Louise Cardoso
Atriz, diretora e produtora de teatro, a carioca Louise Cardoso tem carreira importante no teatro, na televisão e no cinema. Em uma trajetória de quase 50 anos nos palcos, ela tem capítulo importante no Tablado, de Maria Clara Machado, onde estudou, foi atriz, diretora e professora. Depois, atuou em dezenas de espetáculos, muitos deles produzidos por ela. Alguns destaques nos palcos são “O Dragão”, “Pluft, o fantasminha”, “Besame Mucho”, “Um bonde chamado desejo”, “Fulaninha e Dona Coisa”, “Navalha na carne”, “Sylvia”, “Mãe Coragem e seus filhos” e a atual “Bolsos cheios de pão”. “Mãe Coragem” é um divisor de águas também, eu produzo as minhas peças desde 1990 e antes, no Tablado, a gente produzia também e sem dinheiro nenhum, eu era a diretora de produção, atriz, a Sura era da divulgação, a gente se virava, era incrível.”
A estreia na televisão foi em 1978, protagonizando o piloto, de Paulo Mendes Campos, do seriado “Ciranda Cirandinha” e na novela “Gina” de Rubens Ewald Filho. Na novela seguinte,“Marrom Glacê”, de Cassiano Gabus Mendes, protagoniza ao lado da amiga Sura Berditchevsky e faz sucesso nacional. A partir daí atua em várias novelas, assim como em programas, especiais, minisséries, seriados, sendo alguns destaques “O Tempo e o Vento”, “O Primo Basílio”, "Força de um desejo”, "Porto dos Milagres”, “Insensato Coração” e “Além do Tempo”. Foi também uma das protagonistas do anárquico e inesquecível TV Pirata. “No “TV Pirata” a gente estava à vontade, éramos todos amigos, já tinha trabalhado com o Diogo (Vilela), com o Luiz Fernando (Guimarães), com a Regina Casé, com a Cristina Pereira, com o Karam (Guilherme), só não tinha trabalhado com a Cláudia Raia, que eu conheci lá, com a Débora Bloch, os meninos todos. Só a Cláudia, e ficamos amicíssimas também. Foi como se a gente estivesse fazendo teatro na televisão, e a gente se envolvia em tudo, ficava lá até duas da manhã, às vezes eu subia na escada pra ajudar o contra-regra montar o cenário, porque era assim, fazia uma cena, montava um cenário, desmontava tudo e fazia outra, a gente era louco.”
Com mais de 30 filmes no currículo, entre curtas e longas, tem carreira premiada no cinema, em que foi dirigida por muitos mestres, como Antônio Calmon, Hugo Carvana, Carlos Alberto Prates Correa, Tizuka Yamasaki, J.B.Tanjo, Sérgio Rezende, João Batista de Andrade, Neville D´Almeida e Júlio Bressane. Protagonizou os belos Baixo Gávea (ao lado de Lucélia Santos), de Haroldo Marinho Barbosa, e Leila Diniz, de Luiz Carlos Lacerda, que lhe valeram o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília. “Primeiro eu fiquei assim bem assustada com a responsabilidade de fazer a Leila, né, todo mundo a conhecia na época em que eu fiz o filme, eu não a conhecia pessoalmente, eu tinha lido a entrevista no Pasquim, mas eu não a conhecia. Cada uma falava uma coisa da Leila, mas eu estudei bastante, entrevistei vários amigos dela, vi os filmes todos, mas o mais importante foram os diários. A mãe dela me emprestou quatro diários da Leila, em que ela registrava tudo, e aí, através desses diários, eu vi que ela era tímida, eu sou tímida também. Ela era libertária sem querer ser, ela não programou “Vou libertar as mulheres do Brasil”, “Eu vou botar pra quebrar”, nada disso, ela era espontânea, ela falava o que pensava, ela era de verdade, e com isso ela botou um biquíni quando estava grávida, ela estava tão feliz por estar grávida que ela botou o biquíni, então ela acabou sendo essa figura libertária em um momento de muita escuridão no país, da Ditadura, muita gente sumindo e muita coisa acontecendo.”
Louise Cardoso conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro por vídeo-chamada. Gentil, atenciosa e disponível, comentou sobre momentos importantes em sua carreira nos palcos, na televisão e no cinema - Tablado, montagens como "Mãe Coragem e seus filhos", novelas e minisséries na TV, TV Pirata, os filmes, e muito mais. Ela virá a Belo Horizonte para participar da "Mostra Curta Circuito", com a exibição do ótimo Baixo Gávea, seguido de debate, filme que também é um dos destaques nesta entrevista.
Mulheres do cinema Brasileiro: Louise, você tem uma carreira importante, seja no cinema, no teatro ou na televisão. Antes de irmos para o cinema, foco do site, vamos começar pelo teatro. Você tem uma participação importante no Tablado, foi parceira da mestra maior do Tablado.
Louise Cardoso: A fundadora do Tablado, Maria Clara Machado.
MCB: Você foi professora na escola, passou por lá vários atores que, inclusive, tiveram aula com você. Tem montagens importantes na sua trajetória,desde a época do Tablado, e, depois, com trabalhos que você, inclusive, produziu. Gostaria que você destacasse algum trabalho, algum divisor de águas, alguma montagem que você gostaria de deixar registrado na sua entrevista.
LC: Vamos começar pelo Tablado. Um trabalho que aconteceu assim de uma forma mais forte foi a peça “O Dragão”, que embora tenha esse nome que parece peça infantil, mas não tem nada de infantil, é uma fábula política do Eugéne Schwartz, uma peça adulta, excelente, em que eu fazia o personagem Gato. Essa peça estreou na época da Ditadura, em 1975, e aí a gente sofreu vários cortes da censura, vários. O Gato então nem se fala, porque ele ia para os subúrbios miar, na peça não se sabe se ele é um gato ou uma gata, tem essa coisa do sexo dos gatos, chamava Mimi então tinha hora que eu era super feminina e tinha horas que eu era firme. Eu ganhei um prêmio de revelação de atriz quando a gente fez no Joao Caetano, porque o Tablado, você sabe, é amador, então enquanto eu estava no Tablado a minha carreira não contava, eu era atriz do Tablado, amadora. Quando a peça foi para o João Caetano teve muito sucesso, eu ganhei o prêmio, que dividi com a Zezé Polessa, que já era profissional, da mesma geração, ela ganhou com alguma peça. O Gato só tinha três ou quatro entradas, mas ele aconteceu de uma maneira muito forte. Teve também o “Pluft”, que fiquei dois anos fazendo. Foi bem diferente dos outros Plufts, porque eu era assistente de direção, eu não era o pluft, quem fazia era a Sura Berditchevsky. Daí ela ficou com hepatite, muita gente teve na época e eu morria de medo de ficar e ter que parar de trabalhar , porque de lá até agora eu sou uma pessoa que gosta muito de trabalhar e continuo trabalhando, Graças a Deus, e aí eu virei o Pluft. Eu pedi para a Maria Clara para eu fazer um outro tipo de Pluft, um mais animado, porque é um fantasminha e combinava mais com a minha personalidade do que fazer aquele fantasma soturno. Pluft era agitadadérrimo e as crianças se identificavam, pulava, saltava, dançava, então fez um grande sucesso. Na mesma hora ela mudou tudo, os fantasmas eram azuis, o cenário mudou todo. Era solar o Pluft e aí as crianças se identificavam porque parecia um garotinho ou uma garotinha, porque fantasma não tem sexo. Nós ficamos dois anos em cartaz, então foi muito importante também. Teve vários outros trabalhos importantes lá, mas eu destaco o “Dragão” e o “Pluft”.
