Ano 20

Fernanda Hallak

A produtora Fernanda Hallak nasceu em São João Del Rei (MG), em 18 de janeiro de 1973. Graduada em Ciência da Computação, trabalhou na área de 1995 até 1997, até que o cinema cruzou o seu caminho por meio do convite da irmã, Raquel Hallak, para mudar seu escritório para a sede de sua produtora, a Universo Produção: “Teoricamente, a Universo ia ser só um espaço físico para um trabalho meu particular, entendeu? E aí não teve muito jeito, eu estando lá dentro atendia um telefonema, ela me pedia uma ajuda, ia a uma reunião e perguntava se eu não queria ir junto, daí na hora que eu vi eu já estava completamente envolvida no trabalho da Universo. A Mostra de Cinema começou em janeiro de 98 e essa mudança se deu no início de 97, em abril de 97”.

Nascia aí a 1ª Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada pela Universo Produção, formada por Raquel Hallak e Quintino Vargas, mais Fernanda Hallak, que, desde o início, assume a área de logística: “Como sou formada em computação, a minha área é muito essa parte de organização, de lógica, matemática mesmo. A Raquel é muito essa parte da ideologia, o que pensa, o que pretende, planejamento e tudo. Já o Quintino é muito na parte técnica, como viabilizar tecnicamente o acontecimento. Eu acabei entrando naturalmente nessa parte de organização, desde a primeira edição eu estou envolvida tanto nessa parte de organização do evento, de logística mesmo, de convidados, quanto na parte burocrática, que é essa parte de Lei de Incentivo, de prestação de contas, de planejamento do evento”.

A Mostra de Cinema de Tiradentes é um dos eventos cinematográficos mais importantes do país, e a bem-sucedida experiência resultou, anos depois, em mais duas mostras, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, e a CineBH – BH International Film Festival, todas com espaço generoso para o cinema brasileiro, sendo as duas primeiras exclusivas sobre a nossa cinematografia. À frente da logística das mostras, Fernanda vivencia todas as etapas: “Quando vai chegando nessa época, que é meio angustiante, da pré-produção, que você não sabe ainda qual é o tamanho que o evento vai ter, o que ele tem de garantia, ou não tem nenhuma pra se realizar. Todo ano é a mesma coisa, isso me estressa, me dá aquela angústia. Mas quando eu chego em Tiradentes, por exemplo, e vejo aquela tenda montada, sabe, vejo a praça funcionando, vejo as pessoas circulando, e todo mundo feliz, os encontros acontecendo, os debates com a sala cheia, o público, isso pra mim, se você me pergunta se tem uma coisa boa pra mim, é ver o evento acontecendo”.

A produtora Fernanda Hallak conversou com o Site Mulheres do Cinema Brasileiro durante a 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013. Ela fala sobre sua trajetória, sua formação, o encontro com o cinema, o trabalho na Universo Produção, o surgimento da Mostra de Cinema de Tiradentes, a CineOP e a CineBH, os meandros da logística, e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Bom, para começar, origem, data de nascimento e formação.

Fernanda Hallak: Nasci em São João Del Rei, em 18 de janeiro de 1973, eu sou formada em Ciência da Computação.

MCB: Como se dá essa passagem, na sua trajetória, da Ciência da Computação para o cinema?

FH: Eu me formei em 1995, trabalhei na área até 97. Em 97 a empresa em que eu trabalhava fechou, eu estava para procurar um novo emprego e coincidiu, exatamente, na mesma época em que a Raquel (Hallak) estava saindo do Sesi, onde ela trabalhava. A Universo Produção já existia, mas enquanto produtora, a gente não tinha uma atuação grande, não tinha muita função ainda, não atuava muito, fazia pequenos trabalhos. A Raquel resolveu pedir demissão do Sesi em 97 e resolveu assumir a Universo Produção para ser independente, autônoma. Ela então me convidou talvez não a trabalhar na Universo, mas usar a Universo como ponto de referência, que eu levasse meu computador para lá pra atender, porque eu ia continuar trabalhando na área de computação. Eu aceitei, porque não queria procurar emprego em outra empresa não, queria trabalhar por minha conta. Aí eu levei meu computador, comprei uma mesa, uma cadeira, coloquei dentro da Universo. Teoricamente, a Universo ia ser só um espaço físico para um trabalho meu particular, entendeu? E aí não teve muito jeito, eu estando lá dentro atendia um telefonema, ela me pedia uma ajuda, ia à uma reunião e perguntava se eu não queria ir junto, daí na hora que eu vi eu já estava completamente envolvida no trabalho da Universo. A Mostra de Cinema começou em janeiro de 98 e essa mudança se deu no início de 97, em abril de 97.

