Ano 20

Cris Ventura

Cris Ventura nasceu no dia 12 de maio de 1984, em Belo Horizonte. Graduada em Letras e mestranda em Estudos de Linguagem, pesquisando documentários autorreferenciais, o interesse por cinema vem cedo: “Quando eu era adolescente, 12, 13 anos, eu comecei a criar um hábito um pouco frenético de leitura, adorava literatura e também gostava de cinema. Na época, quando eu era mais nova, eu achei que eu poderia ser uma escritora, alguma coisa assim. Mas aí, porque eu via muitos filmes, na verdade o que talvez tenha me influenciado a fazer cinema foi a grande quantidade de filmes que eu vi. Eu tinha um tio que tinha uma locadora e toda vez que eu ia visitar meu pai, eu ia à casa da minha avó, e a locadora dele era do lado da casa dela. Então eu ficava um final de semana na casa dele e via uns quatro, cinco filmes por dia, via todos os tipos de filme”.

O início da trajetória no audiovisual ocorreu com a participação no FAN – Festival de Arte Negra: “O primeiro trabalho que eu posso citar como início foi em 2007, no FAN (Festival de Arte Negra). Eu tinha feito um curso lá, através do CRAV - Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte, e a partir desse curso eu tive a possibilidade de conviver com uma série de outras pessoas, inclusive a Priscila Moreira. A gente realizava vários vídeos, mas que eram vídeos para o festival. Disso surgiu o curta, eu peguei e remontei o material que a gente tinha lá, chamado Nas minhas mãos eu não quero pregos”.

Depois de outros trabalhos, Cris Ventura ampliou o curta para um longa, que focaliza o importante artista plástico Maurino de Araújo, que é também um marcante personagem em Belo Horizonte pelo seu singular caminhar pelas ruas da capital mineira: “Quando a gente fazia os filmes para o FAN, eles pediam uma limitação de tempo, então os documentários eram bem pequenos, de 3 a 5 minutos, mais ou menos. Com o que eu tinha na época, que eu filmei só em um dia, eu achei que não dava para fazer um material maior, exigia uma pesquisa. Quando eu fui à casa do Maurino, ele me mostrou um catálogo enorme, e eu falei ‘gente, mas esse cara tem esse tanto de obra’. E aí eu fui ver que ele já tinha viajado por vários países, já tinha ganhado vários prêmios. E eu pensei que ele merecia um filme melhor, no sentido de mostrar mesmo a vida dele”.

Cris Ventura lançou o longa Nas minhas mãos eu não quero pregos na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e falou sobre sua formação, o início da sua trajetória, os filmes, a produtora Coletivo da Imagem, o longa lançado e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Bom, pra começar, sua origem, formação e data de nascimento completa, se possível. 

Cris Ventura: Meu nome é Cristiane Moreira Ventura, eu nasci em 12 de maio de 1984, em Belo Horizonte.

MCB: Sua formação? 

CV: Sou formada em Letras pela UFMG e faço Mestrado em Estudos de Linguagem, pesquisando documentários autorreferenciais. 

MCB: Você fez Letras e acabou se tornando cineasta. Como se deu o interesse por cinema?