MCB: O “Pluft”, inclusive, você produziu com a Claudia Abreu lá na frente, não é isso?
LC: O que aconteceu é o seguinte. Quando a Maria Clara morreu, o Tablado ficou sem dinheiro nenhum, o Tablado vivia das aulas, e aí nós resolvemos montar o “Pluft”, com direção da Cacá Mourthé, ela é herdeira do Tablado, excelente diretora. A Claudinha Abreu, que a gente chama de Cacau, uma grande amiga, fazia o Pluft e eu fazia a mãe, a mãe fantasma.
MCB: O “Mãe Coragem e seus filhos” é um espetáculo marcante na sua carreira nos palcos, não é?
LC: É, eu falei do “Dragão” porque eu fui primeiro para o Tablado, “Mãe Coragem” é um divisor de águas também, eu produzo as minhas peças desde 1990 e antes, no Tablado, a gente produzia também e sem dinheiro nenhum, eu era a diretora de produção, atriz, a Sura era da divulgação, a gente se virava, era incrível. Depois eu virei produtora com as empresas através da Lei Rouanet. Eu contratei o Grupo Armazém inteiro, porque todas as peças que eu faço, normalmente sou eu quem produzo, uma ou outra eu aceito ser atriz contratada. Eu gosto de produzir porque eu faço isso desde lá atrás com o Tablado e é uma maneira do figurino ser a minha cara, do cenário ser a minha cara. E é assim, os atores entram muito animados e, de repente, eles fazem a peça um mês e saem, saem porque a televisão chama, o cinema chama e eu não critico isso, eu entendo perfeitamente,. Só que aí eles têm que dar um mês para eu arrumar outra pessoa, e é uma loucura, pois, às vezes eles não dão esse um mês, saem em 15 dias, e é uma loucura, porque o contrato no teatro não tem peso nenhum, sabe. E aí eu falei, cara, em “Mãe Coragem” são onze atores fazendo vinte e três personagens e se começar a sair eu não vou ter como ficar substituindo. Eu tive um belo patrocínio do Banco do Brasil, belo que digo é assim, os patrocínios são medianos, não são astronômicos e nem baixinhos, são médios, e o da Eletrobrás também entrou comigo pra fazer Rio e São Paulo, só que o cenário da gente não coube no teatro de São Paulo, aí fizemos em Brasília. Convenci o grupo inteiro a fazer, eles iam fazer outra peça e eu tinha chamado o Paulo de Moraes, eu sempre assistia o Armazém, esse grupo de Curitiba. Eu sempre achei ele muito bom, então eu chamei o Paulo e falei “Cara, eu não posso ficar substituindo ator”, os personagens são bons, e se chama ator para fazer filme ou novela, claro que tem que sair, ele tem que comer, eu procuro pagar o melhor possível para os meus colegas, mas não é o que o cinema paga e nem o que a televisão paga. Então eu contratei o grupo inteiro e fiquei quatro meses rolando no chão, modo de dizer, fazendo os exercícios com o grupo. A conta veio depois, eu tive uma estafa, eu achava que era frescura estafa, mas esse personagem não era brincadeira não. Modéstia à parte eu fazia bem e com uma resposta muito boa de crítica e de público, mas eu fiquei muito cansada, porque era um personagem muito terrível. Não sei se você sabe, mas tem as lendas do teatro, as místicas, assim como o Macbeth (de Shakespeare) é um personagem maldito, a Ana Fierling de “Mãe Coragem” é um personagem maldito e eu não sabia.
MCB: Ela eu não sabia também não.
LC: Porque são as mulheres, agora é que estamos colocando as garrinhas para fora, né, tentando se sobrepor ao patriarcado. Então a Ana Fierling é tida como um personagem maldito porque tem uma lenda, pior que é verdade, que as atrizes que fazem ficam doentes, então aqui no Brasil a Lélia Abramo ficou doente depois da peça, não morreu, morreu por outra coisa, mas ficou doente. A Maria Alice Vergueiro, maravilhosa, caiu da carroça e machucou o joelho. Eu não fiquei doente fisicamente, mas eu tive uma estafa que se não cuidasse iria virar síndrome do pânico.
MCB: Aqui em Belo Horizonte, O Grupo Galpão acabou de estrear seu espetáculo (“Cabaré Coragem”) e tem uma parte em que a Teuda Bara faz a “Mãe Coragem”.
LC: Se eu pudesse ficar mais tempo em Belo Horizonte eu iria assistir ao Galpão, mas eu não posso, volto no dia seguinte. Eu já fui a Belo Horizonte assistir o Galpão com a direção de Paulo de Moraes na época, eu acho incrível a Teuda Bara fazendo a “Mãe Coragem”. É uma peça que foi muito impressionante para eu fazer, foi excelente e me ensinou muitas coisas, até a acreditar na estafa e ter os meus limites.
MCB: Você fez muitos trabalhos importantes, como o “Fulaninha e Dona Coisa”, o “Navalha na Carne”.
LC: Eu estou em cartaz também agora. É uma peça que eu também boto como divisor de águas, chama-se “Os Bolsos Cheio de Pão”, do autor Matei Visniec, sou eu e o Luiz Octávio Moraes, meu parceiro do Tablado, a direção do Fernando Philbert. Belo Horizonte é uma das praças que nós vamos.
MCB: Que ótimo!
LC: Eu faço dois personagens masculinos muito legais.
MCB: Que é a peça de número… Você sabe quantas peças você já fez?
