Ano 20

Kátia D´Angelo

Kátia D´Angelo nasceu em 12 de dezembro de 1951, no Rio de Janeiro (RJ).

A carreira de atriz começou no teatro nos anos 1970, espaço onde desenvolverá também trajetória como diretora, preparadora de atores e autora infantil - o primeiro espetáculo foi Faça alguma coisa pelo coelho, em 1974: “Eu gostava de escrever e entrei em um curso de teatro, mais para ser autora do que atriz. Eu frequentava uma turma, em um bar na Av. Atlântica que se chamava Acapulco, onde se esbarrava com o povo das artes, como o Wolf Maia, Xuxa Lopes, Fafá de Belém, Guida Viana, Zé Wilker, (Carlos) Vereza, e muitos outros. Era a efervescência do meio artístico começando, Numa noite me convidaram para fazer um teste para uma peça infantil, para um papel pequeno. Fiz o teste, meu diretor seria o Luiz Mendonça, que na época ensaiava um cordel com a Elba Ramalho e a Tânia Alves no mesmo teatro. Fiquei encantada com o teatro e com toda aquela magia. Virei rato de coxia e assistia a tudo que conseguia de teatro. Acabei sendo escolhida para fazer o papel principal, o coelho, do Faça alguma coisa pelo coelho, do Pedro Porfírio, de quem sou amiga até hoje, e nunca mais sai dos palcos”.

Em 1974, faz sua estreia em novelas, atuando em Supermanoela e O espigão: “foi muito fácil e inesperado. Eu tinha feito um comercial para a caderneta de poupança, ”Quer Casar Comigo?”, o Regis Cardoso se apaixonou pela atriz do comercial e mandou me chamar para fazer novela”. Na telinha, a atriz participa de apenas dez novelas, deixando claro sua preferência pelo seu trabalho no cinema, onde estreia no ano seguinte em Deliciosas traições do amor - episódio de Domingos de Oliveira -, e em A extorsão, de Flávio Tambellini: “Uma vez fui chamada de “Animal Cinematográfico” como Laura Antonelli pelo Carlinhos de Oliveira, respeitadíssimo Jornalista Carioca. É um grande desperdício eu não estar fazendo cinema sem parar”.

Em 1976, o cineasta Luiz Fernando Goulart reúne duas promissoras atrizes, Kátia D’Angelo e Denise Bandeira, para protagonizarem Marília e Marina. E já no ano seguinte, ela recebe o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado pela ótima atuação em Barra pesada, de Reginaldo Faria, para o qual faz laboratório nas ruas da Lapa: “Foi nos prostíbulos, vivendo uns dias com meninas prostitutas em um cortiço na Rua Taylor, na Lapa e seus bordeis, além de ter feito um programa com um desconhecido. Na hora não cheguei aos finalmentes, meu lado família e comunista não me permitiu! Acabei contando pra ele que aquilo foi um laboratório, ele me desculpou e não precisou pagar o programa. Rsrsrsrs”.

Kátia D´Angelo conversou com o Site Mulheres do Cinema Brasileiro por email, entre janeiro de 2009 e junho de 2010. Na entrevista ela refaz sua trajetória e fala sobre os primeiros trabalhos no teatro, na televisão, e dos filmes em que atuou. Ficaram de fora apenas as respostas para três perguntas sobre os filmes com Flávio Tambellini, Xavier de Oliveira, Luiz Fernando Goulart, Antônio Calmon e Renato Santos Pereira. Mas apesar dessas ausências, é uma ótima e abrangente entrevista dessa que é uma atriz essencialmente cinematográfica.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Você começou sua carreira no teatro. O Faça alguma coisa pelo coelho, em 1974, foi mesmo seu primeiro trabalho como atriz?  Como você chegou a esse trabalho, que foi um grande sucesso?

Kátia D´Angelo: Eu gostava de escrever e entrei em um curso de teatro, mais para ser autora do que atriz. Eu frequentava uma turma, em um bar na Av. Atlântica que se chamava Acapulco, onde se esbarrava com o povo das artes, como o Wolf Maia, Xuxa Lopes, Fafá de Belém, Guida Viana, Zé Wilker, (Carlos) Vereza, e muitos outros. Era a efervescência do meio artístico começando, Numa noite me convidaram para fazer um teste para uma peça infantil, para um papel pequeno. Fiz o teste, meu diretor seria o Luiz Mendonça, que na época ensaiava um cordel com a Elba Ramalho e a Tânia Alves no mesmo teatro. Fiquei encantada com o teatro e com toda aquela magia. Virei rato de coxia e assistia a tudo que conseguia de teatro. Acabei sendo escolhida para fazer o papel principal, o coelho,  do Faça alguma coisa pelo coelho, do Pedro Porfírio, de quem sou amiga até hoje, e nunca mais sai dos palcos.

