Tata Amaral
Nascida em São Paulo, em 19 de setembro de 1960, Tata Amaral é uma das mais bem-sucedidas cineastas brasileiras surgidas na década de 1980. Nos anos 80 e 90 dirigiu curtas premiados e que tiveram importância fundamental na renovação do cinema brasileiro: “Acho importante a gente ressaltar que a minha geração só teve essa projeção graças à militância de uma geração imediatamente anterior, que lutava pelo espaço do curta-metragem, com Adilson Ruiz, Augusto Sevá, Sílvio Dá-Rim, enfim, vários. Foram pessoas que militaram pela causa do curta e, enfim, quando veio o Collor, a gente estava produzindo e o curta foi, sim, a peça de resistência da produção audiovisual no Brasil”.
Dona de um estilo autoral e personalíssimo, essa paulista já tem no currículo um dos filmes fundamentais do cinema nacional: o inesquecível Um céu de estrelas. “Olha, eu acho que eu fui, talvez, a segunda da minha geração a fazer longa. Porque eu me considero da mesma geração da Carla Camurati, aliás, acho que a gente tem a mesma idade. Quando ela fez o Carlota Joaquina, eu me lembro que fui ver dias antes de começar Um céu de estrelas. Na mesma época teve o Beto Brant, o Lírio Ferreira, enfim, todos nós estávamos começando a fazer os nossos longas. Foi um ano muito intenso, de muitas descobertas, o fato de ter feito um longa, de estar nesse lugar”.
Depois da repercussão de Um céu de estrelas, Tata Amaral segue construindo sua trajetória marcada por filmes importantes: Através da janela e Antônia – o filme são alguns desses títulos: “O personagem é o grupo, Antônia é um grupo, não é uma personagem, isso eu acho interessante notar. E é um filme que vai até um seguimento social bem específico, que é a jovem mulher negra da periferia ligada ao hip hop. Então, eu procurei ter muito cuidado em me relacionar com isso tudo, fiquei anos pesquisando, muitos anos mesmo, acho que cinco ou seis. Quando o filme estava quase pronto, a gente descobriu que tinha criado uma representação. A ideia era realmente fazer uma representação positiva da mulher negra da periferia”.
Seu último longa é o ótimo Hoje: “O Hoje é engraçado. Eu não sei se é porque eu estou mais velha, mas eu me sinto mais tranquila em relação a ele. Foi um filme muito importante, acho que ele está dentro do contexto desses últimos trabalhos que a gente desenvolveu. O Rei do carimã, Trago comigo e Hoje são filmes que têm uma coisa em comum, que eles buscam revelar, que está no passado. Enfrentar alguma coisa que está no passado para representar o presente ou ressignificar o presente”.
Tata Amaral lançou o filme Hoje na 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2012. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e falou sobre sua carreira, a trajetória nos curtas, os longas que a projetaram no cinema, o encontro com a atriz Denise Fraga no filme Hoje, e outros assuntos.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começarmos, sua origem, data de nascimento e formação.
Tata Amaral: Eu sou de São Paulo, nasci em 19 de setembro de 1960. Eu estudei Cinema, como ouvinte, no curso da Escola de Comunicações e Artes de São Paulo. E aí fiz curtas, primeiro em parceria com o Francisco César Filho, Poema: cidade e Queremos as ondas do ar, e o vídeo Mude seu dial. Depois, eu comecei a querer fazer ficção e fiz História familiar, Viver a vida. E aí comecei a fazer longa.
MCB: Você fez parte da geração que revolucionou o formato curta em termos de projeção, nos anos 80 e 90. Principalmente na época do governo Collor, no final de 80 e meados de 90, em que ficou um vácuo com a paralização da produção de longas e o curta teve um espaço de resistência.
TA: Sim, mas eu acho importante a gente ressaltar que a minha geração só teve essa projeção graças à militância de uma geração imediatamente anterior, que lutava pelo espaço do curta-metragem, com Adilson Ruiz, Augusto Sevá, Sílvio Dá-Rim, enfim, vários. Foram pessoas que militaram pela causa do curta e que, enfim, quando veio o Collor, a gente estava produzindo e o curta foi, sim, a peça de resistência da produção audiovisual no Brasil.