LC: Não sei, eu sei de filmes, filme eu acho que são 32, tem quatro meus para estrear.
MCB: Sim, filmes são mais de 30. Vamos passar agora para a televisão, onde você também tem trabalhos muito marcantes, programas, novelas, minisséries, especiais. Destaquei três momentos, mas fique à vontade para falar de algum outro. A “TV Pirata” com a famosa mulher do Barbosa e todos aqueles outros personagens que você fez; a Bibiana da minissérie “O Tempo e o Vento”, que eu adoro e que tem três atrizes no naipe de Lilian Lemmertz, você e a Lélia Abramo fazendo a personagem; e os trabalhos com o Gilberto Braga.
LC: Tá ótimo,. A Bibiana foi muito especial mesmo, principalmente pela direção do Paulo José e da Denise Saraceni. Nós fomos para o sul, ficamos um tempo lá ensaiando e chovia muito, a gente fez bastante laboratório lá. Eu fiquei muito impressionada como as pessoas, naquela época lá no Sul, conheciam a obra e tinham lido os livros todos (da autoria de Érico Veríssimo), e me davam dicas na rua sobre a personagem. Conheciam a personagem muito antes de eu começar a gravar, então eu me lembro de um senhor dizendo assim para mim “Olha, tú és muito meiguinha, a Bibiana é dura, é uma mulher dura”. E aí eu falei “Eu sei, e eu não sou tão meiguinha assim não, eu engano, pisa no meu calo para você ver”. É que eu sou educada e ele devia ter se apegado a algum personagem que eu tinha feito em alguma novela em que eu era boazinha, né, mas eu achei isso tão interessante. A gente via as danças folclóricas também nos restaurantes, nos lugares que tinham esse tipo de dança folclórica para aprender e estudávamos, foi muito importante, muito emocionante. Eu trabalhei com o Tarcisão (Tarcísio Meira), nós ficamos muito amigos, meu companheirão. Ele é um ator que sabia pegar uma mulher em cena, a personagem, não fica com vergonha e daí pega assim e fica toda torta, entendeu, aquela cena de paixão. Ele sabe pegar, ele vendia a paixão, a virilidade, independente de qualquer preferência sexual. Eu não sei se alguns ficam tímidos, né, então ele sabia pegar e ficamos amicíssimos, cúmplices, foi muito interessante. E era um personagem muito rico e as três fazendo, na época não tinha muito ensaio, a gente ensaiou lá no Sul porque estava chovendo e não gravava, então a gente ensaiou mais. Depois é que foi na TV Globo a coisa do ensaio, do laboratório.
Então, do Gilberto Braga tem essa que está em cartaz no Viva, “Força de um Desejo”, muito legal, com as minhas amigas também, a Claudinha Abreu, a Cacau, a Malu Mader. A Malu foi minha aluna no Tablado, é uma querida, eu parava a cena e falava “Malu, não ria”, porque eu tinha ataque de risos, “Malu você está rindo”, então vamos de novo. Eu via nela um potencial muito grande de uma heroína romântica muito grande. Eu também ria quando comecei com a Maria Clara, tinha ataque de risos, a Cacau não foi minha aluna, mas era muito amiga da Malu. Eu adoro o texto dessa novela, o drama, adoro o meu personagem, a Guiomar, interessante, rico, era uma novela que botava mulheres fortes já naquela época.
“O Primo Basílio” eu também adoro, do Gilberto Braga e direção do Daniel Filho, a gente ensaiou um mês antes no Teatro Villa Lobos. Eu aprendi a destrinchar peixe porque eu era cozinheira e tinha que pegar um facão desse tamanho, eu tinha aulas de cozinha na casa da minha mãe, que tinha uma cozinha grande, vinha uma professora e eu aprendi, eu sou péssima na cozinha, se eu entro na cozinha, a cozinha explode, não sou nada boa, mas a minha mãe era, e aí eu aprendi. Nós trabalhamos muito com o Daniel Filho, que, para mim, é um dos maiores gênios de direção da dramaturgia, ele não é dramaturgo, mas ele marca, a marca dele contribui tanto para o texto que é como se ele fosse autor. Nós tivemos aula com a maravilhosa Glorinha Beuttenmuller. A minha personagem era uma cozinheira e era a única da série que era solar, que transava, que namorava, que não era sombria, que não era invejosa, era sensível. Era a única, porque o resto, Eça de Queiroz, né, eram muito sombrios os outros personagens, então eu era vida, o sexo. A primeira marca que ele me deu foi eu com o padeiro, agachada, abrindo um armarinho embaixo e ele chegando por trás, isso já fez toda a diferença. Eu fui na Glorinha e disse que sentia que essa personagem tinha uma gargalhada que não era a minha, diferente da Guiomar, que eu não tenho. Não é aquela gargalhada da Guiomar, eu ainda não a tinha feito, eu fiz antes a Joana do “Primo Basílio”. Daí a Glorinha falou, com aquela voz “Abra as pernas, quando ele vier você abre as pernas”. Eu falei “Tá bom”, e no que eu abri as pernas e li o texto saiu a gargalhada. A mulher é uma maga, eu fiquei tão fã dessa mulher que eu trouxe ela para o teatro, nas minhas peças, cobrava caro, mas valia a pena, ela acertava 100%, falava as coisas mais inusitadas e acertava, então você vê essa equipe que tinha no “O Primo Basílio”.
“Insensato Coração”, do Gilberto Braga e do Ricardo Linhares, foi uma novela progressista, que abordou alguns temas que não tinha naquela época, foi em 2011, e depois que a novela acabou esses temas viraram corriqueiros dentro da dramaturgia da TV Globo. Um tema forte da novela era mostrar a homofobia, a violência e a luta contra a homofobia. A minha personagem, Sueli, ela tinha um quiosque na praia com as cores do arco-íris, que virou um point gay, e ela era a personagem central desse tema, da homofobia, O filho único dela contou que estava namorando um rapaz do quiosque, primeiro ela ficou em estado de choque, não aceitou, ficou furiosa, mas depois ela foi percebendo, foi entendendo e virou assim uma lutadora contra a homofobia. Um dos meninos que ela acolheu, que morava na casa dela e trabalhava no quiosque, que ela gostava muito, foi assassinado na novela, e de maneira brutal, e foi ela que achou, então ela lutou bastante contra a homofobia. Na época, eu recebia algumas cartas de mães de gays, que depois que assistiram a novela começaram a olhar com outros olhos, a opção, segundo elas, do filho. E aí eu escrevia de volta dizendo que não era uma opção, mas que era nato, que eles nasciam assim. Enfim, eu acho que a novela pode ajudar um pouco nesta luta contra o preconceito e a homofobia.
