14a CineBH - Programação de Abertura
        
             Cena de 12 pessoas com raiva, do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, direção de Juracy de Oliveira
        
        Começou nessa quinta, 29/10, a 14a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, que vai até o dia 2 de novembro com programação extensa e gratuita em formato virtual, devido ao distanciamento social em enfrentamento à pandemia da Covid-19.
            Cena de 12 pessoas com raiva, do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, direção de Juracy de Oliveira
        
        Começou nessa quinta, 29/10, a 14a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, que vai até o dia 2 de novembro com programação extensa e gratuita em formato virtual, devido ao distanciamento social em enfrentamento à pandemia da Covid-19.
Em cinco dias, a CineBH vai apresentar programação formada por debates, masterclass e atrações artísticas, além da exibição de 54 filmes, entre curtas, médias e longas, de 12 países. O site Mulheres do Cinema Brasileiro vai cobrir a produção brasileira.
Abertura
A 14a edição da CineBH tem como temática central Arte Viva: redes em expansão, e toda a programação de abertura orbitou, em boa parte de forma muito apropriada, em torno disso.
Chamou de cara atenção, pelo menos para o Mulheres do Cinema Brasileiro, que não só acompanha como escreve sobre as aberturas das mostras da Universo - Tiradentes, Ouro Preto e Belo Horizonte - a ausência do nome de Grazi Medrado na ficha técnica da performance audiovisual, atração já tradicional na abertura dessas mostras.
O estranhamento se redobrou, pois se nos últimos anos a dobradinha Chico de Paula e Grazi Medrado alçaram as aberturas da Universo em verdadeiras obras artísticas, nessa edição, que a partir do seu tema aborda a junção entre o cinema e outras linguagens, sobretudo o teatro, aquela presença dupla seria nesse momento de fundamental importância.
Sim, pois se Chico de Paula tem trajetória importante no audiovisual, Grazi Medrado tem trajetória singular no teatro, e era exatamente a junção desses dois olhares e experiências de corpos distintos que vinham transformando as aberturas em momentos únicos de tônus e pulsão. Daí que, ao levar para o centro da mostra essa mistura de linguagens, ainda que não seja proposição nova, mas como a apontar caminhos possíveis para a arte em momento de pandemia mundial, a presença dos dois deveria ser não só natural, mas essencial.
A performance audiovisual levou quatro artistas pretos para o centro da cena: Josy Anne (atriz, cantora, compositora e tamborzeira), Nath Rodrigues (cantora, compositora e instrumentista), Ricardo Aleixo (poeta) e Marcelo Dai (cantor e multi-instrumentista). E, mais uma vez, com a trilha sonora assinada por Barulhista.
São todos grandes artistas. E Ricardo Aleixo, em suas magnéticas performances, apresentou um de seus mais belos e impactantes poemas, Labirinto: "Conheço a cidade como a sola do meu pé, espírito e corpo prontos para evitar outros humanos policias carros ônibus buracos e dejetos na calçada, incorporo hoje o Sombra amanha".
Se Nath Rodrigues mesmo parada ou com o violino e se Josy Anne e seu corpo e voz em movimento são sempre presenças pulsantes, e Marcelo Dai se expressa como se o próprio corpo fosse um instrumento, ainda assim a impressão que se fez é que todos eles estavam, talvez menos Aleixo, de certa forma com seus corpos um tanto presos e aquém de explosões arrebatadoras que muitas vezes já os presenciamos encenarem.
É claro que a abertura da 14a CineBh funcionou no sentido de apresentar a Mostra e abrir os trabalhos. Mas, como vinha  acontecendo nos últimos anos, dessa vez não se transformou ela própria em uma obra artística e arrepiante, como tem acontecido em tantas edições, ainda que mesmo nesse formato virtual, como foi na beleza da última Cineop.
Atrações
A forma como os diretores e curadores  da CineBH elaboraram e encadearam as atrações de abertura foi um acerto na apresentação e condensação a partir da temática central, Arte Viva: redes em expansão.
O debate inaugural reuniu Juracy de Oliveira, diretor e criador do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, grupo e proposta em destaques dessa 14a edição; Grace Passô, dramaturga, diretora e atriz, presente também na programação com seu acachapante curta República; Germano Melo, ator e diretor (com Ricardo Alves Jr) do filme apresentado na noite, Coisas úteis e agradáveis; e Luciana Romagnolli, crítica e pesquisadora.  A mediação foi de um dos curadores da CineBH, Pedro Butcher.