MCB: Já eram a Raquel e o Quintino (Vargas)?

FH: Já eram a Raquel e Quintino. A Universo funcionava em uma sala pequenininha na Rio Grande do Norte. Quando a Raquel resolveu sair do Sesi e assumir a Universo ela alugou o espaço onde está até hoje, na Serra. Ela estava acabando, literalmente, de montar a produtora, comprando o mobiliário, montando a produtora fisicamente e eu entrei junto, no mesmo momento. Então foi assim uma coincidência, se é que existem coincidências, de momentos da minha vida e de mudança na vida dela também, isso foi em 97. A gente não imaginava, a gente não criou a produtora pra fazer a mostra de cinema, a produtora já existia, esse plano da mostra de cinema aconteceu mais no segundo semestre de 97. Nós fizemos a primeira mostra em 98 sem saber até exatamente o que ia ser isso, sabe, a gente pensou em exibir os filmes aqui (em Tiradentes), inaugurar o Centro Cultural, que estava fechado. A Raquel conhecia muito o Yves Alves, ele montou isso aqui e estava fechado. Ela então falou “vamos exibir uns filmes lá, vamos inaugurar, vamos abrir as portas do Centro Cultural”. Mas nem a gente tinha noção da dimensão que o evento ia tomar, porque quando a gente começou a fazer contato com diretores e produtores para falar de cópias de filme, todo mundo se espantou e falou “até que enfim uma mostra de cinema em Minas Gerais, até que enfim o estado vai ganhar uma mostra”. A receptividade foi muito grande. Na primeira edição nós não sabíamos exatamente o que era, como que ia ser a receptividade, o que ia acontecer, quantos convidados viriam, como o público da cidade ia receber esse evento. Então foi uma grande surpresa ser bem-sucedido desde a primeira edição, em termos de receptividade, sabe, de presença, e daí pra frente, segunda edição, terceira edição, sempre.

MCB: Nessa primeira edição você já trabalhou na formatação da mostra?

FH: Já trabalhei na formatação.

MCB: E já estava definido que você cuidaria da logística ou nesse momento todo mundo fazia tudo? Como foi?

FH: Na verdade, como que sou formada em computação, a minha área é muito essa parte de organização, de lógica, matemática mesmo. A Raquel é muito essa parte da ideologia, o que pensa, o que pretende, planejamento e tudo. Já o Quintino é muito na parte técnica, como viabilizar tecnicamente o acontecimento. Eu acabei entrando naturalmente nessa parte de organização, desde a primeira edição eu estou envolvida tanto nessa parte de organização do evento, de logística mesmo, de convidados, e tudo quanto na parte burocrática, que é essa parte de Lei de Incentivo, de prestação de contas, de planejamento do evento.

MCB: Você formata os projetos? 

FH: Sim.

MCB: Prestação de contas também?

FH: Também.

MCB: Nossa, muito trabalho.

FH: Pois é.

MCB: Por que vocês pensaram numa mostra de cinema? Ainda que vocês não sabiam onde isso ia dar, como seria, mas por que veio essa vontade?