CV: Quando eu era adolescente, 12, 13 anos, eu comecei a criar um hábito um pouco frenético de leitura, adorava literatura e também gostava de cinema. Na época, quando eu era mais nova, eu achei que eu poderia ser uma escritora, alguma coisa assim. Mas aí, porque eu via muitos filmes, na verdade o que talvez tenha me influenciado a fazer cinema foi a grande quantidade de filmes que eu vi. Eu tinha um tio que tinha uma locadora e toda vez que eu ia visitar meu pai eu ia à casa da minha avó, e a locadora dele era do lado da casa dela. Então eu ficava um final de semana na casa dele e via uns quatro, cinco filmes por dia, via todos os tipos de filme. E aí eu comecei a frequentar festivais. Na época, quando fui fazer vestibular, não tinha curso de cinema em Belo Horizonte ainda. Atualmente tem um curso na UNA e tem um na UFMG, mas tinha era cinema de animação e a pessoa tinha que fazer um teste de aptidão, de desenho etc. Eu não sou boa em desenhar, e aí eu vi também que o curso de Letras lá era um curso flexível. Eu fiz uma formação complementar em cinema e minha monografia também foi sobre vídeos, e então eu fiz bacharelado lá pesquisando nessa área de referência, de autobiografia. Eu comecei a fazer algumas oficinas da área de cinema, fiz uma de roteiro e fui fazendo uma oficina e outra. Daí comecei a fazer alguns pequenos vídeos, mas talvez como experimentos, porque eu não fiz uma escola de cinema. É claro que eu estou sempre aí, como existem “trocentos”. Por mais que seja conhecedor de cinema, ninguém dá conta de saber sobre todos os clássicos, a não ser se a pessoa não fizer mais nada e ficar só vendo filme. Como estou fazendo mestrado, vejo muito, revejo outros, leio livros em relação às partes teóricas do cinema, documentário, e estou sempre meio que querendo aprender coisas novas em relação ao cinema, como a música, eu já estudei música também, já estudei teatro. Eu tento pegar outras áreas e não ficar simplesmente no cinema. E também não tento fazer só um tipo de filme, como eu estou começando, fiz meu primeiro longa, mas tenho seis curtas. Então, eu ainda não tenho essas coisas que o pessoal exige de quem é um diretor, que ele já tenha uma identidade. Talvez eu prefira não ter uma identidade. Aí você só faz videoarte, tem gente que gosta de falar “ah, ela é videoartista”, mas eu já fiz um documentário, já fiz uma ficção, então eu prefiro ter essa possibilidade de andar nessas diversas áreas. No ano passado eu fiz um trabalho para teatro, vídeo pra teatro, vídeo para show, teve um projeto em que eu participei que era um show em que os músicos ficavam espalhados em uma casa e o show se dava através de vídeos. Então eu tento transitar nessas diferentes formas da imagem movimento mesmo. Eu tenho um projeto novo, eu quero fazer, que relaciona literatura e talvez uma coisa mais interativa, sabe, estou tentando captar, ter a verba para fazer isso. Eu tenho isso de não ficar numa coisa só.

MCB: Você citou que no início fez alguns vídeos experimentais. Quando é que você situa o início do seu trabalho como cineasta? Qual foi o primeiro trabalho e quando foi?

CV: O primeiro trabalho que eu posso citar como início foi em 2007, no FAN (Festival de Arte Negra). Eu tinha feito um curso lá, através do CRAV, Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte, e a partir desse curso eu tive a possibilidade de conviver com uma série de outras pessoas, inclusive a Priscila Moreira. A gente realizava vários vídeos, mas que eram vídeos para o festival. Disso surgiu o curta sobre o Maurino de Araújo, eu peguei e remontei o material que a gente tinha lá, e demos o nome de Nas minhas mãos eu não quero pregos. Sua realização ficou como 2008. E em 2008 eu filmei algumas coisas que eu acabei lançando em 2009, porque em 2008 eu fiquei grávida e minha filha nasceu no meio do ano, em agosto, e eu fui finalizar isso no final de 2008. Em 2009 eu lancei o Sangre, que é um filme que eu fiz com minha filha. Em 2009 eu também lancei Nôva, que é uma ficção pouco experimental, e junto veio o Contra a hierarquia das coisas assépticas, que era uma segunda versão desse Nôva. Um material que eu achava que era interessante, mas que não cabia dentro do Nôva. Depois eu fiz alguns vídeos também em parceria com Carlos Magno Rodrigues, que foram: Analogia do verme e Oslo. Em 2011, fiz o E depois do começo, e tem o Krípton, que eu fiz com o coletivo. Eu me coloco como coautora do filme, a gente assina como direção coletiva, porque a montagem eu e a Priscila Moreira que fizemos, a gente fez assim na época.

MCB: A Coletivo da Imagem, que é a produtora de vocês, está associada ao FAN? Ela surgiu a partir do FAN? 

CV: Ela surgiu a partir do FAN. Porque a gente fez esse grupo, quer dizer, depois que a gente fez esse curso, que tinha mais ou menos umas 20 pessoas, o grupo se fragmentou. Um ia fazer um documentário sobre a história da TV, o outro ia fazer sobre a arte negra, uma série de trabalhos sobre a arte negra. A gente ficou alguns meses fazendo vários microdocumentários relacionados à arte negra. Depois que terminou o FAN, a gente achou tão interessante como conseguimos fazer esses trabalhos, que acabamos fundando uma associação, que se chama Coletivo da Imagem, para trabalhar. A gente fez um projeto com esse pessoal, que saiu dessa equipe do FAN. A gente também realizou algumas oficinas e outros trabalhos que possibilitaram a junção dessas pessoas que tinham esse interesse comum. E são pessoas de áreas diferentes, não são pessoas também formadas em cinema, têm diversas formações, é assim a equipe do Coletivo.