MCB: Eu queria que você falasse um pouco sobre esse período dos curtas e de como esse momento interferiu na produção que viria a seguir.
TA: Ah, sempre interfere. Se você quer saber como vai ser uma cinematografia daqui a cinco ou dez anos, assista aos curtas, acho que influencia completamente. Os meus dois primeiros curtas ainda foram privilegiados, porque tiveram o famoso prêmio... Acho que o Concine, que era um dinheiro que a gente recebia para exibir os curtas no cinema, antes do longa. Isso foi uma coisa maravilhosa que aconteceu nesse período e com os curtas foi isso, foi uma geração inteira que produziu vários curtas e que tinha, nessa produção, o caminho final. Acho que ninguém pensava muito naquela época “vou fazer curta para fazer um longa”. Não, a gente queria fazer curta e fizemos muitos.
MCB: E aí você vem com uma assinatura muito própria já nesses curtas. Depois, vem Um céu de estrelas, uma estreia em longas muito impressionante, por vários motivos. A atriz, Leona Cavalli, por exemplo, é revelada no cinema para o Brasil inteiro.
TA: É verdade.
MCB: A Leona tem uma carreira grande no teatro. Uma característica muito interessante na sua trajetória é que você trabalha com alguns elencos inesperados. Tem a Leona em Um céu de estrelas, o Fransérgio Araújo em Através da janela, a Sandra de Sá em Antônia. É muito interessante essa questão na sua filmografia. Vamos falar de Um céu de estrelas?
TA: Olha, eu acho que eu fui, talvez, a segunda da minha geração a fazer longa. Porque eu me considero da mesma geração da Carla Camurati, aliás, acho que a gente tem a mesma idade. Quando ela fez o Carlota Joaquina, eu me lembro que fui ver dias antes de começar o Um céu de estrelas. Na mesma época teve o Beto Brant, o Lírio Ferreira, enfim, todos nós estávamos começando a fazer os nossos longas. Foi um ano muito intenso, de muitas descobertas, o fato de ter feito um longa, de estar nesse lugar. O Céu foi um filme muito marcante para uma geração e foi muito importante para mim. Foi o meu encontro com o Jean-Claude Bernardet, nosso primeiro encontro criativo e frutífero. Foi o encontro com o Fernando Bonassi, que eu já conhecia, tinha feito produção de dois filmes dele e ele tinha trabalhado no roteiro do Viver a vida, que é um curta que eu fiz. É um filme baseado numa obra dele, inspirado, livremente adaptado, enfim, é maravilhoso.
MCB: E aí você confirma essa assinatura no segundo longa, que é o Através da janela, outro filme impressionante e que é também outro momento importante para as mulheres no cinema, você dirigindo um novo longa.
TA: O Através da janela é um aprofundamento de uma pesquisa dramatúrgica que a gente começou, Jean- Claude, Fernando, Roberto e eu, sobre a estrutura, a possibilidade da estrutura da tragédia como uma estrutura cinematográfica brasileira. Foi um argumento que o Jean-Claude me ofereceu, ele escreveu e me ofereceu. E o filme é praticamente aquele argumento mesmo, depois de desenvolvido, uma vez eu notei isso. Enfim, eu acho que ele foi isso, um aprofundamento de uma pesquisa.
MCB: E quem assiste à Antônia acha que é muito diferente. Eu particularmente acho que não. É claro que os elementos são outros, mas tem ali o olhar daquelas pessoas da periferia.
TA: É assim. Os dois primeiros são filmes que se passam em espaço fechado, já no Antônia ele abre, e ele abre porque são jovens, com jovem é difícil fazer um filme em espaço fechado, a não ser que sejam doentios, eles ganham a rua. O personagem é o grupo, Antônia é um grupo, não é uma personagem, isso eu acho interessante notar. E é um filme que vai até um seguimento social bem específico, que é a jovem mulher negra da periferia ligada ao hip hop. Então, eu procurei ter muito cuidado em me relacionar com isso tudo, fiquei anos pesquisando, muitos anos mesmo, acho que cinco ou seis. Quando o filme estava quase pronto, a gente descobriu que tinha criado uma representação. A ideia era realmente fazer uma representação positiva da mulher negra da periferia.
Eu queria que essa representação fosse vista pelo maior número de pessoas possível, então a gente procurou a O2 para co-produzir e propor para a Globo uma série baseada nesse universo. Foi maravilhoso, porque Antônia foi recorde de audiência do horário, enfim, os relatos das pessoas assistindo, a Raquel, mãe da Nataly, a menininha do Antônia, falava assim: “Tata, nenhum gato tava na rua na hora do Antônia” (risos). Foi muito emocionante e o Antônia me proporcionou isso. Foi incrível eu ver na rua as meninas com a flor aqui do lado, que era uma coisa que o filme mostrava, porque eu me preocupei muito em trazer para as meninas do grupo um look, uma maneira de valorizar a cultura negra na periferia. Eu fiquei muito orgulhosa de ver na rua isso transbordando, não digo que tenha sido por causa do Antônia, mas eu via muitas Antônias ali, a partir de então.
MCB: E como é esse seu olhar para o elenco? Porque há duas marcas, eu acho, uma de grandes trabalhos de atrizes, como a Leona Cavalli em Um céu de estrelas, a Laura Cardoso em Através da janela, e a Denise Fraga agora no Hoje. E outra no elenco inesperado, como os já citados Fransérgio Araújo e a Sandra de Sá. É um olhar seu na hora de compor o elenco ou é resultado de equipe?
TA: Não, é em equipe sempre. Porque, sei lá, tem o personagem que é escrito pelo roteirista... Então, a partir de uma conversa com o produtor de elenco, e eu em geral sou muito permeável, eu gosto de conversar, de saber o que as pessoas acham, de mostrar o elenco para o roteirista, para o fotógrafo, para o produtor. Sem dúvida, é um trabalho de equipe mesmo, não tem como, eu gosto muito de trocar, de ouvir.
MCB: Eu acho que no cinema, nos longas, você já nasceu grande. E vendo agora o Hoje, há uma maturidade comovente.
TA: Ai, que legal!
MCB: Há uma maturidade completa, o desenvolvimento de uma assinatura. Como é para você, agora, estar mostrando o Hoje?
TA: Pois é, o Hoje é engraçado. Eu não sei se é porque eu estou mais velha, mas eu me sinto mais tranquila em relação a ele. Foi um filme muito importante, acho que ele está dentro do contexto desses últimos trabalhos que a gente desenvolveu. O Rei do carimã, Trago comigo e Hoje são filmes que têm uma coisa em comum, que eles buscam revelar, que está no passado. Enfrentar alguma coisa que está no passado para representar o presente ou ressignificar o presente. Sei lá, eu acho que estou mais assim, solta, me sentindo melhor com os meus trabalhos, mais segura num certo sentido, sabe? Cada vez mais eu encontro prazer no que eu faço e menos ansiedade de chegar em algum lugar.
MCB: E tem a Denise Fraga, que está soberba no filme, não é?
TA: A Denise é um encontro incrível. Esse filme me proporcionou muitos encontros, mas a Denise realmente foi maravilhosa. Ela tem muito talento, muita inteligência, ela tem uma grandeza como atriz que me impressionou muito e uma generosidade... Muitas vezes ela falava: “Como você quer?” E aí você fala e ela vai, ela vai, ela vai, ela vai. Não tem limite a doação dela. Eu sou eternamente grata por ela entender o que eu queria, ela entender como esse personagem dialoga comigo, e ela foi indo assim, de uma forma muito, muito parceira, muito generosa.
MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site: qual o último filme brasileiro a que você assistiu? E qual a mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você quer deixar registrada na sua entrevista como uma homenagem?
TA: Hoje eu diria Denise Fraga, porque ela está muito no meu coração e na minha vida, e no filme que a gente fez juntas. Eu quero deixar uma homenagem para ela. E a outra pergunta?
MCB: O último filme brasileiro a que você assistiu.
TA: Eu adorei o Hiper Mulheres.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada em janeiro de 2012, durante a 15a Mostra de Cinema de Tiradentes.
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