MCB: Nos palcos, além de atriz, você também tem carreira como diretora, preparadora de atores e autora infantil. Qual a importância do teatro em sua vida?

KD: Eu amaria viver só de teatro, 24 horas por dia no teatro, com o povo do teatro. Mas a vida me deu outros roteiros a seguir e cumprir...

MCB: No mesmo ano você estreou na televisão e dois anos depois alcançou também grande sucesso como a Tuninha, em Anjo mau. Como foi essa passagem para a TV, foi difícil?

KD: Não, foi muito fácil e inesperado. Eu tinha feito um comercial para a caderneta de poupança, ”Quer Casar Comigo?”, o Regis Cardoso se apaixonou pela atriz do comercial e mandou me chamar para fazer novela. A Tuninha foi um fenômeno, até hoje as pessoas lembram-se dela.

MCB: Na TV, você tem trabalhos importantes também nas novelas Pecado rasgado e As três Marias. Dá para você comentar sobre esses trabalhos?

KD: Na verdade eu teria que meditar um pouco para te responder com detalhes. Tudo foi muito rápido e fluiu sem planejamento, foi tudo muito intuitivo. Nasci boa atriz pra dizer a verdade e não sabia disso. Tudo que ponho a mão para fazer acabo fazendo bem, graças a Deus. Já construí e decorei casas de três andares que ficaram lindas e seguras com pouco dinheiro, escrevi vários textos considerados muito bons, e dirigi e produzi um espetáculo no Canecão onde lancei a Natalia Lage e a Tais Araújo que foi um grande sucesso em cinco anos de temporada. Enfim, se eu pudesse me dedicar mais à arte, seria sem dúvida um sucesso. Na Pecado e na As três Marias fui muito bem acompanhada, com atores maravilhosos, e muito bem dirigida. Foram mais uma prova do talento que Deus me deu e eu aproveitei e agradeço.

MCB: Ainda que o sucesso na TV te projetasse, foi no cinema que você desenvolveu uma carreira que fez de você uma atriz antes de tudo essencialmente cinematográfica. Como foi a estreia com o Domingos de Oliveira no episódio O olhar, em As deliciosas traições do amor?

KD: Maravilhoso! Domingos é maravilhoso, adoraria trabalhar com ele novamente. Ele e o David Neves são nosso Woody Allen à Brasileira. Domingos consegue fazer filmes com baixo orçamento, é um exemplo a ser seguido. Gostaria de ser dirigida por ele sem ninguém por perto, eu ele e a câmera!

MCB: Você consegue relembrar como foi pisar em um set de cinema pela primeira vez? Você imaginava que seria nesse veículo que você teria uma carreira como umas das mais importantes atrizes e musas do cinema brasileiro?

KD: Uma vez fui chamada de “Animal Cinematográfico” como Laura Antonelli pelo Carlinhos de Oliveira, respeitadíssimo Jornalista Carioca. É um grande desperdício eu não estar fazendo cinema sem parar.

É PRECISO QUE OS NOVOS DIRETORES ME CONHEÇAM E QUEBREM ESSE BOICOTE QUE A MÍDIA, não sei porquê, me vitimou. Tem também a parcela da vida que me levou para outro continente e me afastou do cinema no Brasil. Mas ainda há tempo, estou pronta para as câmeras, basta achar a personagem certa e conhecer o diretor certo. Enquanto há vida, há possibilidades!!!! Quanto a minha relação com o cinema, ela é realmente visceral, eu sinto a luz no rosto.

MCB: Os maníacos eróticos marca seu encontro com o cineasta Alberto Salvá, com quem volta a trabalhar em Ana, a libertina. Dá para você falar sobre esses trabalhos e esse importante cineasta?

KD: Salvá é um dos injustiçados no cinema, não dá para entender como um artista como ele não continuou produzindo sem parar. São os inexplicáveis do mercado. Os maníacos foi uma gostosa produção, éramos todos sensuais e não pornográficos!

MCB: Barra pesada não é apenas uma das melhores adaptações de Plínio Marcos e o melhor filme de Reginaldo Faria, mas é também um grande papel feminino no cinema brasileiro. Como foi sua preparação para viver a prostituta  Ana?

KD: Foi nos prostíbulos, vivendo uns dias com meninas prostitutas em um cortiço na Rua Taylor, na Lapa e seus bordeis, além de ter feito um programa com um desconhecido. Na hora não cheguei aos finalmentes, meu lado família e comunista não me permitiu! Acabei contando pra ele que aquilo foi um laboratório, ele me desculpou e não precisou pagar o programa. rsrsrsrs

MCB: Barra pesada te deu o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado. Gostaria que você falasse um pouco mais sobre esse trabalho.

KD: Vou falar sim: Reginaldooo? Quando você vai me chamar para ganharmos outro prêmio juntos? Assistam ao Barra pesada, é imperdível!!!!!

MCB: Anselmo Duarte é um cineasta importante, mas ainda pouco reverenciado pela crítica. Como foi trabalhar com ele?

KD: Esse é o problema do brasileiro, por que não reverenciar o Anselmo? Ele nos deu a primazia de Um pagador de promessas, levou o cinema brasileiro a Cannes, isso basta!

Isso é que é ser celebridade! Oh Brasil, acorda! Desliga um pouco a televisão.

MCB: Ao lado da Ana de Barra pesada, você tem outra personagem inesquecível que é a protagonista do filme O caso Cláudia.  Como foi o encontro com o cineasta Miguel Borges e a composição desse personagem marcante?

KD: Foi marcante como você mesmo diz. Ali havia um universo que pulava da tela. É preciso resgatar o Miguel Borges, alô, produtores, cadê vocês?!

Miguel me convidou para ser mais uma biografada na série Aplauso do cinema nacional. Espero que possamos concretizar este plano juntos ainda esse ano.

MCB: Em 1981 você protagoniza A conquista do paraíso, filme dirigido pelo importante cineasta argentino Eliseo Subiela. Gostaria que você comentasse sobre esse trabalho.

KD: Maravilhosa experiência, fiz amigos, viajei, morei em outro país, descobri uma nova cultura. Amo os argentinos, pude conviver com o povo de Missiones, em Saint Ignacio, e do sul do Brasil, na cidade de São Borja. Filmamos na selva, conheci um padre Jesuíta e comunista que nos mostrou vídeos da catequese dos Índios Guaranis. Brasileiros só tinha eu e o Joffre Soares. Divino! Precisei aprender o espanhol e descontruir a língua para falar com o sotaque de uma tica brasilenha da fronteira. Fiquei morando seis meses em Buenos Aires, estudando. Me apaixonei pelo meu diretor, nunca vi tanta delicadeza com um filme e seus atores, Tudo sacrificado na selva, porém totalmente acalentado por uma equipe maravilhosa. Fui tratada como uma grande super star. Filmei com feras do cinema argentino e todos me paparicavam muito. Eliseu ganhou vários prêmios pelo mundo e o cinema argentino é um colar de pérolas. Vide agora o soberbo e delicado El secreto de sus ojos, de Juan Jose Campanella. Nessa viagem fiz uma grande amizade com o fotógrafo Jose Luiz Peralta, da revista Vogue, que cobriu algumas de nossas viagens e todo o lançamento do filme. Ele faleceu fazendo uma matéria na África, mas pude desfrutar nosso amor amigo por uma década. Eliseu fala comigo de tempos em tempos e me chama de “Mi atriz Brasilenha”, “The Best”, tudo de bom! Viva los hermanos! Ah se os brasileiros tivessem um pouco do lado politizado e culto dos Argentinos! Que diferença!

MCB: Depois de alguns anos longe das telas, você retornou no cinema autoral de David Neves em Fulaninha. Assistindo ao filme, percebe-se que você compõe com muita naturalidade a personagem dentro desse universo todo especial do cineasta.  Como foi esse retorno às telas e o convívio com o David Neves?

KD: David foi meu mentor cinematográfico, ele me descobriu como modelo nos comerciais e me levou pelas mãos ao cinema brasileiro e à sua história. Conheci todos os diretores e suas filmografias através do David. Além de ter me tornado sua mais presente e apaixonada amiga. Frequentamos juntos o bafoond de Copacabana, que apesar do peso se tornou leve e gostoso A Fulaninha nas esquinas da Prado Junior e dos inferninhos de Copa. David foi o nosso Woody Allen, posição que vez ou outra divide com o Domingos. A tribo do cinema não tinha sido invadida pelos caras pálidas.

MCB: Mas uma vez você fica longe das telas e retorna em O lado certo da vida errada, de Octávio Bezerra. Por que esses longos períodos longe das telas?