FH: Na verdade, o primeiro convite veio assim. A Raquel trabalhava com a Maria Alice Martins, no Sesi, e na época a Maria Alice falou com a Raquel “vamos exibir uns filmes lá em Tiradentes, no Largo do Ó?”. A primeira proposta era essa, lá no Largo do Ó, onde exibiam uns filmes ao ar livre. A Raquel então falou para Maria Alice que topava, mas que não queria fazer uma coisa qualquer não, exibir uns filmes na rua não. Ela então propôs “vamos fazer uma coisa organizada, vamos planejar uma mostra, uma coisa bacana”. Porque a Raquel já tinha esse afeto com o Yves Alves e queria muito ver isso aqui funcionando, esse Centro Cultural funcionando, porque ele já estava há quase um ano com as portas fechadas, sem inaugurar. Ela então propôs isso, não fazer uma coisa pela metade, mas fazer uma mostra de cinema, abrir o Centro Cultural? Só que, desde a primeira edição, o evento não ficou restrito a esse espaço, desde a primeira edição a gente montou uma lona de circo lá no Largo das Mercês, porque nós acreditávamos muito nesse negócio do público, da praça, do acesso. Então você fazer uma coisa entre quatro paredes às vezes a cidade não participa, não vê o que está acontecendo. Desde a primeira edição a gente teve essa preocupação de levar o evento pra rua para propiciar o acesso do público mesmo, uma tenda de circo que era aberta ao público, como sempre foi. Nós formatamos uma primeira edição, desde o início ela tinha nove dias, mas ela tinha muito menos sessões, porque eram dois cinemas só, um aqui no Centro Cultural e um lá. Quando tudo aconteceu aqui, a abertura era aqui, o encerramento era aqui no teatro, bem pequenininha, um tetro de 150 lugares, que não cabia todo mundo, entendeu? Eram poucos filmes também que tinha pra exibir, porque desde a primeira edição a gente decidiu que seria cinema brasileiro. Era época de retomada, estava reiniciando a produção, a gente exibiu quatro curtas na primeira edição, não tinha mais produção. Naquela época tinha a divisão de vídeo, de curta que era película, só película, e de longa que era só película também. Isso está mudando de pouco tempo para cá, alguns anos para cá. Então era assim, tinha uma produção de vídeos grande que a gente exibia aqui, onde é a sala de imprensa hoje era a sala de vídeo, pra você ter uma ideia. Na verdade, todas as salas do Centro Cultural eram disponibilizadas pra nós, então a gente conseguia colocar a sede do evento toda aqui dentro. Então assim, aqui era um dos cinemas, a tenda era o outro, e onde é a imprensa era a sala de vídeo, a gente escurecia a sala toda e fazia exibição de vídeo aqui, em VHS, naquele formato.

MCB: O cinema já permeava a sua vida, o seu imaginário, ou você era mais distante desse universo?

FH: O cinema sempre esteve presente em minha vida porque eu sou de São João Del Rei e lá tem uma sala de cinema, tinha duas salas de cinema na época que eu morava aqui. Minha mãe gostava muito de cinema, gostava muito de nos levar quando passava aqueles clássicos, Marcelino pão e vinho, A noviça rebelde. Porque São João Del Rei recebia filme antigo, não tinha essa de estrear e no dia seguinte estar em cartaz aqui, era coisa que levava meses, às vezes anos para poder chegar um filme novo aqui. Mas era um programa que a gente gostava muito de fazer em família, muito. Agora, eu sou da área de exatas, eu nunca imaginei que um dia eu iria abandonar a área, entre aspas, né, porque você acaba não abandonando, você usa tudo o que você aprendeu no dia-a-dia. Mas eu não imaginei que eu iria sair de uma área de exatas, de computação, que era a minha formação pra trabalhar. Tudo bem que é logística, que é exatas, mas com cinema, porque na logística se lida com gente o tempo inteiro, com convidados, com a equipe de trabalho, com todo mundo. Então assim, existe uma temática ali das planilhas, de quem está chegando, de quem está saindo, quem vai ficar hospedado, que dia que vem, que dia que volta, mas o tempo inteiro você lida com gente. Então eu brinco, eu falo gente, quando na minha vida eu podia imaginar que eu vejo uma pessoa em uma tela de cinema, em uma televisão, e agora eu estou conversando pessoalmente com ela, sabe, naturalmente. Para mim, quando eu paro pra pensar na trajetória, eu fico surpresa com o caminho que a vida seguiu, entendeu, porque não era um plano meu, não era.