MCB: Seu primeiro longa, Nas minhas mãos eu não quero pregos, foi originado do curta. Você achou que o curta não tinha dado conta de tudo o que você queria? Qual foi a inquietação para o curta virar um longa?

CV: Então, quando eu fiz o curta, eu percebi assim. Quando eu fui à casa do Maurino (Maurino de Araújo, artista plástico focalizado no documentário), eu percebi que ele era uma pessoa muito interessante. Quando a gente fazia os filmes para o FAN, eles pediam uma limitação de tempo, então os documentários eram bem pequenos, de 3 a 5 minutos, mais ou menos.  Com o que eu tinha na época, que eu filmei só em um dia, eu achei que não dava para fazer um material maior, exigia uma pesquisa. Quando eu fui à casa do Maurino, ele me mostrou um catálogo enorme, e eu falei “gente, mas esse cara tem esse tanto de obra”. E aí eu fui ver que ele já tinha viajado por vários países, já tinha ganhado vários prêmios. E eu pensei que ele merecia um filme melhor, no sentido de mostrar mesmo a vida dele. 

O filme passa por isso, porque tem uma pesquisa de história de vida dele, que é um cara que veio do interior, os avós trabalhavam com barro e depois foram pra Belo Horizonte morar no bairro Primeiro de Maio, um lugar que, na época, não tinha nada, um lugar de periferia. Um cara autodidata, que mesmo sendo dessa origem muito simples conseguiu se destacar no meio artístico. Talvez no começo os trabalhos dele tivessem uma cara mais de artesanato, mas ele foi se sofisticando, porque ele tinha também vários amigos, o que, de certa forma, eu acho que contribui para o olhar da pessoa. Ele era amigo do Burle Marx, ele sempre circulava em vários festivais. Como eu me vejo um pouco também nesse sentido, como eu tenho uma formação em Letras, são um pouco diferentes esses festivais em que eu vou, que eu participo. Eles têm esse caráter também de formação, porque às vezes a gente limita a informação a uma coisa de um curso acadêmico e quando você vê no festival, você fica numa imersão de debates e filmes. Então isso às vezes é uma informação muito grande, você sai dali enriquecido de várias coisas, de descobrir um filme de outras pessoas, de escutar. O próprio filme Nas minhas mãos eu não quero pregos fala um pouco disso assim, de como os encontros são importantes, de como uma conversa pode ser um grande acontecimento sem ter aí uma glamourização. E coisas simples, sabe, de como às vezes isso, atualmente,  é deixado de lado, de a pessoa ter um tempo e conversar com a outra. O filme tem uma parte que fala sobre isso, acho bem interessante.

MCB: Você já conhecia o Maurino pelas ruas de Belo Horizonte? 

CV: Já tinha visto. Na época, quando a gente ia fazer o documentário, que era um documentário a partir desse curso que a gente fez, e que a Priscila Moreira tinha até sugerido, era sobre uma pessoa muito conhecida, por isso, por dançar nas ruas, muita gente conhece ele por fazer isso. A gente já tinha uma indicação de fazer assim, só que na hora, quando fomos fazer esse documentário final, que era maior, acabamos falando mais sobre o que cada um tem do coletivo, o que cada um tinha da cultura negra na vida. Então nós falamos com anônimos também, tinha muitas pessoas, eram parentes, pessoas que a gente achava interessante em saber por que estava ali, da cultura negra, e que às vezes a pessoa não percebe muito. Quando eu fui fazer esse vídeo pro FAN, eu não o conhecia pessoalmente. Já tinha ouvido falar muito, já tinha visto ele dançando na rua, achava uma coisa maravilhosa, porque é uma atitude meio que transgressora, provocativa e, de certa forma, também meio que despretensiosa, porque ele não tem essa coisa do artista fazendo a performance, aquilo pra ele é quase uma necessidade. Então eu achei interessante como ele lida com isso, às vezes o povo não entende muito, o que é aquilo ali, então pode parecer loucura. O filme trabalha um pouco com isso, de desconstruir essa visão de que “Ah, o cara faz isso porque ele é louco”, sabe?

MCB: Na abertura do filme o Maurino já diz “...não me filma não”. Foi difícil convencê-lo a se deixar filmar ou chegou em um determinado momento em que isso fluiu mais naturalmente? 