Uma novela que foi muito importante para mim também foi “Além do Tempo”, da Elizabeth Jhim. Foi a única novela espiritualista que eu fiz, uma novela muito bonita, positiva, cheia de ensinamentos embutidos de uma maneira natural e que falava também sobre reencarnação. A primeira parte da novela se passa no século XIX e depois os personagens reencarnaram com os mesmos nomes nos dias atuais, que era em 2016. A minha personagem liderava um outro tema sobre preconceito, só que era preconceito racial, a Gema, mãe de família, com dois filhos, camponesa, viúva. Ela acaba acolhendo na sua casa um ex-escravo, preto,que estava passando por muita dificuldade, o personagem Raul. Em troca de casa e comida, ele fazia serviços para ela, aí ela ensina ele a ler, eles criam uma camaradagem muito boa, e acabam se apaixonando loucamente. O primeiro a ter preconceito contra eles foi o próprio filho, que não aceitou de jeito nenhum, porque no século XIX uma mulher branca, viúva, jamais poderia ter um relacionamento com um homem preto e ex-escravo. A própria sociedade do entorno ficou escandalizada.. Ele foi preso e eles não ficaram juntos no final da primeira parte da novela, para infelicidade geral do público, que torcia muito pelo casal. Mas na segunda parte, em 2016, eles se conheceram de novo e aí ela já estava separada, depois que ela se separou do marido terrível dela eles começaram a se relacionar, e eles eram almas gêmeas, tanto na primeira parte como na segunda, o amor era o mesmo, a mesma alma. Eles acabaram ficando juntos e adotando várias crianças, algumas pretas outras orientais. Muito linda essa novela, e mostrou realmente o preconceito racial.
MCB: Você me fez lembrar a história que você conta na sua biografia (“A Mulher do Barbosa”, de Vilmar Delesma), de a Marília Pêra dando a dica para vocês calçarem salto alto em uma peça que não estava funcionando.
LC: A Marília Pêra foi muito minha amiga e companheira, ela gostava de mim, uma atriz amadora do Tablado, ela me via no Tablado. A primeira peça profissional que fizemos, “O Beco do Brecht”, em 1977, com a Sura Berditchevsky, eu, com a equipe do Tablado e direção do João Carlos Mota, um produção nossa, eu chamei ela para um ensaio porque a gente não conseguia fazer as prostitutas. E aí ela falou “Ih, isso tá parecendo as prostitutas do Sion!”. Eu falei que a gente não estava sentindo, que não estava entrando. E ela: “Nossa, mas também vocês estão de chinelo né, já viram prostituta de chinelo?”. Nós dissemos que o texto que mandava usar chinelo. “Mas a rubrica não é pra obedecer, é para desobedecer”. E eu: “Ah pode?” E ela “Pode e deve, autor não sabe, ele escreve o que dá na cabeça, a gente que cria, pode por as duas de salto alto”. E aí quando a gente botou o salto alto veio a prostituta. Ela fez em uma outra peça também que não estava dando certo o ensaio, foi, anotou tudo para a gente falar para o diretor para não pegar mal. O que aconteceu? O autor foi elogiado na crítica e foi ela.
MCB: Outro momento na televisão foi a “TV Pirata”.
LC: No “TV Pirata” a gente estava à vontade, éramos todos amigos, já tinha trabalhado com o Diogo (Vilela), com o Luiz Fernando (Guimarães), com a Regina Casé, com a Cristina Pereira, com o Karam (Guilherme), só não tinha trabalhado com a Cláudia Raia, que eu conheci lá, com a Débora Bloch, os meninos todos. Só a Cláudia, e ficamos amicíssimas também. Foi como se a gente estivesse fazendo teatro na televisão, e a gente se envolvia em tudo, ficava lá até duas da manhã, às vezes eu subia na escada pra ajudar o contra-regra montar o cenário, porque era assim, fazia uma cena, montava um cenário, desmontava tudo e fazia outra, a gente era louco. E tinha coisas, tinha peruca, o Guel (Arraes) falava “Estuda isso aqui porque agora você vai imitar esse filme”, Quando perguntei, era O Exorcista, eu disse que tinha medo, ele disse que tinha também, e daí fomos assistir juntos. Nós dois em casa com a janela aberta, eu tinha que imitar, a minha cabeça girava e eu tinha que vomitar abacate, a gente viu e não teve medo nenhum, era uma coisa. Ele me ligava e dizia para ligar na Globo, no jornal. “Vamos jogar um corpo do avião, você vai ser a aeromoça e o Diogo o comandante”. A gente fez, e na época da ditadura jogaram um corpo. O Daniel (Filho) entrou bravo lá, deu a maior bronca no Guel e a gente levou bronca por conta. Era muito doido, a gente criticava tudo, AIDS, jogou o corpo, a gente jogava o corpo do avião, enfim, era muita criatividade, Guel era uma pessoa criativa, então eu estava como um pinto no lixo, eu estava em casa. No terceiro ano, a Globo me tirou pra fazer uma heroína de novela, eu fui, né, e a “TV Pirata” acabou, mas não porque eu saí, acabou porque é muito caro, enfim. Depois voltou e aí eu já estava fazendo outra novela e não voltei, mas ele não voltou tão engraçado.
MCB: É, inclusive tinha outro elenco, tinham aqueles, mas também tinha Denise Fraga, tinha a...
LC: a Maria Zilda., o Otávio Augusto, o Calloni (Antônio). O elenco era maravilhoso e os quadros também, sofisticadérrimos, mas não tinha graça, não sei por que.
MCB: Na sua biografia, você diz que adora a esquizofrenia do cinema, que é essa coisa de gravar o final, gravar o início, gravar o meio, então vamos falar agora de cinema. O seu primeiro filme foi o Marcados para viver, da Maria do Rosário Nascimento e Silva. Você consegue se lembrar dessa primeira experiência em um set de cinema, da sensação?