MCB: Na logística das mostras você cuida de tudo? É claro que você tem uma equipe, mas você cuida de tudo?

FH: Cuido de tudo.

MCB: Desde os convidados.

FH: Tudo, imprensa...

MCB: O tráfego de filmes?

FH: Não, tráfego de filme até bem pouco tempo atrás eu ainda cuidava mais diretamente, hoje a gente dividiu essa área, ela saiu da área de logística diretamente. Existe uma pessoa que cuida só dessa parte de tráfego de filmes.

MCB: A logística hoje constitui-se em quê?

FH: Hoje a logística é tudo que precisa para funcionar o evento em termos de viabilizar a presença de convidados, equipe de trabalho e imprensa. Então é você pensar assim: você pega nosso mapa geral de pessoas que estão no evento, todas as pessoas que chegam de credenciamento, todo mundo que chega ao evento, que participa de alguma forma. É a logística que tem o controle disso, que dia a pessoa está chegando, que dia ela está indo embora, se ela está hospedada com a gente ou não está, se usa nosso transporte ou não, se a gente tem que emitir passagem aérea, o horário, quando, onde. Tudo, tudo, tudo que está aqui de gente participando do evento é a logística que cuida.

MCB: De lá para cá não só a mostra de Tiradentes cresceu, como tem mais duas mostras, a de Ouro Preto e a de Belo Horizonte. Fora essa questão proporcional, o trabalho da logística mudou muito? Não estou falando de tecnologia, estou dizendo na forma mesmo.

FH: Mudou. Na verdade o trabalho, o fim do trabalho, é o mesmo: proporcionar a presença de convidados, imprensa e equipe, isso continua o mesmo. Mudou o número de convidados que hoje é muito maior, porque o que acontece, eu vejo assim: por exemplo, aqui na mostra de Tiradentes, antes você convidava uma pessoa, o filme tinha um representante, vinha uma pessoa do filme para cá por conta do evento. A gente oferecia hospedagem, alimentação e transporte para um representante e pronto acabou. Hoje não, a pessoa fala assim “olha, ok, eu estou indo como representante oficial, mas estão indo mais cinco pessoas na minha equipe, estão indo por conta própria”. A gente ainda tem que ter noção de quem são essas pessoas que estão chegando, se vão receber crachá ou não, se tem kit ou não, toda uma lógica, porque a gente procura ser justo com todos os filmes. Então é assim, longa tem dois representantes, então tem tudo para dois representantes, daí vem um representante extra: o que ele tem direito? Tem direito a um crachá? Nós controlávamos antes, sei lá, 200 convidados, hoje a gente controla 500, mesmo que de forma indireta, entendeu? Exatamente por ter se tornado uma mostra conhecida, por ter visibilidade, por as pessoas considerarem importante participar, estar presente, acompanhar o filme, ver o lançamento. Esse número de pessoas, que antes era restrito ao que a gente oferecia, hoje as pessoas veem por conta delas, às vezes nós nem sabemos que estão aqui, vêm por conta. Quando vai chamar uma equipe lá na frente, chamamos diretor e equipe, daí para mim tem três pessoas e sobem 10 no palco, eu nem sei quem são as outras sete que vieram por conta própria. Aumentou muito esse volume, coordenar esse volume de pessoas que participam do evento.

MCB: Na sua área específica, para colocar uma mostra como a de Tiradentes de pé, quanto tempo de trabalho anterior é necessário? Como vocês começam? 

