vai fazer também no cinema e que a gente vai falar mais pra frente. Nesse período você realizou cursos com convidados, como Augusto Boal etc. Pessoas de idéias no Brasil. 

Isabel Lacerda: Exatamente, o mundo das idéias sempre me interessou muito, a leitura sempre me interessou muito. Sempre li muito e nessa época tinha todo o ambiente da Fafich, a Faculdade de Ciências e Filosofia, e eu me aproximei de um pessoal que era da turma da história. Eles me chamaram para a gente fazer junto, e eu era a única que não era da área, todos eram professores de história. O chamado era para fazer uma empresa que se chamava Companhia da História e que oferecia cursos livres, porque tem muita gente que adora história, mas não quer fazer curso superior. Então o Boal foi um que participou de “A História do Teatro”. Normalmente, eram temas mais históricos mesmo, como a História da Revolução Francesa, Inconfidência Mineira, e eu trabalhava na organização, na produção. Eu não dava aulas, mas ficava ali, junto com eles, pensando em que tipo de curso ia ter, e contactar as pessoas. 

Mulheres: E você se contaminava com esse ambiente o tempo inteiro, não é? 

Isabel Lacerda: O tempo todo. 

Mulheres: Eu acho importante, porque é uma característica da sua participação no cinema, que é essa busca, e a partir de ideias. E a História, eu imagino, é o foco primordial para esse tipo de abordagem. 

Isabel Lacerda: Eu acho que se o cinema que me interessa, que é não é necessariamente um cinema de contar histórias, que não tem uma narração clássica, é muito importante a gente conhecer a História vista de vários ângulos. E um dos ângulos é a dos historiadores, que tiveram a preocupação de registrar, de documentar, o que a humanidade fez no decorrer de seu caminho, pra gente poder entender um pouquinho que rumo a gente está caminhando de acordo com os acontecimentos políticos, com as revoluções, com tudo mais. Eu acho que isso não é nem entender, mas você vai assimilando e vai sentindo o rumo que as coisas vão tomando. A expressão artística é algo que eu tenho que estudar muito, aprimorar, porque a arte, eu acredito, tem as suas regras. A gente tem que entender, estudá-las, e ver como é, ver os mestres, como se expressaram, e tudo. Agora, para isso é importantíssimo a gente conhecer o máximo que a gente puder. É aquele velho conselho: leiam, leiam, leiam. Quer fazer música, vai ler, quer dançar, vai ler, quer fazer teatro, vai ler, quer fazer cinema, vai ler. Então eu acho que essa minha passagem pelas ciências humanas me orientaram para a leitura. 

Mulheres: No final da década de 80 você vai para São Paulo, onde fica três anos. Essa sua mudança tem a ver com o lado pessoal, com esse universo artístico que a gente está falando ou porque era outra forma de atuação. 

Isabel Lacerda: Essa minha mudança, para te falar a verdade, foi por causa de uma dor-de-cotovelo (risos). Eu levei um fora danado, foi a minha primeira grande decepção amorosa. Eu tenho uma grande amiga, poeta, atriz, diretora de teatro, Beatriz Azevedo, que vive em São Paulo até hoje. Eu estava completamente perdida, e aí ela disse para irmos embora para São Paulo, pois estava começando um trabalho lá. Ela precisava formar um coro para o espetáculo “Medeia”, com a Maria Alice Vergueiro. Nessa época eu também cantava, sempre cantei muito em corais, cantei no Ars Nova. Daí eu fui e fiquei. E fui me entranhando com as coisas do teatro. 

Mulheres: Você vê que há uma linha interessante. Porque se nos cursos você esteve ligada a nomes como Boal, uma referência no teatro autoral, você vai para São Paulo e trabalha com a Maria Alice Vergueiro, que é outro gigante. 

Isabel Lacerda: Outro gigante. Uma gigante Brechtiana. 

Mulheres: É interessante vendo agora, como é a linha do destino, porque ali você estava, de novo, trafegando na linha das ideias. 

Isabel Lacerda: É verdade. Eu acho que não é tão louco assim o caminho (risos). Ás vezes a gente faz umas curvas estranhíssimas, e quando vai ver faz algum sentido. A paixão sempre move de alguma forma, seja de forma bem-sucedida ou mal-sucedida. Ela te faz movimentar de algum jeito. 

Isabel Lacerda: E como foi o seu trabalho em São Paulo? Você fez basicamente trabalho de atriz? 

Isabel Lacerda: De atriz e de produção, porque todo ator é produtor também, e era um grupo que nós formamos lá com o pessoal da Unicamp, e que se chamava Godot vem aí. Eu como atriz, e nós todos produzindo as peças. 

Mulheres: Você volta para Belo Horizonte em 1993, é nesse momento que você faz trabalhos publicitários? 

Isabel Lacerda: Lá em São Paulo eu já comecei a trabalhar com projetos gráficos, com programação visual, porque eu não vivia exclusivamente de teatro. Eu trabalhei junto com um jornalista fazendo assessoria de imprensa. Foi quando começaram a aparecer esses “bureaus” de editoração eletrônica, então a gente fazia jornaizinhos, e eu fui acompanhando. Eu levava os jornais para serem editados e fiquei encantada com aquele universo gráfico, quando eu vi pela primeira vez uma tela de plataforma gráfica, aquelas letras bonitas, que você podia trocar, colocar colorido. Eu fiquei encantada com aquilo e ali era realmente o ganha-pão. Daí é que, quando vim para Belo Horizonte, eu abri um escritório de programação visual que foi crescendo muito e se transformando em publicidade. Daí, eu comecei a mexer com mídia mais pesada e aí já não me interessou mais. Surgiu então essa ideia de escrever um roteiro e comecei no cinema. 

Mulheres: Além de companheira e de parceira do Fábio Carvalho, você também é sua musa. Como é isso para você? 

Isabel Lacerda: Ah, não sei, ele tem várias musas (risos). Quer dizer, eu acredito que eu deva ser a primeira, porque por estarmos apaixonados, esse nosso encontro resultou em várias coisas juntos, como fazemos até hoje. Eu acho que é uma admiração mútua, ele é meu muso também, eu respeito demais a opinião dele. O que eu faço eu sempre converso demais com ele, a gente troca demais. Tudo é exaustivamente discutido, então uma coisa eu posso garantir, monótono não é. 

Mulheres: O primeiro curta que você fez com ele é o Geografia do som

Isabel Lacerda: Foi Encontro com Bardem. Nós fizemos alguns vídeos antes também. Se formos separar essa questão de bitola, o Encontro com Barden foi o primeiro filme em 35mm. 

Mulheres: Mas fala dos vídeos também. Nós estamos falando de audiovisual e o vídeo é uma linguagem importante. Você tem uma passagem por aí, inclusive com o Fábio, indo do vídeo para o 35mm. 

Isabel Lacerda: No caso dele, ele já tinha um trabalho de mais de 10 anos em vídeo. Na verdade, hoje em dia, está tão difícil separar o que é do que não é, está surgindo um novo cinema que ainda está em compasso de espera. Quer dizer, ele já existe, mas aí eu imagino que é uma corrida louca que é o que chamam a Retomada, de mais produção. Eu imagino uma série de gente correndo tentando pegar o cinema, mas ainda não sabendo direito o que é o cinema. Então tem várias tentativas de se fazer. Agora, os suportes são esses mesmos, ou vídeo ou película. Para você realizar seu pensamento, com película você tem um compromisso maior porque é mais caro, envolve mais dinheiro, então você tem um compromisso, um comprometimento maior mesmo. 

Mulheres: Vamos falar sobre esses vídeos, nos quais você atuou, ora roteirizou, ora produziu. 

Isabel Lacerda: O nosso encontro deu muito certo, ele é muito frutífero na coisa de roteirizarmos juntos. Nós fizemos vários vídeos assim e muitas vezes fizemos experiências em casa mesmo. Muitas vezes mesmo sem condições, de uma ilha, montando na própria câmera. A gente estudou muito os cortes, as posições. Como eu atuo também, isso tudo foi muito bom como exercício de atriz de cinema, pra conhecer o que é uma continuidade de movimento no cinema. Alguns exercícios técnicos foram muito bons e eu acho que tiveram um resultado artístico ótimo também. Dentre esses vídeos estão Desaforada e um que eu gosto muito chamado Obra-prima, que ele fez dedicado à várias atrizes. Tem vários. 

Fizemos viagens também. Fomos até a França fazendo um trabalho sobre Buñuel, porque a ideia era percorrer toda a trajetória do Buñuel na Europa. Mas aí aconteceu da gente já estar com um grande material filmado e ele ser roubado, a câmera ser roubada. Não roubaram dinheiro nem passaporte, roubaram a câmera e o material filmado, coisas incríveis, em Amsterdã. Enfim, o material se perdeu, deve estar no fundo de um canal em Amsterdã. Nós fomos para lá porque o Buñuel fez uma primeira peça de teatro em Amsterdã antes de começar a fazer cinema. 

