Ano 20

11a Cineop - Marcelo Veronez

Marcelo Veronez "Eu não sou nenhum Roberto" - crédito: Túlio Guimarães

“Quero cantar só

Canções de protesto

Contra as canções de amor

Odeio “As Time Goes By”

O manifesto

Canções de amor

Muito ciúme, muita queixa, muito “ai”

Muita saudade, muito coração

É o abusar de um

Santo nome em vão

Ou a santificação de uma banalidade”

Zizi Possi em “Canção de Protesto”, de Caetano Veloso


Aos seus pés


Desde o ano passado, Marcelo Veronez vem se apresentando em shows - Experimento Número... - de experimentação de repertório para definição de repertório de seu aguardado primeiro CD. E dos quatro que assisti até hoje, dos seis que já fez - o último será na Virada Cultural -, ele sempre faz questão de dizer que no repertório só tem uma música de amor.

 

Ao mesmo tempo, ele, há uns tantos anos, se apresenta também em outro show - Eu não sou nenhum Roberto - que tem repertório calcado nas canções de Roberto e Erasmo, feitas por eles, por cada um deles, e outras que o Rei gravou, e também Erasmo, de compositores diversos. Entre uma e outra, insere também músicas que acha que tem a ver com aquele imaginário.

 

Há duas semanas, Veronez apresentou o "Experimento 6" em Belo Horizonte, e ontem foi a vez de "Eu não sou nenhum Roberto" na 11a.  Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto. E a cada vez que se assiste suas apresentações uma constatação imediatamente se impõe: que extraordinário artista!

 

Seja cantando Sérgio Sampaio, Marku Ribas e Milena Torres em "Experimento", ou Roberto, Erasmo, Ronnie Von e Diana em "Eu não sou nenhum Roberto", Marcelo Vereonez se agiganta como um intérprete singular e como um exemplo daqueles a quem se podem chamar como “donos do palco”. Como são Maria Bethânia, Elba Ramalho, Marina Machado, Cássia Eller, Ney Matogrosso e Elza Soares.

 

Veronez, que tem formação de ator, faz de suas apresentações um flerte irresistível entre a música e o teatro. Esse último entendido pelo viés da performance. Só que, necessário dizer, que sua persona performática nunca é meramente calculada. É pulso. É pulsar. É tesão. E tesão aqui entendido como sexo mesmo, que ele faz com cada música que canta, com a banda, com a plateia, com o palco. O artista, literalmente, trepa em praça pública.

 

Quando se apresentou em janeiro na Mostra de Cinema de Tiradentes, um querido amigo jornalista carioca me contou que o convidado francês do Festival de Cannes perguntou para ele se Veronez era um pop star brasileiro, já que ficou impressionando com a relação entre o artista e o público.

 

Marcelo Veronez se dirige a plateia sempre no feminino - "bem-vindas", "todas" -, um detalhe, mas que não é detalhe, bastante definidor de sua perspicácia, inteligência e responsabilidade  política, daquela que não é feita apenas no campo partidário ou da militância, mas do próprio corpo em cena. Um Pasolini da música. "Ser afeminado é uma postura revolucionária", disse ontem no show, conclusão precisa para o dito antes na abertura da apresentação "Se não for para ser fechativo eu nem saio de casa de manhã".

 

Todos esses elementos citados são pistas poderosas para se chegar perto do que Marcelo Veronez é hoje dentro da música brasileira. Ele jamais é o artista performático apenas pela performance. E nada contra ela, pois a performance já é, por si mesma, caldeirão potente de possibilidades. Mas muito mais que isso, Marcelo Veronez é o corpo político sexual da música brasileira, que vibra, pulsa, e desafia, jorrando leite, e porra, na cara dos caretas e dos não.

 

Todo esse entorno, que no caso dele não é entorno mas essência, já garantiria um lugar muito necessário para sua arte. Mas tem mais. Marcelo Veronez canta, e canta muito. Sua voz, e, sobretudo, como coloca sua voz nas canções que escolhe para cantar, seja aquela canção do Roberto ou  a totalmente inédita, sempre revela nuances labirínticas. É como se o artista nos convidasse a acompanhá-lo em um passeio que poderá ser tudo, nunca tedioso. Um passeio em que nossas convicções ou construção delas podem virar de ponta a cabeça. Um passeio em que o ativo que acha que ser viado é uma posição pode se ver como o passivo mais exuberante e entregue. Um passeio em que héteros ou não podem sair das amarras de gênero e fundar sua república particular e universal.

 

Até cantando "Detalhes", a canção símbolo do amor – e do desamor - de Roberto, Marcelo Veronez a faz sob uma pegada tão roqueira, que retira dela qualquer "muito ai", que Zizi canta na canção de Caetano que abre esse artigo – talvez a única inédita que ele, o compositor baiano, fez para ela, não tenho certeza.. Somado ao seu aviso contínuo de que em "Experimento" não tem música de amor, o apressado pode até entender que esse elixir não faz parte da vida do artista.

 

Mas, penso, muito pelo contrário. Como diria seu ídolo confesso, João Gilberto, com o peito do desafinado em que bate o coração, eliminar a possibilidade do amor em Marcelo Veronez é minar até sua potência sexual. Pois o sexo da música e da arte de Marcelo Veronez vem exatamente daí. Cheio de tesão, ele, sempre, poderá entoar como hino aquela canção, que não é do Roberto, mas também do imaginário de muitos de nós, ainda que nem sempre consigamos vivenciá-la para além do universo do imaginário::

- "Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés".

 

E eu, como admirador sem reservas de seu talento, estarei sempre e sempre aos seus pés.

 

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Programação completa  

11a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto


www.cineop.com.br


 




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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior