Ano 20

Dácia Ibiapina

A cineasta Dácia Ibiapina nasceu em São João do Piauí – atual São José dos Peixes, no Piauí, em 30 de setembro de 1957, morando atualmente em Brasília (DF). Graduada em Engenharia, com especialização na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba, e mestrado em Comunicação, o cinema já era paixão como cinéfila, mas a prática cineclubista veio na época da faculdade de Engenharia: “Na engenharia eu encontrei pessoas que tinham esse mesmo interesse que eu, então, a gente era cineclubista e aí montou um grupo chamado Grupo Mel de Abelha. Fizemos uma meia dúzia de documentários usando o Super 8. Foi aí que começou, foi dentro da engenharia que eu descobri a possibilidade de me expressar através do cinema, e com um grupo de outras pessoas. A partir daí, eu fui fazendo as duas coisas”. 

Também professora de cinema na UnB, Dácia Ibiapina dirigiu vários curtas em que há uma forte presença da questão social, e que estará presente também no seu primeiro longa: “Eu acho que o meu cinema é marcado por uma preocupação social. Só que eu acho que existem diferentes formas de você colocar o social na tela. Tem uma forma mais impositiva, através de entrevista de narração em off etc., de você colocar o social dessa maneira, mas existem formas mais sutis de colocar o social. Eu prefiro essas formas mais sutis, como neste filme atual, Entorno da beleza”.

Entorno da beleza, primeiro longa-metragem da cineasta, é sobre o universo dos concursos de beleza, tendo como foco a questão social e a relação entre centro e periferia no Distrito Federal: “Eu não queria falar dessa relação de uma forma muito óbvia, eu queria uma coisa sutil, sensível e daí, nessa pesquisa, eu acompanhei o primeiro concurso de miss na cidade estrutural, em 2009, e ali eu decidi que o meu caminho seria pelos concursos de miss”. 

Dácia Ibiapina integra um grupo importante de documentaristas em Brasília, como o premiado Adirley Queiróz. Ela participou da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2012, para o lançamento do documentário Entorno da beleza, e conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro. Na entrevista, ela fala sobre sua formação, os curtas que dirigiu, o espaço do documentário em Brasília, o primeiro longa, e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para iniciar nossa conversa, origem, data de nascimento e sua formação.

Dácia Ibiapina: Eu nasci no Piauí, no dia 30 de setembro de 1957, na cidade que, atualmente, é São José do Peixes. São João do Piauí era um município grande e depois foi dividido. Sou graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Piauí, depois eu fiz mestrado em Comunicação na UnB, fiz doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e fiz também uma especialização antes do mestrado, em Comunicação, na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba.

MCB: Como se deu essa passagem da engenheira, com interesse em comunicação, e que veio desaguar no audiovisual?

DI: Isso foi bem natural, porque eu sempre gostei muito de cinema. Quando eu era adolescente, eu era muito cinéfila. Hoje eu não sou tanto, porque eu não tenho muito tempo, mas eu gosto muito de assistir a filmes, ler sobre o cinema, escrever sobre o cinema. Na engenharia eu encontrei pessoas que tinham esse mesmo interesse que eu, então, a gente era cineclubista e aí montou um grupo chamado Grupo Mel de Abelha. Fizemos uma meia dúzia de documentários usando o Super 8. Foi aí que começou, foi dentro da engenharia que eu descobri a possibilidade de me expressar através do cinema, e com um grupo de outras pessoas. A partir daí, eu fui fazendo as duas coisas. Depois que eu voltei de Cuba é que fui atrás da possibilidade de trabalhar com o cinema e com a comunicação, comecei a cursar Jornalismo e não me identifiquei, aí fui para a UnB fazer mestrado em Comunicação e estou lá até hoje.

MCB: Quando foi isso? As primeiras experiências em Super 8 e a ida para Cuba?

DI: Foi nos anos 80 que eu fiz meus primeiros filmes em Super 8, junto com esse grupo de colegas que eram da engenharia e, logo depois, eu fui para Cuba, em 1987. Quando eu voltei, em 1989, fui para a UnB fazer o mestrado em Comunicação.

MCB: Existe uma geração formada em Cuba, na Universidade de Cinema, que é muito marcada por essas questões sociais, o que, imagino, nem poderia deixar de ser. Você faz parte, você se identifica com essa corrente? Isso se deu naquele momento em que você procurou o curso ou veio desaguar depois, no seu cinema?

DI: Eu acho que o meu cinema é marcado por uma preocupação social. Só que eu acho que existem diferentes formas de você colocar o social na tela. Tem uma forma mais impositiva, através de entrevista de narração em off etc., de você colocar o social dessa maneira, mas existem formas mais sutis de colocar o social. Eu prefiro essas formas mais sutis, como neste filme atual, Entorno da beleza. Você olhando o corpo das pessoas, a cor da pele, o olhar delas, você vai vendo as desigualdades sociais, as questões raciais, toda essa problemática social que a gente tem sem precisar ser verbalizado.

MCB: Antes de entrarmos especificamente no Entorno da beleza, eu queria que você falasse, resgatasse um pouco os trabalhos anteriores. 

DI: Então, em 1986, antes de ir para Cuba, eu dirigi o meu primeiro documentário, que se chama O Pagode de Amarante e foi feito no Piauí, na cidade de Amarante. Uma cidade colonial, muito marcada por essa coisa racial, com um bairro de população negra. O centro da cidade é mais da população branca, mais dos proprietários de terra etc. Tem um bairro negro, que fica no alto do morro, onde eles fazem essa festa chamada de Pagode de Amarante, toda sexta-feira, e eu fiquei muito fascinada pelo pessoal desse bairro e por essa festa. Aí eu fiz meu primeiro documentário sobre isso.

MCB: É um curta?

DI: É um curta. Em Cuba, claro, eu fiz os trabalhos de escola com os colegas, o que também foi uma experiência fantástica. Eu conheci muita gente de vários países e nós fazíamos os trabalhos sempre em grupos, revezando. Havia os africanos, os latino- americanos, asiáticos, pessoas dos Estados Unidos também. Então, foi bem legal o trabalho lá. Quando eu voltei, fui para Brasília, em 1989, para fazer o mestrado na UnB, retornando depois em 92 para morar, porque fiz um concurso na UnB para ser professora do curso de Cinema. Em Brasília, o meu primeiro documentário, também um curta, foi Palestina do Norte, o Araguaia passa por aqui, que foi feito em película. Eu o rodei na beira do Araguaia, nessa cidade chamada Palestina. É um filme sobre a memória da Guerrilha do Araguaia, só que não é a memória, essa dos guerrilheiros, de quantos eram, como foi quando eles passaram por aqui e tal. Eu queria saber qual era o ponto de vista daquelas pessoas de lá sobre a guerrilha, quais as experiências que elas tiveram com a guerrilha etc. Depois do Palestina, e esse filme é de 1998, eu fiz O chiclete e a rosa, em 2001, que também é um curta. Esse aí já foi rodado em vídeo e é um curta sobre essa relação centro/periferia em Brasília, porque eu observava, nos bares de Brasília, adolescentes e crianças, geralmente acompanhados pela mãe, uma vizinha, vendendo chicletes, rosas, adesivos, essas coisas. Daí eu procurei ir atrás dessas crianças e saber de onde elas vêm etc. O chiclete e a rosa é um filme sobre essa relação. Depois, eu fiz em 2004 um Doc TV sobre o cineasta Vladimir Carvalho, e daí em 2006 e 2007 eu fiz também um outro documentário, todos curtas, chamado Cinema e engenho. É sobre um projecionista que eu conheci na cidade de Pilar, na Paraíba, quando eu estava fazendo o documentário sobre o Vladimir, e o acompanhei nas filmagens de O engenho de José Lins, o filme dele sobre o José Lins do Rego. A gente o acompanhava, fazendo o filme para mostrar como ele trabalhava etc. Aí eu descobri, junto com ele, esse personagem, o seu José Ribeiro Medeiros, que já é falecido, e que na década de 50 projetava filmes no interior da Paraíba. Era um projecionista ambulante, projetava filme em feiras, em festas etc. Eu o alcancei já com a idade avançada, mas com um monte de sucata de equipamentos de projeção na garagem da casa dele. Depois do Cinema e engenho, eu vim para o Entorno da beleza, que é o meu primeiro longa.

MCB: Como surgiu esse objeto do Entorno da beleza?

DI: Eu persistia querendo fazer, querendo trabalhar essa relação centro/periferia no DF e comecei a pesquisar sobre isso. O ano de 2010 foi do Cinquentenário de Brasília, então eu queria fazer esse meu filme nesse momento. Comecei a pesquisar em 2008 e 2009 para ver o que seria, o que poderia ser esse filme. Eu não queria falar dessa relação de uma forma muito óbvia, eu queria uma coisa sutil, sensível e daí, nessa pesquisa, eu acompanhei o primeiro concurso de miss na cidade Estrutural, em 2009, e ali eu decidi que o meu caminho seria pelos concursos de miss. 

MCB: O interessante é que você fez o seu recorte para aquele objeto a partir da esfera social. Você já disse, em debate, que seu objetivo não era o de entrar na intimidade daquelas mulheres, pelas histórias delas, mas era de que a própria estrutura do concurso falasse delas. Eu queria que você abordasse um pouco sobre isso.

DI: Eu tenho um documentário anterior sobre essa relação centro/periferia, que é O chiclete e a rosa. Como lá havia crianças e adolescentes, eu trabalhei muito na esfera privada, eu acompanhava as crianças nos bares fazendo o trabalho delas, geralmente acompanhadas por algum adulto da família ou da vizinhança deles. Daí eu ia lá, onde eles moravam, para ver a família, as condições em que eles viviam, e conversar com a mãe. Eu descobri, por exemplo, que quase nenhum deles tem a figura paterna, então ali eu entrava na casa deles. Agora, nesse filme das misses eu quis fazer esse exercício de não entrar nas casas e também não ficar perguntando “Você está desempregada?”, “Quanto você ganha?”, “Como é que você faz para sobreviver?”. Eu queria mostrar isso de uma outra forma, ou seja, elas dentro dessa temporada de concurso de miss.

MCB: Você e outros cineastas e técnicos têm um coletivo em Brasília. É uma produtora ou é só um convívio de discussão de ideias?

DI: É assim, como eu sou professora do curso de Audiovisual da UnB, várias turmas vão passando, e esses meninos são de uma turma em que, curiosamente, apareceu o Adirley Queiróz, que se interessava muito por documentário. Agora está voltando o interesse pelo documentário, mas os jovens que iam fazer cinema queriam fazer ficção, animação, essas coisas, que não são muito a minha praia. E aí nessa turma apareceu o Adirley, que queria fazer documentário, e a gente foi trabalhando junto dentro do curso. O trabalho de conclusão do curso do Adirley é o Rap e o canto de Ceilândia. Eu fui a orientadora dele, e a partir daí a gente já trabalhava com os colegas de turma. O Francisco Craesmeyer e a Camila já se interessavam por som na universidade, o Leo já se interessava por fotografia, então a gente foi se juntando naturalmente, assim, pelos interesses temáticos, pela vontade de experimentar com a linguagem do documentário. Como eu sou professora, eu não posso ter uma produtora, meus filmes também são parte da minha pesquisa como professora e pesquisadora da universidade. Na Ceilândia também tem a Ceicine, que é um coletivo de cinema criado pelo Adirley com os companheiros dele de lá. E agora também na Ceilândia foi criada a Cinco da Norte, que também é uma produtora, nesse esforço de institucionalização, de abrir um pouco as portas desse grupo para as realizações, editais etc.

MCB: O momento agora é de cuidar do Entorno da beleza ou você já está envolvida em outro projeto?

DI: Quem faz documentário, e eu observei isso fazendo o documentário do Vladimir, vai vendo coisas que tem vontade de desdobrar e que não são exatamente cabíveis dentro daquele trabalho que está fazendo. Então, depois que termina, você pode ir em busca daquilo que não deu para fazer naquele momento. Fazendo o Entorno, em 2010, que era o Cinquentenário de Brasília, foi no ano em que estourou a crise conhecida como Caixa de Pandora, a crise política que levou a prisão do então governador José Roberto Arruda, uma crise política muito profunda no Distrito Federal. Essa crise influenciou a temporada de concursos daquele ano em que eu estava filmando, e chegou o momento em que a gente começou a acompanhar também a crise política, as manifestações, os estudantes da UnB invadindo a Câmara Legislativa para pressionar pelo processo político. A gente foi acompanhando esses meninos do movimento estudantil da UnB, junto com os concursos de miss, porque a gente também estava vendo a crise lá, no concurso, a influência da crise política. Os políticos gostam muito de concurso de miss, em 2009, por exemplo, foi o governador Arruda que coroou a Miss DF. Mas, em 2010, eles sumiram simplesmente dos concursos, que precisam ter um financiamento. Tem despesas, tem custos e esses custos eram bancados por patrocínio de empresas, pelos deputados distritais que tinham atuação em cada uma daquelas cidades, só que eles passaram a não apoiar mais. Então, eu acompanhei um pouco disso, só que depois eu decidi que isso ia ficar guardado para um próximo filme. Eu quero fazer um documentário, ainda está muito embrionária a ideia, em que eu possa lançar mão desse material sobre a juventude política. Eu não posso adiantar muita coisa, porque ainda está muito na minha cabeça, ainda não ganhou forma ainda.

MCB: Para finalizar, as duas únicas perguntas do site que são fixas. Qual o último filme brasileiro a que você assistiu?

DI: O último filme brasileiro a que eu assisti foi Entorno da beleza, ontem (gargalhada).

MCB: Sem ser o seu...

DI: Ao vir a Tiradentes, eu assisti a vários filmes que estão na mostra e gostei bastante de ter essa oportunidade. Mas eu vejo muito filme brasileiro. Um dos últimos a que eu assisti foi o Rock Brasília, o filme do Vladimir Carvalho. Aos filmes dele eu assisto todos (risos).

MCB: E qual a mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você quer deixar registrada na sua entrevista, como uma homenagem?

DI: Ah, uma homenagem? Ah, são tantas queridas (risos). Eu gosto muito do trabalho da Lucia Murat. Eu quero homenageá-la aqui.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada na 15a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2012.

Veja também sobre ela

::Voltar
Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.