Com isso tudo, o roteiro se transformou completamente, e depois ficou até engraçado porque não poderia ser mais surrealista do que com esses acontecimentos todos (risos). Esse vídeo ainda está sendo feito até hoje, vamos ver quando é que a gente vai terminar. Foi uma experiência fantástica, sobre o acaso e o azar, fomos mexer com ele (risos)... Nessa mesma viagem fizemos um vídeo chamado Século passado, que foi uma experiência de produção internacional, pois depois de tudo que nos aconteceu tivemos que pedir ajuda às instituições de cinema lá em Amsterdã. 

Mulheres: O passo de atriz para produtora foi quase natural, mas e o passo para roteirista? Foi difícil? 

Isabel Lacerda: Não, eu vou te dizer que eu considero o mais fácil. Pra mim é natural porque eu quero aprender a fazer um roteiro livre, e é claro que eu vou saber se consegui a partir do momento em que eu tiver retorno com o meu trabalho e ver que as pessoas gostam, que aquilo as toca de alguma forma. Eu nunca tive a preocupação de fazer um curso formal de roteiro, de estudar aqueles métodos, aquelas cartilhas. Pelo contrário, esse tipo de leitura eu não quero fazer, apesar de eu já ver quais são as regras, basta a gente ver os filmes do “mainstrean” que a gente percebe quais são essas regras. Então, nesse ponto é onde eu quero ficar mais livre, e isso, para mim, é o mais fácil. Quanto a isso não tenho problema nenhum. A produção mesmo é que eu acho que é o “tour de force”, aquilo que vai te exigir mesmo, acreditar nessa ideia de liberdade que você teve pra poder fazer o trabalho. 

Mulheres: E o trabalho de roteirista você sempre fez junto com o Fábio? Ou você já trabalhou em roteiros com outros parceiros? 

Isabel Lacerda: Eu já trabalhei dando algumas contribuições, eu troco muito. Como com o José Sette (de Barros), que é um diretor que eu admiro muito. Ele sempre costuma me mandar roteiros dele, ele gosta da minha opinião, o que me deixa muito envaidecida. O Luís Rosenberg Filho é também um diretor com quem corresponde muito, ele não usa o computador, isso não existe para ele, ele vai ao correio. Eu mando roteiros para ele, ele me manda roteiros, e a gente vai contribuindo. 

Mulheres: Você citou agora, fora o Fábio, dois nomes que são de cinema autoral, de pesquisa: José Sette de Barros e Luís Rosenberg Filho. É a sua praia? 

Isabel Lacerda: Só pode ser, porque eu estou no meio desse caminho e não vou por outro. Então eu acho que é. 

Mulheres: E quais são os outros nomes que você admira no Brasil, e que passam por esse viés, de cinema de pesquisa? 

Isabel Lacerda: O Rogério Sganzerla é um diretor que eu respeito demais. Eu tive oportunidade de conhece-lo e me surpreendi mais ainda com a pessoa, com a sua inteligência, uma figura admirável. A Helena Ignez também, como mulher, como companheira dele, dona de uma inteligência incrível. Ela desenvolveu esse trabalho de atuação completamente original, diferente, moderno, inventou mesmo uma forma de atuar. E corajosa, porque ela era toda linda, toda padrão de beleza, loira, e fazendo um tipo escrachado. A voz dela se transforma, se você conversar com ela e vê-la atuando, a voz dela é outra coisa, ela inventou uma coisa, então eu tenho um respeito muito grande pelo trabalho dela autoral como atriz. 

Mulheres: O Cinema Marginal enquanto estética não desapareceu, não é? Porque as pessoas acabam datando, mas tem uma porção de gente que está fazendo um tipo de cinema no qual a gente vê um diálogo com esse momento criativo. O próprio Fábio Carvalho. 

Isabel Lacerda: Eu acho que não desapareceu. E não é a tôa que esses filmes são sempre citados, são estudados nas universidades, são vistos, são revistos. Tem uma importância. 

Mulheres: O Encontro com Bardem foi o primeiro filme em 35mm que você fez. Dá para resgatar como foi o seu sentimento na época, você que é uma amante do cinema e estar ali fazendo cinema? 