LC: Como eu poderia me esquecer? Porque eu poderia fazer uma garota que ia na escola, eu era muito nova, uma menina que ia estudar ,e daí me levaram para o motel. Eu falei “Uai, mudou alguma coisa?” E disseram que mudou sim, que eu não ia mais para a escola, agora vamos fazer uma moça, você vai transar como ator principal do filme, Sérgio Otero, que nem era ator, era da produção, mas estava fazendo muito bem o personagem. Eu falei “Eu vou transar?” Tá bom, eu aceito. E ela (a diretora), agora temos que te pedir uma coisa, porque a cena que a gente fez de sexo com roupa não deu certo, então a gente quer que você tire a roupa toda. E eu falei “Hã?”. Fiquei na dúvida, será que eu vou ter que transar de verdade, eu não sabia, fiquei na dúvida, e aí fiquei, pergunto ou não pergunto, por fim aí chamei ela e falei “Olha, queria te fazer uma pergunta, é para transar de verdade?” Ela morreu de rir e respondeu que não, que era só para fingir. E aí eu fiquei aliviada, relaxada e então eu tirei a roupa toda logo. Eu fiquei à vontade e a cena foi um dos primeiros nus do cinema, foi censurado, obviamente, estávamos em uma ditadura, mas quando estreou eu fui bastante elogiada. E eu sofri bastante preconceito também, assim, ah não sabe fazer isso para um diretor, mas sabe ficar nua no cinema.
MCB: Agora, eu gostaria que você falasse sobre dois filmes muito marcantes, e, sobretudo, aqui em Minas Gerais. O primeiro é O seminarista, que fez muito sucesso, e foi filmado em Ouro Preto. O outro é o Cabaret mineiro, dirigido pelo Prates (Carlos Alberto Prates Correia), que acabou de falecer. Ele é um cineasta muito importante no Brasil e aqui em Minas..
LC: O seminarista, do Geraldo Santos Pereira, foi tido na época que estreou, em 1977, como uma das dez maiores bilheterias da Embrafilme, não sei se foi a maior, mas estava entre as dez, ele fez muito sucesso de público. Era um filme bastante tradicional, mas a fotografia era do José Medeiros, então eu aprendi muitas coisas com ele, principalmente onde o diretor deveria colocar a câmera, entendeu? Eu comecei a aprender com ele algumas coisas, porque às vezes ele discordava geral, ia botar a câmera e ele falava, que não era o melhor lugar, e aí em geral aceitava, mas não era sempre, entendeu? O filme era quase uma novela, tinha um estilo, agora o texto, o roteiro, era muito bom, do Alphonsus de Guimarães Filho. O Alphnsus Guimarães foi poeta simbolista e o neto dele fazia o cenário, Luiz Afonso. Quem me indicou para fazer esse filme foi Carlos Drummond de Andrade por causa do Gato, a filha dele, Maria Julieta Drummond, que assinou o texto, e ele vivia lá no Tablado, amigo da Maria Clara. Eles estavam procurando uma jovem para fazer a heroína, a Margarida, que seria uma jovem com o corpo puro, mas que, ao mesmo tempo, tentasse o seminarista. A equipe foi assistir e então eu entrei por causa dele.
O Cabaret mineiro é um filme genial, na minha opinião, a primeira vez que eu li o roteiro eu fiquei quieta e aí o Carlos falou assim “A Louise não gostou”. E eu “Não é que eu não gostei, eu ainda não entendi, deixa eu ler de novo para eu entender todas as metáforas desse roteiro” É um filme que eu acho incrível, tem uma linguagem, Monte Claros é o Texas. Eu gosto bastante, mas como era muito evidente, ele não fez o mesmo sucesso quanto “O seminarista.” Eu também não sou daquelas que acha que fez sucesso, então é bom, muito pelo contrário.
MCB: Tanto que o Cabaret é hoje mais famoso que O seminarista.
LC: É, na época ele foi um dos dez mais de maior bilheteria, já o Cabaret é muito mais famoso, ele tem uma linguagem própria, cinematograficamente muito interessante, O seminarista é tradicional, eu acho que tem horas que ele até repete os planos, como um matagal lá, volta e meia aparece aquele matagal, e eu, uma garota “Mas por que que bota de novo esse mesmo plano e não fez outro?.
MCB: Você faz a Margarida lindamente.
LC: Tem muito tempo que eu não vejo, foi assim meu primeiro papel, porque o Marcados para viver não valeu, eram só duas sequências, e eu tirava a roupa.
MCB: Não consegui ver o Marcados para viver até hoje.
LC: Eu vi só uma vez, na época que passou, e não vi mais também, não tenho registro.
MCB: Agora, é impossível não falar do Leila Diniz, que é um filme que você fez com o Luiz Carlos Lacerda, o Bigode. Você conseguiu, ao mesmo tempo, passar aquela visão solar e libertada da Leila, mas também tinha uma coisa introspectiva. Eu me lembro de uma cena, me corrija se estou errado, de você na pedra falando aquele famoso poema da Leila, tinha ali uma coisa introspectiva que era da Leila também, que a gente que assistiu aos filmes dela percebe isso, para além daquela questão solar e libertária tinha ali também um mundo introspectivo, interno. Você foi premiada - Melhor Atriz no Festival de Brasília em 1987 -, um filme importante na sua trajetória, eu queria que você comentasse um pouquinho sobre esse trabalho.
LC: Primeiro eu fiquei assim bem assustada com a responsabilidade de fazer a Leila, né, todo mundo a conhecia na época em que eu fiz o filme, eu não a conhecia pessoalmente, eu tinha lido a entrevista no Pasquim, mas eu não a conhecia. Cada um falava uma coisa da Leila, mas eu estudei bastante, entrevistei vários amigos dela, vi os filmes todos, mas o mais importante foram os diários. A mãe dela me emprestou quatro diários da Leila, em que ela registrava tudo, e aí, através desses diários, eu vi que ela era tímida, eu sou tímida também. Ela era libertária sem querer ser, ela não programou “Vou libertar as mulheres do Brasil”, “Eu vou botar pra quebrar”, nada disso, ela era espontânea, ela falava o que pensava, ela era de verdade, e com isso ela botou um biquíni quando estava grávida, ela estava tão feliz por estar grávida que ela botou o biquíni, então ela acabou sendo essa figura libertária em um momento de muita escuridão no país, da Ditadura, muita gente sumindo e muita coisa acontecendo. Ela tinha dentro dela todo um mundo que eu me identifiquei, porque eu sou assim também, eu, às vezes, tenho vergonha de entrar em uma festa que está lotada, eu tenho que ver como que vou entrar, aí eu entro e tal, mas eu sou tímida também. Então eu percebi pelo diário esse outro lado e no roteiro tinha também os dois lados, ela gostava de ler, como eu também que leio sem parar romances, estou sempre lendo. Ela falava muito de “O Primo Basílio”, e logo que acabou o Leila eu acabei sendo convidada para fazer a minissérie e eu aceitei na mesma hora, tudo por causa da Leila. Foi também um aprendizado fazer a Leila, todos os meus trabalhos eu sempre aprendo, sempre estou procurando aprender, e o Luiz Carlos é um craque, né, ele é um grande diretor, ele é um mestre. Eu gosto bastante dos planos, o roteiro a gente conversava muito sério, era muito grande no começo, eu falava “Olha Bigode, está falando do pai e da mãe demais, tem que diminuir, começa a história com a Leila”. Ele trabalhou bastante, foi um excelente diretor, para mim esse é o melhor filme dele.