Coube à Luciana Romagnolli a voz da academia, só que há muito Luciana trafega para além dos muros desta e da linguagem costumeira de rebuscamento para os pares, e aí haja citações, o que resultou em suas colocações não só proposições interessantes nesse espelhamento entre cinema e teatro em tempos pandêmicos, que ora se atrai e ora se retrai, como o fez de forma a reverberar suas ideias para o lado de cá sem entraves.
Grace Passô, Juracy de Oliveira e Germano Melo apresentaram colocações que partiram sempre do seu ser e estar no mundo e na cena a partir de cada um, ainda que sem fugirem ao tema proposto. E se Juracy destaca a coragem com que artistas vem enfrentando no sentido de continuar produzindo em cenário adverso,  não só pela pandemia, mas pelo momento assustador do país, Grace apontou o sentido de ausência, o de ser e estar como artista em criação em momento que propõe o contrário, o do não pode, o do não ser, do não estar, do não fazer, do não criar.
Experimento e Curta
A apresentação do experimento ao vivo 12 pessoas com raiva, do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, com direção de Juracy de Oliveira, foi o grande momento da noite. Formado durante a pandemia e com integrantes de várias regiões, o coletivo apresentou sua versão livre para o clássico 12 homens e uma sentença, de Reginald Rose, que já foi levado ao cinema e aos palcos.
Impressionou, e muito, a forma como a direção e os atores alcançaram elevar em potência máxima a história clássica, aqui condicionada ao dispositivo literalmente virtual, já que toda a encenação se dá como nas agora cotidianas reuniões que participamos diariamente, dependendo do trabalho que se executa, em formatos zoom e meeting.
Na cena, temos a nossa frente todas aquelas janelinhas , e aqui são 12, todas elas ocupadas por jurados em momento de decisão sobre um crime aparentemente praticado por um garoto pobre, e certamente negro, contra o seu pai. Se o texto, genial, vai revelando não só cada uma daquelas personagens em suas fúrias racistas e higienizadoras, como também  todo um projeto de genocídio praticado pelo Estado e autenticado e referendado pela sociedade civil, a encenação proposta pelo coletivo, magistralmente usa a limitação do formato do dispositivo virtual como propagador a irradiar sua proposições.
12 pessoas com raiva, que fica em cartaz ainda até no sábado é experiência única e acerta em cheio e já de cara materializa todas as intenções que a temática da 14a CineBH anuncia e se propõe.
Por fim, a noite de abertura se encerrou com o curta Coisas úteis e agradáveis, protagonizado por Germano Melo, que também assina o roteiro, e dirigido por ele e por Ricardo Alves Jr.
Coisas úteis e agradáveis também é resultado desse momento de pandemia, foi rodado em Buenos Aires, onde Germano vive atualmente, e parte também de peça de teatro. Uma inspiração livre do conto As cartas de Amabed, de Voltaire, sobre um indiano que é arrancado de seu país, povo e cultura por "evangelizadores", que o levam para o ocidente, onde vai vivenciar relações que legitimam a barbárie da violência de seu cativeiro.
O roteiro de Germano Melo traz o conto de Voltaire também para o momento de assombro político do Brasil. E se cai um pouco enquanto encenação quando emula a ministra Damares, é perfeito quando  o faz com a ex-secretária Regina Duarte e sua já histórica entrevista tenebrosa em que pediu leveza e que se deixasse de carregar mortos nas costas.
Germano Melo está muito bem em cena e sua atuação é potencializada pela direção, sua e de Ricardo Alves Jr, sendo possível identificar algumas escolhas de planos de Alves Jr, já que o cineasta, há algum tempo, vem desenvolvendo nos palcos a junção das linguagens cinematográficas e teatrais.
Coisa úteis e agradáveis é filme que traduz com propriedade o tempo que se vive, não só de cerceamento do espaço, como também de violência sobre corpos dissidentes.
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14a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo HorizonteDe 29 de outubro a 2 de novembroProgramação gratuita - informações e exibição cinebh.com.br
    
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     Cena de 12 pessoas com raiva, do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, direção de Juracy de Oliveira
            Cena de 12 pessoas com raiva, do Pandêmica Coletivo Temporário de Criação, direção de Juracy de Oliveira
        