Isabel Lacerda: É claro que o pensamento cinematográfico a gente pensa da mesma forma, seja fazendo vídeo ou filme, mas um set de 35mm é diferente. É muito mais emocionante, primeiro porque tem mais gente. Aliás, isso nem é sempre, porque é claro que você pode fazer cinema com equipe mínima, você fazendo a câmera e outra pessoa o som, e pode filmar em vídeo com uma equipe de quinze. Mas não é o normal, normalmente em cinema tem mais gente. E há o silêncio que você exige na hora de fazer. O vídeo te dá mais possibilidade de repetir, te dá mais mabealidade, mas como o 35mm tem mais gente, o próprio barulhinho da câmera, é tudo muito diferente. Eu senti uma emoção muito maior. Eu gostaria de filmar só em cinema, apesar de saber que isso é loucura hoje em dia, loucura total. Loucura por causa do custo e por causa da exibição também, que é algo que todo mundo sabe, as dificuldades... 

Mulheres: Como é fazer esse tipo de cinema, experimental, e fora do eixo Rio-São Paulo? É mais difícil ou é mais fácil? Como é trabalhar com esse tipo de cinema em uma cidade como Belo Horizonte? 

Isabel Lacerda: Eu acho que Belo Horizonte te permite ter maior concentração para estudar melhor. Para esse tipo de cinema eu não sinto necessidade de estar no Rio ou em São Paulo. Talvez eu sentisse necessidade de estar em Veneza, ou no sul da Bahia. Para você pensar mesmo no que você quer. E na hora da produção, por ser um cinema de expressão, de poesia, que é sempre difícil de produzir em qualquer lugar, então eu não vejo diferença em estar aqui ou no eixo. Eu sinto falta do eixo por causa das pessoas, que são de lá ou porque foram pra lá. Pessoas com as quais eu possa trocar idéias, com quem eu tenha mais afinidade, Mas hoje também a gente já conversa de tantas formas, são tantos os meios de comunicação, que eu acho que a vontade mesmo é de sentar para tomar cerveja com eles. 

Mulheres: Aqui em Belo Horizonte os realizadores conversam entre si? 

Isabel Lacerda: Eu não sei se aqui é tão diferente de outros lugares. É tão difícil realizar, tão complicado, demanda um esforço e uma dedicação tão grande, que às vezes as pessoas até não se encontram por falta mesmo de tempo. Elas estão tão envolvidas com seus projetos que acabam não se encontrando. Agora tem os eventos, os festivais, que possibilitam os realizadores se encontrarem com mais tranqüilidade para conversarem melhor, trocarem idéias. No dia-a-dia é uma loucura para todo mundo. 

Mulheres: E como você vê o mercado de exibição? 

Isabel Lacerda: Olha, o que eu vou falar é o que todo mundo já disse: é o grande problema. Até estão surgindo formas de exibição alternativas, exibições em lugares inusitados, em mostras. Mas uma exibição regular, você terminar seu trabalho e colocá-lo numa tela, isso é dificílimo. E tem as tvs também que deviam ter um compromisso maior com o cinema brasileiro. Elas deveriam fazer essa ponte, não só nos canais fechado, mas exibindo, remunerando os realizadores, profissionalizando, ajudando a fazer um intercâmbio com as tv públicas do mundo inteiro. Os diretores têm que fazer tudo e isso fica difícil. O primeiro passo seria ajudar ao diretor brasileiro a exibir seu filme. 

Mulheres: O general é seu primeiro longa no currículo. Vamos falar um pouco dele, sobre esse acontecimento na sua vida. 

Isabel Lacerda: Puxa vida, O general significou muito mais, uma paixão maior pelo cinema. Ver que foi possível fazer um longa, em 35, que foi possível, com poucas condições, mas com tantas pessoas envolvidas, com atores maravilhosos que também queriam tanto filmar. Era um filme muito esperado. Desde que o Fábio começou a fazer seus trabalhos ele sempre foi conhecido no meio de cinema como cineasta. Foi um meio natural dele, então era esperadíssimo esse filme, por todas as pessoas que trabalham no filme ou já trabalharam com ele nos vídeos. Então ele estava com muito gás para fazer esse filme, e eu também, é claro. 

Mulheres: Você está muito bonita em cena, uma presença forte. Você percebeu que tinha ali também um espaço diferenciado no seu trabalho de atriz? 