FH: Na verdade são etapas, o trabalho da mostra como um todo é contínuo, ele não tem isso de você acabar uma mostra e já estar começando. Porque se você pensar o processo todo de pensar, elaborar o projeto, colocar ele no papel, inscrever em uma lei ou em um edital, então assim, entre escrever um projeto, aprovar em uma lei, realizar e prestar contas, você já presta contas do projeto já escrevendo uma próxima edição. Ele é contínuo, o ano inteiro tem alguma coisa da Mostra de Cinema de Tiradentes acontecendo, ou seja pensando na próxima edição, seja prestando contas da edição anterior, seja produzindo porque está no momento de produzir, é contínuo, ele não para. Agora a produção em si começa com a inscrição de filmes. Por exemplo: Tiradentes acontece em janeiro, quando a gente abre inscrição de filmes em setembro aí você já abre meio que uma janela para o público. Nós estamos ali por enquanto trabalhando internamente, fazendo capacitação de recursos, fazendo contato com equipe de trabalho, quem vão ser os curadores, quem vai fazer a seleção de filmes, quem vai trabalhar né, na pré-produção do evento. Mas em setembro, quando você abre inscrição para filme, eu considero que a gente está abrindo a próxima edição para o público, que aí começa um diálogo direto.

MCB: E isso triplicou, porque ainda tem mais duas mostras, uma no meio do ano e uma no final, você acaba trabalhando ao mesmo tempo, não é?

FH: Exatamente, porque têm três mostras, a gente também faz esse trabalho integrado de inscrição, quando nós abrimos em março a inscrição, estamos abrindo inscrição para Tiradentes e para Ouro Preto, então você já abriu a janela de Ouro Preto também. Tudo bem que os filmes vão chegar, são dois processos de seleção independentes, você tem um processo de seleção para Tiradentes e fala se o filme foi ou não selecionado. Depois você abre outro processo de seleção para Ouro Preto, que fala se o filme foi ou não selecionado, mas você já abriu a janela pra Ouro Preto, entendeu? Então quando a gente abre em março para Ouro Preto, você já abriu uma janela para Belo Horizonte também. É um trabalho realmente contínuo, ele acontece o tempo inteiro.

MCB: É uma equipe quase fixa, não é? 

FH: É, nós temos uma equipe da Universo, nós temos o privilégio, que eu acho que faz toda a diferença, de contar praticamente com a mesma equipe todos os anos. Nós temos uma equipe fixa que trabalha na Universo e tem as pessoas que são contratadas para trabalhar para o evento. E essas pessoas trabalham com tanto amor, com tanto carinho, que, às vezes, elas tiram férias do trabalho fixo que elas têm para trabalhar na mostra. Eu acho isso um grande privilégio para nós enquanto organização porque são pessoas que têm afinidade, que já conhecem como o evento funciona, eu acho que isso minimiza erro, sabe.

MCB: Não tem que ficar formando.

FH: Não tem que ficar formando todo ano uma pessoa nova. Claro que sempre tem uma renovação, sempre tem alguém novo na equipe, mas você tem, sei lá, cinco pessoas da anterior e uma nova, em um instantinho ela pega o trabalho, acompanha. É diferente de você renovar uma equipe a cada ano e começar do zero. Então nós temos esse privilégio de contar com uma equipe que é permanente, isso é muito bom.

MCB: Você se relaciona com outras equipes de produção de outros festivais, de outras mostras?