MCB: Você vem a Belo Horizonte para participar da exibição de um filme que eu adoro, que é o Baixo Gávea, do Haroldo Marinho Barbosa. Com você e a Lucélia Santos, tem aquela amizade, tem também a questão do teatro, ela a diretora e você fazendo o Mário de Sá Carneiro. E tem ali uma solidão urbana tão acentuada e o que eu considero um dos finais mais coerentes, mais acachapantes daquela época, aquela caminhada sua e a Lucélia lá com aquele fim de noite. Você e Lucélia já tinham feito a série “Ciranda Cirandinha”, eu me lembro que você fez inclusive o primeiro “Ciranda”, né, que acabou gerando depois o seriado. Vocês fizeram O sonho não acabou (Sérgio Rezende). O Gilberto Braga, inclusive, falava que pensava em você para fazer a “Escrava Isaura” , não sei se você sabe disso.
LC: Ele falou, mas eu acho perfeito a Lucélia fazendo.
MCB: É, hoje a gente não consegue pensar em alguém fora a Lucélia fazendo.
LC: Ele falou, mas eu não levei a sério não.
MCB: É, mas o que eu quero dizer é que você muitas vezes está junto e no entono da Lucélia, acho que vocês são amigas, não é isso?.
LC: Muito amigas.
MCB: Eu adoro o Baixo Gávea, e agora é o momento de falarmos desse filme que, inclusive, vai te trazer para Belo Horizonte.
LC: Eu também adoro esse filme, eu estou tentando, eu quis até rever aqui, mas a cópia do Canal Brasil é péssima, com um barulho, eu vou deixar para ver lá, porque eu espero que seja melhor. Quando o diretor me chamou para fazer o filme eu não acreditei, porque quando eu li o roteiro o meu poeta favorito é o Mário de Sá Carneiro, o Fernando Pessoa, eu adoro poesia, tenho milhões de poetas preferidos, mas esses dois são especiais na minha vida. Eu disse “Tem certeza? Eu vou fazer o Mário de Sá Carneiro”. E ele “Vai, o Mário no teatro, e você é uma atriz gay”. Porque naquela época não tinha muitos personagens mulheres fazendo atriz gay, quase não tinha. Eu odeio preconceito, eu odeio, eu acho que o preconceito rouba a alegria, ele trás a escuridão. Então eu vi que isso era uma oportunidade de eu fazer uma mulher, não interessava se ela é gay ou se não é gay, antes de tudo ela é mulher, ela é atriz, então fazer normal, sem estereótipo.
Eu vim da faculdade de Letras e, na faculdade, as minhas colegas moravam no subúrbio e eram pessoas muito legais, mas elas eram muito estereotipadas, olha só para você ver os apelidos “Cristina Machuda”, “Leilão”, tudo minha amiga. Eu era muito mais nova, elas eram mais velhas, porque elas repetiam. Meu pai era médico e, volta e meia, eu levava umas delas que ficava doente e não tinham dinheiro para o médico. “Você sabe o que essas moças são?” Eu falei “Sei”. “Você não se importa?”. “Não, elas me tratam muito bem, são maravilhosas”. Então, mulheres que tinham essa orientação sexual naquela época eram um estereótipo, e aí eu falei “Puxa, vou fazer a Ana normal, sem estereótipo”. O próprio texto já mostra para a gente quebrar esse tipo de coisa, tanto que no festival que eu ganhei o prêmio em Brasília, ganhou eu por Baixo Gávea e a Aninha Beatriz Nogueira por Vera (Sérgio Toledo), que era uma outra personagem gay. Eu ainda brinquei na hora em que eu fui receber o prêmio “Olha, esse negócio de fazer gay da prêmio”, e foi uma gargalhada.
Então, o mais importante para mim não é isso, o mais importante é o que você falou, a solidão no meio de todo mundo, solidão urbana, é sobre isso. Naquela época, a gente tinha mais gente na rua, via mais gente, e os anos 80 foram muito marcados por isso. Eu não sei como é a nossa solidão hoje em dia, eu acho que não é urbana, eu acho que é solidão digital, não sei, mas é diferente. Naquela época era isso mesmo, aqueles bares lotados e as pessoas em busca do amor, como o personagem da Lucélia e o meu também. E o teatro, a poesia do Mário de Sá Carneiro e do Fernando Pessoa costurando tudo, eu acho de uma beleza. Eu gostei muito de trabalhar com o Haroldo Marinho Barbosa, ele dava muita referência para mim e para o meu personagem, do Nelson Rodrigues, ele era amigo do Nelson Rodrigues e o Nelson sempre tinha uma tirada, falava de um jeito. A minha personagem, ela sempre tem uma tirada, ela diz uma coisa assim engraçada, e a cumplicidade com a Lucélia é total, total, total. Eu pensei que a Lucélia ia junto comigo lá nessa Mostra do Circuito, eu nem comentei nada com ela porque eu achei que ela iria, agora que eu vi que não.
MCB: A personagem dela também é linda.
LC: É linda, porque elas são iguais, elas são duas protagonistas, eu acho que foi por economia que chamaram uma só, sabe, mas as duas seria ótimo, com a Lucélia também participando do debate. Eu vou sugerir lá de quando fizerem do O sonho não acabou eles chamarem a Lucélia, a Lucinha, que é uma personagem que pega a cabeça e a cabeça sobe, vai embora lá para cima, é genial esse filme.
MCB: Eu acho, mas posso estar enganado, que Lucélia já veio no "Curto Circuito".
LC: Ah pode ser.
MCB: Eu me lembro dela no Humberto Mauro e eu acho que era no "Curto Circuito", outro filme, mas posso estar enganado.
LC: Pode ser Luz Del Fuego (David Neves), ou outro filme.