CV: Foi difícil. Quando eu fiz o projeto eu mandei para o DOCTV, para o Filme em Minas e para o Fundo Municipal. Na época eu falei para ele “olha, eu quero fazer um filme sobre você, você topa?”. Ele, topou, assinou o termo de autorização da imagem. Quando o projeto foi aprovado e a verba saiu, a gente pagou um cachê para ele, porque achamos importante, você vê que ele tem dificuldades financeiras. E também não só por conta disso, de certa forma, não falo em usar as pessoas, mas são trabalhos em que a gente acaba invadindo um pouco a vida pessoal. Então eu acho justo que a pessoa, de certa forma receba, como parte da equipe. Ela não está ali filmando, mas ela tem que ter essa pré-disposição para se deixar ser invadida um pouco. O Maurino é meio fechado. É mais fácil fazer um documentário sobre uma pessoa quando você é muito amigo, então, a gente tinha que conseguir construir essa relação aos poucos.  Ele não gostava que muita gente fosse gravar, daí teve um problema, que uma pessoa da equipe foi lá sem avisar e ele não gostou. Daí ele meio que se fechou, já não queria fazer o filme, ele tem essa coisa assim de ser uma pessoa difícil de lidar. Quando tem uma exposição sobre as obras dele, ele, às vezes, não vai. Ele é fechado, não gosta de aparecer, não gosta de ser fotografado. Foi um complicador, porque geralmente você vai fazer um trabalho, a pessoa deveria se abrir, mas ali, ao contrário, ele se fechou. Então eu ia aos poucos, meio que insistindo, insistindo, insistindo com ele, até o momento de conseguir talvez gravar um pouco melhor, que é mais para o final do filme. Mas mesmo assim não é uma abertura total, não é. No final do filme ele vai se encaminhando para essa coisa de sair daquele espaço, de que você é uma visita aqui em casa, e ele sempre tinha quase as mesmas falas, “você quer um café”, “você quer não sei o quê”, te dá um distanciamento.

MCB: Você está envolvida em algum outro projeto agora?

CV: Eu estou para terminar agora, até o meio do ano mais ou menos, a minha dissertação. E estou fazendo um outro curta, eu já tinha filmado um material em 2009 e era uma ideia de fazer uma ficção, mas acabou que teve alguns problemas. Minha esperança era de fazer um filme que fosse talvez um pouco grandioso em termos de produção, e aí eu fui filmando, mesmo meio que por conta própria. É um filme sobre uma menina que colecionava lágrimas e queria ser atriz, e a menina que faz o papel desse personagem criança é filha de uma amiga minha. Na época em que eu estava filmando, eu já tinha feito três tipos de gravação, eu acabei desistindo um pouco, porque a pessoa que ia fazer o papel da personagem foi para Londres. Depois eu fiquei pensando que quando ela voltasse a gente pudesse terminar o filme, mas aí aconteceu essa coisa no ano passado, ela foi assassinada, morreu, e isso me deu um choque, e fiquei pensando que...

MCB: Quem, a Cecília Bizzotto? 

CV: Sim, a Cecília, ela estava esperando terminar a eleição. Claro que você pode colocar outro ator, o filho dela atuou no filme, dava maior força para fazer esse filme. Então eu mudei a estrutura desse filme, eu pensei assim num filme que não termine, um filme que a diretora não consegue terminar, e aí começa a virar uma coisa meio que docfic. Eu estou trabalhando nisso agora, de chamar uma atriz para fazer o que seria o meu papel de se perder no meio dessa história que não se consegue terminar, por várias questões, questões de produção, questões pessoais etc. É esse filme que eu estou produzindo agora.

MCB: Pra terminar, as únicas duas perguntas fixas do site. Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista, como homenagem? 

CV: Como homenagem? A Paula Gaitán, não tem como, ela está até aqui, eu admiro o trabalho que ela faz, eu fiz pesquisa em cima do filme dela, Diário de sintra. Eu acho o filme assim poeticamente maravilhoso, como ela conseguiu construir um filme fora de um clichê que é falar sobre Glauber Rocha diante de tanto documentário que já foi feito sobre ele. De ter um olhar sem ser muito fixo na pessoa dele, mas como ela se expõe poeticamente na frente dessas imagens. Ela é uma pessoa que está produzindo, ela está terminando um filme, mesmo nas dificuldades está aí produzindo, é uma pessoa que eu admiro.

MCB: E qual foi o último filme brasileiro que você viu, sem ser na Mostra de Tiradentes?

CV: O último filme foi O som ao redor.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada durante a 16a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.