FH: Até um tempo atrás nós tínhamos um intercâmbio muito grande com alguns festivais de
 cinema. Quando acontecia a Mostra de Cinema de Tiradentes nós convidávamos um diretor de festival pra vir pra cá, oferecia pra ele hospedagem, alimentação, transporte. Até porque tem essa reunião dos fóruns dos festivais, e tudo, e em contrapartida, eles faziam reciprocidade do convite. No início da Mostra de Cinema de Tiradentes eu frequentei muitos outros festivais, eu tive essa oportunidade de conhecer o Festival de Brasília, Recife, Gramado, Fortaleza, Florianópolis, Curitiba, Belém. Eu circulei muito, conheci muitas pessoas que trabalham em festivais e isso foi muito importante até para ajudar a conceber o nosso festival aqui, enquanto produção, organização. Porque imagina, a gente estava na primeira edição e Gramado estava na vigésima oitava edição, entendeu? Então muita coisa se aprende, a gente fala “nossa, essa coisa aqui funciona, é melhor assim, tíquete de refeição pode ser dessa forma que é legal”. Esse contato com outros festivais, esse intercâmbio com outros festivais foi muito importante para a gente aprender o que funciona e o que não funciona, tipo isso eu não quero que aconteça nunca lá em Tiradentes, isso aqui eu não vou admitir, esse tipo de tratamento nosso. Aí você fica preocupado, você fica mais atento, porque quando você está fora você tem um olhar diferente, quando a gente está trabalhando em um festival você fica muito absorvido pelo trabalho e, às vezes, você não se dá conta do que está acontecendo fora. Quando você está no festival você fica mais aberto a tudo que acontece, você consegue perceber “nossa, isso é muito bacana, vou trazer isso, acho que funciona, isso não é legal, tem que ficar atenta pra não deixar que isso aconteça lá”.  Eu tenho sim contato com os organizadores de outros festivais, hoje menos, ficávamos amigos, tinha até contato de amizade, mas hoje eu frequento menos, até por causa disso, de fazer três festivais, ficar ausente para viajar é uma coisa que não comporta mais.

MCB: Existem muitas mulheres produtoras. Alguns cineastas, algumas equipes dizem “é, mulher é boa para ser produtora”, já que é, geralmente, mais detalhista. Tem muitas mulheres fazendo mostras e festivais?

FH: Nossa, tem demais. Dos festivais, esses próximos, a maioria, se não é uma diretora, uma coordenadora mesmo mulher, a equipe de trabalho tem muita mulher.

MCB: E porque você acha que nesses casos a produção funciona tão bem?

FH: Eu acho que por uma diferença básica: a mulher faz várias coisas ao mesmo tempo. Você consegue atender um telefone, anotar, dar um recado, você domina isso, eu acho que isso é uma diferença básica de homem pra mulher. Para homem você dá duas tarefas ele não sabe se faz uma ou se faz outra, as duas ao mesmo tempo é muito difícil. Então eu acho que na produção isso faz toda diferença, na produção você está indo fazer uma coisa, aparece uma coisa que você tem que resolver aqui e agora, você para aqui, faz aqui, volta pra cá. Eu acho que essa dinâmica é uma característica de mulher, de fazer várias coisas ao mesmo tempo: você cozinha, lava, passa, cuida do menino, cozinha, arruma a mesa. Se você fala isso para um homem fazer ele não consegue, é isso ou isso aqui. Eu acho que essa diferença para produção em si, seja do que for, de um filme ou de um festival, essa coisa que exige um dinamismo, eu acho que mulher lida melhor.

MCB: Na sua própria equipe tem mais mulher, não é? 

FH: Tem, tem mais mulher na produtora. Tem dois homens, que são só o Rômulo e o Quintino. O resto tudo é mulher, o financeiro é mulher, a secretária é mulher, tem eu e a Raquel, e aí tem uma bancada de oito computadores, só mulheres. Não que tenha que ser assim, é porque acaba sendo esse o perfil mesmo do trabalho.

MCB: Além das três mostras, vocês continuam trabalhando com cinema brasileiro em outras instâncias, não é? Há pouco tempo vocês trabalharam no lançamento de alguns filmes.

FH: É, nós trabalhamos, mas trabalhar em lançamento de filme não é uma coisa muito comum, que a gente faz com muita frequência não. Às vezes acontece de filmes que são exibidos em Tiradentes, aí eles vão ser lançados em Belo Horizonte e o produtor nos procura precisando de apoio para fazer o lançamento. A gente já fez sim, mas não é uma coisa muito frequente.  Tem um trabalho que nós fizemos que foi de circulação em cidades, a gente fez no Triângulo Mineiro, nós visitamos 69 cidades do Triangulo Mineiro e finalizamos em Belo Horizonte. Nós temos o Cine Expressão, que no ano passado a gente realizou em Tiradentes fora do período da Mostra, porque é esquema de tirar o aluno da sala de aula e trazer para o cinema para assistir um filme e depois debater sobre ele. Como a mostra acontece em janeiro, nós nunca tínhamos tido a oportunidade de fazer isso aqui porque é período de férias. Quando inaugurou o cinema aqui no Sesi, em setembro do ano passado, nós trouxemos uma proposta para eles e eles abraçaram, que era de trazer o Cine Expressão. Então no final do ano passado nós trouxemos todas as crianças, todos os alunos da rede pública de ensino para assistir a uma sessão de filme aqui e depois fazer um debate, foram mais de 1200 alunos atendidos. Ao longo do ano nós temos esses projetos que caminham paralelos às mostras de cinema.

MCB: As mostras de Ouro Preto e de Belo Horizonte já têm um perfil muito forte desde o início, que é a questão da memória e do patrimônio, em Ouro Preto, e a questão do mercado, em Belo Horizonte. A mostra de Tiradentes tem a questão do cinema contemporâneo, mas durante esse trajeto ela mudou bastante, principalmente no nível conceitual de curadoria. Você interfere, você trabalha junto nessa questão ou é só na logística mesmo?

FH: Na hora de conceber a mostra é um trabalho em conjunto, nós discutimos muito quando vamos escolher qual será o tema da mostra. Existe o trabalho da curadoria, que é feito em cima, na verdade, da safra de filmes. Isso é uma coisa que foi decidida em conjunto, quando a gente decidiu, desde a primeira edição, que seria o cinema brasileiro, não tinha muita produção para nós escolhermos exatamente o que queríamos passar ou o que não queríamos, era o que tinha pra passar, é o que era produzido. Quando essa produção foi aumentando, nós precisamos guiar para um perfil, definir um perfil, porque são mais de 240 festivais de cinema no Brasil. Se você não define o que o seu festival tem de diferente, qual é a proposta dele ou qual é o tema que ele vai tratar, você está entre os 240, é mais um. Então, diante do perfil dos filmes que a gente recebia para inscrição, a proposta de ser só cinema brasileiro, é que se decidiu por cinema brasileiro contemporâneo. Acabou sendo um cinema brasileiro contemporâneo independente, principalmente depois do digital, que passou a ter uma facilidade muito grande, muito maior para se produzir um filme. Quando nós estamos no planejamento junto com a curadoria, a curadoria assiste a todos os filmes, coisa que a gente não faz. Nós contratamos as pessoas especializadas, nem eu, nem a Raquel e nem Quintino somos especializados em cinema, por isso nós contratamos uma equipe para isso. Quando eles assistem a todos os filmes nós fazemos uma reunião, existem reuniões em conjunto com a coordenação e eles propõem o tema: vamos tratar disso, nossa proposta é essa, esse é o homenageado. Nós decidimos isso em conjunto, então existe um momento de elaboração em conjunto ali, que eu participo, que a Raquel participa muito, sabe, desde os temas dos debates, as pessoas que vamos convidar, isso é uma coisa planejada em conjunto. Eu acho isso bacana porque tem uma troca, porque ao longo também desses 16 anos tem muita coisa que a gente fala “não, esse cara não tem muito perfil para essa mesa, quem sabe esse aqui não é melhor”. Então a coisa não chega já pronta e a gente já executa, existe uma troca, sem dúvida, tem uma troca ali antes de fechar a programação, de falar é isso aqui, fechamos.

MCB: Cuidar da logística, mesmo com essa experiência toda, continua sendo difícil ou é mais tranquilo?