MCB: Haroldo e Nelson Rodrigues tem tudo a ver, porque, inclusive, ele fez o Engraçadinha com a Lucélia. O Baixo Gávea tem aquela questão do Rio de Janeiro, mas esses filmes assim, eu não sei se você viu e se você gosta de o Anjos da noite, do Wilson Barros, que é em São Paulo e também tem essa questão da solidão urbana. Hoje a gente vive na solidão dentro de casa, né, em frente ao computador, ali é a solidão no meio de um tanto de gente. Eu acho um filme precioso e fiquei feliz quando o vi na programação do "Curto Circuito. "LC: Ele é bom, muito bom. Eu viajei bastante com o Haroldo promovendo o filme. Ele me dava muita referência do Nelson, muita referência das tiradas da Ana, a minha personagem, pelo jeito do Nelson. Eu não conheci pessoalmente o Nelson, mas ele falava muito e eu imitei um pouco o próprio Haroldo em alguns momentos, o jeito dele. E com a Lucélia era cumplicidade total entre nós duas, que já veio de O sonho não acabou e também do "Ciranda Cirandinha", eu fiz o piloto, que era do Paulo Mendes campos, com direção do Paulo José, fiz a protagonista. E aí depois fizeram a série e eu fiz um episódio que foi um sucesso enorme o “Tome que o Filho é Teu”, que o Fábio Júnior, cantor, compôs aquela música “Pai”, eu entregava uma criança para ele, esse episódio repetiu várias vezes, foi um sucesso, era lindo, eu fazia a Tetê, uma jovem que entregava a criança. Eu acho a Lucélia uma grande atriz, uma grande pessoa, adoraria que ela fosse porque eu gosto de tudo que ela fala, concordo.
MCB: Acho que vocês fizeram também juntas o curta Ovo.
LC: Ah sim, mas não encontrávamos. Eu queria trabalhar mais com ela, a gente tem muita química, muita química, muita química, e a gente se divertia muito fazendo, ela é uma excelente pessoa, uma grande amiga.
MCB: Louise, qual a sua expectativa de vir aqui em Belo Horizonte participar dessa exibição do filme e do debate? O "Curta Circuito" é uma Mostra muito querida aqui e é uma Mostra muito importante, mesmo porque, inclusive, ela trabalha com essa memória do Cinema Brasileiro.
LC: A minha expectativa é a melhor possível, eu não quero ficar ansiosa para chegar o dia, eu não gosto de ansiedade. Eu acho que quando tem uma Mostra do nosso cinema a gente tem que valorizar muito e, principalmente, essa memória. Porque é um país tão sem memória quanto o nosso de fazer “Malhação” e os garotos perguntarem “Vem cá, você que é a Leila Diniz?” Não, né, gente, como pode ser duas ao mesmo tempo, eu sou a Louise Cardoso, ela é a Leila Diniz”. “Mas é porque sempre que se fala de Leila Diniz aparece você”, “É porque eu fiz o filme”. Uns estudavam cinema, aí eu dei o filme em DVD e eles ficaram loucos, ficaram o dia inteiro me perguntando sobre quem era a Leila Diniz, como ela era, e eu falava, explicava, eu ficava lá dando aula de Leila para eles. Agora perguntar se eu era a Leila Diniz é o fim da picada, então as pessoas só sabem o que pertencem a geração delas.
MCB: Antes de a gente encerrar com as perguntas fixas do site, você trabalhou muito, fez muitos filmes, você conta, deliciosamente, na sua biografia a parceria com o cineasta J.B.Tanko, nos filmes dos Trapalhões, que você ficou aprendendo tudo de câmera, de lente.
LC: Mudou tudo, né?
MCB: O quê?
LC: Agora mudou tudo, eu aprendi muito sobre lentes e graças a ele eu me livrei de várias ciladas. Eu falava “Essa lente não vai dar não, pode subir a câmera e subir a lente”., “Ah, ela entende”. E eu falava “Ela entende mesmo”. Porque senão iria ser ruim para mim, entendeu?
MCB: Você quer citar algum filme que eu não abordei, porque você fez muitos, do Carvana (Hugo), enfim, você fez muita coisa, você quer citar mais algum?
LC: Olha, eu fui da turma do Carvana, né, então o Carvana é muito importante para mim, eu gosto de todos os filmes que eu fiz com ele. O Bar Esperança (O último que fecha) é lindíssimo, eu acho um filmão, nem faço um papel engraçado, mas nem é por minha causa, é que como cinema é excelente. Eu adorei também o Se Segura Malandro porque eu fazia humor, e o Carvana dizia “Menina, você é engraçada, eu não sabia que você era engraçada”. Ele me liberou para eu me soltar mais, entendeu? Enfim, eu fui realmente da turma do Carvana. Tem o Apolônio Brasil também.
MCB: Qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu? Seja no cinema ou em casa, você se lembra?
LC: Marte Um (Gabriel Martins), adoro. Esse foi no cinema, mas vi também o que eu participei, o filme com o Tony Ramos, 45 do segundo tempo, eu faço uma participação que eu gosto bastante, do Luiz Villaça.
MCB: Você falou que filmou quatro filmes, é isso?
LC: Então, são quatro filmes, um já entrou em cartaz. Agora estão faltando três que vão entrar em cartaz. Para mim é importante falar, eu não gosto de viver só no passado, sabe, eu vivo bem no presente e no futuro. Então nós estamos aguardando para esse ano o Tia Virginia, do Fábio Meira, eu sou do elenco principal, sou eu, a Vera Holtz e a Arlete Salles, é uma história de uma família, o roteiro é muito bonito. O Fábio Meira filmou o As duas Irenes, que é um filme que eu gosto muito, muito premiado. Eu não vi nada ainda do Tia Virginia, mas a Vera já viu, a Vera é minha amiga também, disse que está muito bonito e eu acredito que esteja mesmo. Deu um trabalho, entrou a pandemia no dia seguinte que a gente acabou de filmar, no dia seguinte não, uma semana depois que acabou de filmar, e vai ser lançado agora. Filmei também com a Anna Muylaert o Clube das mulheres de negócios, também faço parte do elenco principal, não sei se estreia esse ano ou no ano que vem, eu fiquei um mês e meio em São Paulo. Também estou aguardando o lançamento do Pérola, do Murílo Benício, em que, segundo ele, eu faço uma participação de luxo. Eu também não vi, mas o roteiro é maravilhoso também, e eu acredito que esteja bom, porque eu gosto muito do outro filme dele.
MCB: Você está em cartaz no teatro, tem filmes chegando, na televisão tem algum trabalho próximo?
LC: Vai estrear uma série (no streaming), mas eu não posso falar. Tenho um outro longa para fazer esse ano, não posso falar ainda. Então o que eu posso falar são esses três, Pérola, Tia Virgínia e Clube das mulheres de negócios, e no teatro “Os bolsos cheios de pão”, que está fazendo a circulação, vamos fazer a temporada em São Paulo, vamos voltar para o Rio e devemos fazer Belo Horizonte também.