Isabel Lacerda: Tenho trabalhado (risos). Ah sim, eu me dediquei muito. Não fazendo ensaios, de falar o texto, contracenar, mas de junto com os outros atores falar de cinema, porque é um filme que homenageia muito o cinema, tem citações de filmes clássicos,“O general é uma declaração de amor ao cinema. Então, eu acho que ali foi se apaixonar e se entregar ao cinema. Essa foi a direcionada que eu dei pra atuar. 

Mulheres: Em O general você produz, roteiriza e atua? 

Isabel Lacerda: Isso. 

Mulheres: Você vem agora para uma outra etapa, não é? Primeiro os cursos, depois atriz de teatro, produtora, publicidade, roteirista, produtora de vídeo, depois de cinema, e agora diretora. 

Isabel Lacerda: E agora diretora. Acho que quando a gente começa a ver a coisa toda a gente fica doida para falar: agora eu é que vou resolver tudo aqui, vai ser a minha palavra, nem que eu faça um documentário eu é que vou escolher as palavras de quem eu vou colocar Aquilo vai ser a minha idéia. Você até falou pela paixão pelas idéias, que você percebeu tão bem na minha pessoa, então eu acho que é natural tanto para a atriz de cinema, porque ela se expressa quando está pensando, como para a diretora, eu colocar o meu pensamento ali. O passo para diretora foi natural, eu já tinha esse meu projeto de estréia em direção que é o Arquitetura e utopia. Há muito tempo que eu queria fazer essa homenagem tanto à arquitetura como ao cinema. Juntando, eu fiz uma ponte entre os dois, já que ao estudar muito o Enseinsten, eu vi que ele era arquiteto, então pra mim foi uma sopa no mel, porque eu comecei a imaginar a estrutura da montagem como os tijolos que vão se montando. Eu me diverti com isso, com esse estudo, colocando em prática o que eu estava estudando, que era a montagem. Também eu não poderia começar de outra forma querendo dirigir, se não fosse através da montagem. Agora, já direção de atores é uma coisa que eu ainda tenho que trabalhar muito. 

Mulheres: Me fala sobre o filme e quais os arquitetos que você aborda. 

Isabel Lacerda: Meu pai é de uma geração de arquitetos, ele é de 1927, que foi a dos fundadores do IPHAN, Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O IPHAN foi uma coisa que eles fizeram na época por puro idealismo, ele fez junto com o Dr. Rodrigo Melo Franco, pai do Joaquim Pedro, num primeiro esforço que houve do Brasil em tentar preservar e conservar a sua arquitetura colonial. Então eu acompanhei muito essa dedicação desses arquitetos, dessa geração. Depois veio uma nova geração aqui em Belo Horizonte, especificamente, em que muitos foram, inclusive, alunos dele na Escola de Arquitetura. É também uma geração maravilhosa, fantástica. Eu eu fiz amigos sensacionais, mestres que me ensinaram coisas da vida, arquitetos com A maiúsculo: Éolo Maia, o Veveco, o João Diniz. O Éolo e o Veveco já se foram, eu até dedico pro Éolo, pro meu pai e para o Enseinsten o vídeo. E o João Diniz que está aí, atuantíssimo, que é um arquiteto que eu acho raro, uma amplitude de pensamento maravilhosa. O vídeo é uma homenagem a todos esses homens, que amavam com paixão sua profissão e fizeram várias coisas sem dinheiro, por amor mesmo. Eu não podia deixar de prestar essa homenagem para essas pessoas que foram tão importantes para mim. 

Mulheres: E que também está associado à linha do seu cinema, porque os arquitetos trabalham com a questão da estética, pensamento e realização. 

Isabel Lacerda: Exatamente. Para o próximo trabalho eu quero fazer uma homenagem às atrizes. 

Mulheres: O Arquitetura e utopia está inédito ou já foi apresentado? 

Isabel Lacerda: Ele foi apresentado no Festival Santiago Alvarez de Documentários, em Cuba, foi para a Mostra do Filme Livre, no Rio de Janeiro, e para o Festival dos Cinema de Países de Língua Portuguesa, em Cataguases. Eu quero lançar ele em Ouro Preto, porque é um lugar onde começou, onde tem um movimento grande do patrimônio histórico. O Éolo Maia era de lá, meu pai também. Ouro Preto está vivendo um momento interessante, pois finalmente está aceitando a sua condição de monumento mundial e está se abrindo para a vocação que a cidade tem, que é para a cultura, para as manifestações artísticas. A cidade é um monumento, mas o ouropretano é um povo muito fechado. Mas eu acho que isso agora está mudando. 

Mulheres: O general ainda não foi exibido comercialmente, mas ele também já foi mostrado em festivais, não é? 

Isabel Lacerda: Ele foi exibido na Mostra de Cinema de Invenção, em Belo Horizonte, em Tiradentes e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. 

Mulheres: E como será seu novo trabalho, o sobre as atrizes? 

Isabel Lacerda: Esse trabalho começou por causa da Elis Regina, então ele se chama, Elis, Beatriz e a atriz. Eu quero fazer uma conversa de algumas atrizes com a Elis Regina. Agora eu tenho que partir para a produção. 

Mulheres: Já tem alguma atriz em mente? 

Isabel Lacerda: Tenho, mas nem elas sabem (risos). Eu vou pegá-las de surpresa. 

Mulheres: Já é para agora? 

Isabel Lacerda: Ele já está escrito. Tem algumas colaborações de texto que eu quero, e eu já estou começando a pedir para as pessoas que eu quero que me ajudem, elas já estão começando a me mandar. Eu pretendo começar mesmo a filmar em março, por aí, mas vai ser rápido, e eu quero que em junho já esteja terminado. 

Mulheres: Belo Horizonte tem uma produção grande de cinema, principalmente de curtas. Temos também muitos vídeos, e em cinema nomes como Helvécio Hatton, o próprio Fábio, Rafael Conde, Patrícia Moran, entre outros. Como você vê essa realização cinematográfica aqui em Belo Horizonte? Você acha que é um pólo atuante ou tímido? 

Isabel Lacerda: Não havia uma política cinematográfica, começou agora. Para longas foi interrompida ainda na época que o Schubert (Magalhães) filmou, o Paulo Agusto (Gomes) quando fez Idolatrada, década de 80, aí interrompeu. Agora, com essa iniciativa do Estado, que teve em 2004 e agora em 2005, é que deu essa possibilidade para retomada de longas. Para curta teve um primeiro Prêmio Estímulo, e agora, em 2005, teve o segundo. Então quer dizer, a coisa está começando. Eu não acho que ainda exista um movimento solidificado, pois acho que deviam apoiar também o processo todo até a exibição, que é uma coisa que eu quero me engajar. Então está começando, ainda não dá para a gente saber ainda não. Eu acho que a gente tem que tomar cuidado, tem uma geração que está se firmando, essas pessoas que você falou, tirando o Ratton, que é um pouco mais velho. Essas pessoas estão tendo a oportunidade de fazer seus longas. Vamos ver daqui pra frente o que vai acontecer. Eu acho que tem que dar oportunidade para todos que já tem um trabalho reconhecido e ter o cuidado para que não se concentre, para que não apenas um pequeno grupo saia privilegiado sucessivamente. 

Mulheres: Você é uma expectadora do cinema brasileiro? 

Isabel Lacerda: Sou. Quer dizer, não, não só cinema brasileiro. Eu vou ver cinema brasileiro como vou também ver qualquer cinema que me interesse. Sou grande expectadora do Canal Brasil, porque gosto muito das notícias, a gente fica informado sobre o que está acontecendo na area. Sempre que posso eu vejo, eu adoro os artistas brasileiros e eles estão ali de toda forma. 

Mulheres: Qual foi o último filme que você assistiu? 

Isabel Lacerda: Vinícius (Miguel Faria Jr) 

Mulheres: Então está em dia. 

Isabel Lacerda: Sim (risos) 

Mulheres: Tem uma mulher, ou mais de uma, de qualquer área e época do Cinema Brasileiro que você queira homenagear aqui nessa entrevista? 

Isabel Lacerda: Tem uma de cara que é a Ana Maria Nascimento e Silva. Ela é uma mulher fantástica, uma mulher de uma energia e que conhece muito bem a história do cinema brasileiro. Linda, maravilhosa. É ela, pela vivência dela do cinema, pela paixão e pelo amor dela pelo Paulo César Saraceni, por tudo o que ela já fez e faz pelo cinema. 

Mulheres: Muito obrigado pela entrevista. 

Isabel Lacerda: De nada. Eu é que agradeço. Me sinto muito honrada por participar do seu site, que acho fundamental por trabalhar com memória. Tudo que é trabalho pela memória tem o meu respeito. 

Mulheres: Muito obrigado. 


Entrevista realizada em dezembro de 2005. 

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.