Ano 20

Filme de amor, 2003, Julio Bressane

O amor, a beleza e o prazer

Júlio Bressane é um dos nossos cineastas mais sofisticados. Se no primeiro filme, Cara a cara, ainda flertava com o Cinema Novo, já nos seguintes, os clássicos O anjo nasceu (1969) e Matou a família e foi ao cinema (1969), radicalizou na estética, compondo com Rogério Sganzerla a dupla-marco do Cinema Marginal, momento de pura experimentação do cinema brasileiro no final dos anos 1960 e primeiros da década de 70. E nascia aí uma das trajetórias mais singulares das telas brasileiras.  

Júlio Bressane já realizou a marca impressionante de 26 filmes, e todos eles sem qualquer concessão. Seus filmes são difíceis porque são expressões de uma erudição impecável e carregado de signos. E são belos. Como são belos os filmes de Jean-Luc Godard.  

Além da sempre surpreendente trilha sonora que embala seus filmes, com mergulhos viscerais no nosso cancioneiro tradicional, outro aspecto valioso é o elenco que ele escala para seus filmes. E para ficarmos só nas atrizes, já emprestaram seus talentos, signos e significados para a obra Bressaniana nomes como Helena Ignez e Maria Gladys –  duas musas de seu cinema, além de Márcia Rodrigues, Renata Sorrah, Maria Lúcia Dhal, Vanda Lacerda, Marta Anderson, Norma Bengell, Lílian Lemmertz, Isabella, Suzana de Moraes, Rosa Dias, Bia Nunes, Cristina Pereira, Regina Casé, Sônia Dias, Thelma Reston, Drica Morais, Giulia Gan, Fernanda Torres, Louise Cardoso, Sílvia Buarque, Leandra Leal, entre outras.  

Esse desfile de mulheres é um contraponto e, ao mesmo tempo, um diálogo um tanto oblíquo, com o elenco de beldades do saudoso Walter Hugo Khouri, carinhosamente conhecido como o “Cineasta das Mulheres”. Apesar de serem representantes de cinemas bem diversos um do outro, tanto Bressane como Khouri construíram no cinema nacional uma obra completamente autoral, singular, e seguiram adiante com suas propostas, totalmente coerentes e à margem da margem da nossa identidade fílmica.  

Em Filme de amor, seu novo título, Júlio Bressane coloca em cena o mito da três graças – o Amor, A Beleza e o Prazer, onde duas mulheres e um homem dão um intervalo em suas vidas de cotidiano medíocre para um hiato de alegria, paixão, libertação e transcedência. No mito original são três mulheres, Tália, Abgail e Eufrosina, mas Bressane optou por escalar um homem levando em conta  esses “novos tempos híbridos e heterogêneos”; e no filme eles encarnam os personagens Hilda, Matilda e Gaspar sob a lente Bressaniana e a maravilhosa fotografia de Walter Carvalho. 

As outras duas graças são as atrizes cariocas Bel Garcia e Josie Antello, vindas do teatro e que estreiam no cinema em Filme de amor – Bel estreia em longa-metragem, pois já participou de um curta. Bel Garcia é formada em teatro pela UniRio e integra a Companhia dos Atores desde 1989. Josie Antello é também formada em teatro pela mesma escola, tem passagens pelo teatro na Austria e na Itália, e é também preparadora corporal e formada em dança indiana.  

Bressane conta que chegou a Josie Antello através de indicação de sua filha, “Eu não a conhecia, mas quando ela entrou pela porta da minha casa, vi imediatamente que ela caía como uma luva no papel de Matilda”. Já sobre a escolha de Bel Garcia, ele diz que a escolheu depois de vê-la em cena; antes, hesitava entre duas outras atrizes.  

Júlio Bressane se convenceu por Bel Garcia por achar que por “sua delicadeza e sensibilidade, ela poderia fazer muito pela Hilda”. E acertou em cheio. As duas atrizes estão ótimas em cena, mas Bel Garcia se sobrepõe ao trabalho de Josie Antello. Como é a personagem mais contida, o que poderia ser uma camisa-de-força ou uma simplificação minimalista, dá lugar a subtextos e matizes lançados/revelados pelo olhar ou mesmo pelo gestual sofisticadíssimo – não a tôa, uma das cenas mais bonitas é a sua procura pelo gato pelos corredores do casarão abandonado. Bel Garcia está linda em cena, estabelecendo um diálogo interessante com Josie Antello, que se vale do humor e da voz marcante para fechar com o personagem de Fernando Eiras – ótimo como sempre -  um dos triângulos mais interessantes, inteligentes e bonito de se ver/apreender nas novas produções do cinema brasileiro.  

Em Filme de amor as mulheres têm presença marcante também na ficha técnica: Rosa Dias no roteiro com Bressane; Lúcia Fares na produção com Tarcísio Vidigal; Daniela Arantes na produção executiva; Virgínia Flores na montagem; Moa Bastsow na direção de arte; e Helen Milliet no figurino.  

Filme de amor
Brasil, 2003, 1h30, 18 anos.

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Sala 
 Léa Garcia
Dona de um talento ímpar e altivo, Léa Garcia brilha no teatro, na TV e no cinema.