MCB: Louise, para encerrar, tem uma pergunta fixa do site. Eu sempre peço para as minhas entrevistadas deixarem uma homenagem para uma mulher do cinema brasileiro, que pode ser de qualquer época e de qualquer área. Quem você gostaria de deixar registrada na sua entrevista e o porquê?
LC: Eu posso deixar dois registros?
MCB: Pode sim.
LC: O o primeiro registro, óbvio, é a Leila Diniz. Por tudo que ela fez pelo Brasil e pela falta que ela nos faz, principalmente no governo anterior tão sombrio, tão nefasto, e a presença dela seria muito importante, a falta que ela nos faz. Agora a gente está melhor, Graças a Deus, mas é sempre bom falar de Leila. Eu até dei a ideia pra refilmarem a história da Leila Diniz, ela é uma atriz jovem, mas ninguém ainda fez de novo, porque o nosso foi feito em 1987. A filha dela, a Janaína (Guerra), vai fazer um documentário sobre ela. Acho que falar de Leila é fundamental, as pessoas saberem quem é, a Leila é uma das mulheres mais admiráveis que eu conheci sem conhecer pessoalmente, mas fez a minha cabeça. E também porque eu fiz o filme, sou muito grata por essa escolha e sou muito grata à Leila, porque todas as mulheres que ela libertou da geração dela, da geração seguinte, da outra geração, de todas as gerações, e está libertando até hoje.
Agora, eu quero registrar aqui também a Anna Muylaert, essa grande cineasta, essa grande mulher, somos amigas, eu participei intensamente desse filme, não só fazendo o personagem, mas observando tudo e colaborando com ela em tudo que eu via. A gente criou uma amizade forte, eu tenho uma grande admiração por ela, ela escreveu 15 roteiros de O clube de mulheres de negócios. Ela dizia “Tem outro, eu quero que você leia”. Era sempre parecido, mas tinha algo melhor, 15, e fez o décimo sexto ao vivo, chegava lá na hora e ela mudava tudo. Então, ela tirava a gente do lugar de conforto, colocava a gente em outro lugar e a gente ia, nunca vi isso. Agora ela quer que eu vá pra São Paulo pra ver o filme, porque ela vai fazer o corte final e ela quer que eu veja, eu vou, assim que eu puder, porque eu admiro muito essa artista, ela é muito talentosa, Eu falava assim “Ana, aquilo que você escreveu no roteiro estava melhor” E ela “Como que você sabe? Vamos improvisar, tudo bem”.
MCB: Louise, alguma pergunta que não te fiz, alguma questão que você queira incluir, eu vou economizando para você porque eu morro de vergonha, fico querendo perguntar quinhentas mil coisas. Alguma coisa que eu não abordei e que você queira falar?
LC: A minha carreira é muito longa, muito filme e muita peça, muita novela e muita série, então eu acho que está ótimo, entendeu? Você não precisa ficar com vergonha, eu amo trabalhar, eu acho que a minha carreira é a minha cara, porque eu sou uma pessoa que sou muitas, cada hora eu sou uma e cada ano eu mudo, então tem tudo a ver comigo. Eu não fiquei só de Gilberto Braga, nem só de série, nem só programa de humor, eu faço de tudo, está faltando fazer rádio que eu adoro, queria fazer rádio, ainda vou fazer. Teatro de rua, eu amava teatro amador, muito palhaço que a gente fazia, era um barato, fiz teatro favela lá no Tablado, incentivada pela Maria Clara Machado, eu era diretora e levava as peças dela para as favelas e também para a casa de pessoas que contratavam a gente. Quando a gente ia nas favelas nunca roubaram nada da gente, era uma outra época, que não tinha tanto tráfico, a gente ia, levava de graça e sempre deu tudo certo. Quando a gente foi numa mansão que a gente fez aqui no Rio, sumiu o chapéu bordado a ouro do Capitão Bonança, desapareceu na casa dos ricaços, a gente ganhou lá o nosso dinheiro, voltamos, procuramos, sumiu, desapareceu. Nós fomos incentivados pela Maria Clara Machado, eu tenho muito orgulho de fazer teatro nas favelas em uma época em que ninguém fazia. Eu acho que você cobriu tudo, mas não precisa ficar com vergonha porque eu adoro falar da minha carreira, porque ela sou eu, eu sou a minha carreira, minha carreira sou eu, que eu mais amo.
MCB: Então eu vou te fazer só mais uma pergunta: Qual livro você está lendo agora?Porque você é uma leitora voraz.
LC: Sou voraz, estou lendo “Tudo é Rio”, da mineira Carla Madeira, uma das coisas mais bonitas que eu já li, mais belas, quando eu acabar o livro, eu estou quase acabando, eu vou começar ele de novo, é lindíssimo. Ela lançou em 2014 e ele estourou de sucesso, agora ela já está com mais dois, mas eu vou reler, acabou e eu começo de novo, porque eu nunca vi uma pessoa escrever tão bem. A minha família é mineira, a minha mãe é mineira, eu conheço bastante Belo Horizonte, quer dizer, agora eu não conheço mais, mas eu convivi com minhas primas, eu tenho muita simpatia, todas as minhas peças eu normalmente levo para Belo Horizonte porque eu já tenho um público que não deixa de ir. Essa é uma das peças mais diferentes que eu já fiz, Teatro o Absurdo, completamente diferente, mas ela instiga as pessoas a pensarem. Ela tem um lado simples, não é para encucar não, é para entender, é para pensar depois e chegar em uma conclusão, cada um pode entender de um jeito, ela não tem uma maneira certa pra entender, e, ao mesmo tempo, é uma comédia.
MCB: Tomara que as pessoas também tenham acesso à sua biografia, que saiu pela Coleção Aplauso, que dá uma geral sobre sua carreira.
LC: Eu vou fazer outra biografia, não vai falar tanto de carreira, eu vou falar mais de mim, vou fazer outra.
MCB: Muitíssimo obrigado, mesmo.
LC: Obrigada a você pelo seu site Mulheres do Cinema Brasileiro.
MCB: Muito obrigado Louise, Boa noite!.
LC: Boa noite!
Entrevista realizada por vídeo-chamada no dia 4 de junho de 2023.Foto: Lenise PinheiroUm agradecimento especial à minha amiga Naiara Rodrigues, que me auxiliou tecnicamente na realização desta entrevista.
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