KD: Porque o mal da gente e das artes no Brasil é não cultuar e alimentar sua história, vive-se muito o breve e efêmero sucesso da televisão. O artista, o diretor, o produtor, e, principalmente, o público se rendem à mídia com muita facilidade e não à imposição moral e mágica da arte do cinema. Além da imprensa, que massifica a memória brasileira com o descartável diário. Não basta ser premiada atriz e considerada um animal cinematográfico, é preciso estar todo dia nas páginas da Contigo, da Caras e Tititis. Quanto ao genial Octávio Bezerra, é um diretor no panorama cinematográfico, basta assistir ao Avenida Brasil, que deveria ser produzido uma vez por ano. O filme dele com Milano também é prova da sua inteligência nas telas.

MCB: A tragédia vivida na sua vida pessoal – seu filho foi assassinado em 1991 - determinou seu afastamento da vida artística a partir daí?

KD: Na verdade poucos sabem dos verdadeiros problemas familiares que me afastaram da carreira artística. Eu era muito menina e carregava uma enorme responsabilidade.

Mas não só a tragédia como os amores e as viagens me levaram para outros universos. Joguei-me de cabeça nas experiências, nos casamentos, nos filhos e no mundo!  Mesmo assim não me afastei da minha arte nunca! Fiz estagio no Thèâtre Du soleil, em Paris, assistindo a direção de Ariane Mnouchkine para a peça sobre o exílio do Dalai Lama. Escrevi um projeto ecológico com aval da Unesco, chama-se SOS Terra, que pretendo montar no Brasil. Dei aula de teatro na passarela para jovens modelos em Paris. Escrevi, produzi e dirigi o espetáculo Procura-se um amigo, que estreou no Canecão, no Rio de Janeiro, em 1991, e lançou a Tais Araújo, Natalia Lage e Thiago D’Angelo, entre vários outros jovens para suas carreiras como atores, músicos e até produtores que hoje fazem muito sucesso. Fui também em busca da minha família no Marrocos e em Israel, por onde passei. No momento estou na segunda fase do curso de Edição no Brasil e dirigindo um documentário sobre o Choque De Ordem no Rio de Janeiro, onde mais uma vez fui vitima dos nossos governantes. Hoje minha luta é fazer justiça e alertar o povo que CIDADÃO tem que ter cidadania e respeito! Estou usando minha arte para isso também.

MCB: Como foi o trabalho em JK – bela noite para voar, de Zelito Viana?

KD: Foi gostoso voltar ao set ao lado do Zé de Abreu, com quem já tinha trabalhado, e ter conhecido a gracinha da Mariana Gimenez, que considero junto com Aline Moraes as melhores atrizes dessa geração. Mas uma decepção quanto a terem tirado minha personagem Sarah do filme, por problemas judiciais com a família Kubitschek.

MCB: Qual foi o último filme brasileiro que você assistiu?

KD: Na verdade vejo mais teatro, não gosto muito dessas comédias românticas que usam atores e linguagem de televisão no cinema. Acho que cada um tem seu lugar! Assisti Cazuza (Cazuza - o tempo não pára) para me lembrar de um velho amigo que se foi e me emocionei com o Daniel Oliveira por sua magia na tela. Cidade de Deus, puro cinema. Gosto muito de ver os filmes com a Dira Paes, por sua brasilidade total. O Dois filhos de Francisco me emocionou também. Os Barretos poderiam utilizar melhor o seu domínio sobre a telona e melhorar o conteúdo. Na verdade, filma-se muita bobagem com o dinheiro público. Poucos levam muito e muitos poderiam estar arrebentando nas telas com pouco dinheiro, como fazem alguns. Gosto dos filmes do Renato Aragão, populares e ingênuos, mas corretos e honestos para as crianças brasileiras. Além de super bem produzidos. Ele é formação de plateias, deveria ser mais respeitado.

MCB: Sempre convido minhas entrevistadas para fazerem uma homenagem a uma mulher do cinema brasileiro de qualquer época e de qualquer área. Sua homenagem vai para quem?

KD: Pra mim, preciso me homenagear por ter conseguido tantas vitórias e estar viva e pronta pra luta, depois de tantos desafios e apesar de viver em um país onde o que menos se privilegia é o ser humano e o cidadão!

MCB: Mais algum assunto que você gostaria de abordar nessa entrevista?

KD: Sim, parabéns a todos os guerreiros que  conseguem fazer puro cinema no Brasil. Tem uma garotada fazendo coisa muito boa. TODOS Vocês deveriam ser celebridades! E ocupar as páginas dos tabloides. Mas não se esqueçam dos verdadeiros atores de cinema.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada por email, entre janeiro de 2009 e junho de 2010.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.