FH: Eu acho que é assim, o trabalho é o mesmo, a gente é que muda. Antes eu ficava extremamente nervosa, ansiosa, faltando uma semana para o evento não tinha nem um mapa de hospedagem pronto e eu ficava de cabelo em pé. Hoje eu já entendo que é assim que funciona, uma semana antes eu vou estar começando a fazer meus mapas porque não adianta fazer antes, porque tudo vai mudar, o convidado vai desistir, o outro vai aparecer.  Então você aprende a lidar, não é menos trabalho, a gente é que muda em relação ao que tem que fazer. Eu mudei, sabe, eu era uma pessoa extremamente ansiosa, aflita, porque eu gosto das coisas todas certinhas. Eu lido com gente, imagina você chegar no hotel e o nome do hospede não estar lá? O que você faz?  Porque nós temos o maior desafio da logística, principalmente, em Tiradentes, que é você lidar com 30 pousadas, entendeu? É muito fácil quando a gente faz mostra de cinema de Belo Horizonte, eu escolho um hotel, reservo 60 apartamentos, e pronto. Se eu precisar de um apartamento a mais não tem problema, ele vai ter um apartamento a mais. Aqui não, aqui eu tenho tudo fechado, se me disserem que está chegando um convidado hoje, eu não sei o que pode ser, pode ser que não na tenha hospedagem para ele. É um desafio muito grande pra logística.

MCB: Além da relação comercial, imagino que tenha também o lado da parceira, não é? Porque, como você consegue fechar seu mapa muito em cima, como você faz para fazer essas reservas? Ou você já tem um número específico?

FH: Não, eu pego um histórico das edições anteriores. Tem pousadas que eu já sei que vou fechar a pousada, eu já fecho todos os apartamentos.  Tem outras que vão um pouco no risco, eu vou ligar e pode ter ou não, é um risco que eu corro. Mas eu já faço na pré-produção, quando a gente faz a visita nas cidades para fechar os restaurantes, fechar as pousadas, eu já faço esse bloqueio, eu já falo mais ou menos o que eu vou precisar. Aí, mais próximo do evento, quando eu estou mais ou menos com o número de convidados e se sobram apartamentos, eu tenho um prazo para poder liberar esses apartamentos.  Mas pra isso já existe um histórico, eu trabalho em cima de um histórico.

MCB: Vale o mesmo para os restaurantes?

FH: Não, com os restaurantes é um pouco diferente, porque restaurante você não tem que contratar  previamente as refeições, você tem que negociar qual é o cardápio, qual é o valor da refeição. Eu não tenho nem como falar para o restaurante quantas pessoas vão almoçar lá ou jantar naquele dia.

MCB: A demanda é ele que atende. 

FH: É, ele arca com isso. Ele não lida só com o convidado da mostra, é diferente de quando você abre um restaurante para atender ao seu evento, quantas refeições por dia. Ele tem que se programar, o restaurante está aberto para o público, para mostra e para quem quiser entrar. Nós temos uma negociação prévia de cardápio, de valor, de horário de funcionamento, que são aquelas informações que vem no verso do tíquete. Nós fazemos o acerto no final, eu recolho os tíquetes, faço o acerto, é assim o combinado. Como você é livre pra escolher onde vai almoçar e jantar, eu não tenho como dar uma previsão de quantas refeições vão ser consumidas. Entendeu, então é um risco.

MCB: Nesses anos todos você consegue se lembrar de alguns momentos difíceis, muito difíceis ou momentos muito bons?

FH: Difíceis eu vou até lembrar, mas são coisas que eu não procuro guardar muito não, sinceramente. Agora, pra mim, todo ano eu acho que renova, porque eu acho que é uma grande loucura fazer mostras, se você quer saber, eu acho uma coisa meio insana. Todo ano parece que é a primeira vez, todo ano tem que aprovar projeto, escrever projeto todo ano, então você tem que correr atrás de patrocínio outra vez. Quando vai chegando nessa época, que é meio angustiante, da pré-produção, que você não sabe ainda qual é o tamanho que o evento vai ter, o que ele tem de garantia, ou não tem nenhuma pra se realizar. Todo ano é a mesma coisa, isso me estressa, me dá aquela angústia. Mas quando eu chego em Tiradentes, por exemplo, e vejo aquela tenda montada, sabe, vejo a praça funcionando, vejo as pessoas circulando, e todo mundo feliz, sabe, os encontros acontecendo, os debates com a sala cheia, o público, isso pra mim, se você me pergunta se tem uma coisa boa pra mim, é ver o evento acontecendo. A cada ano que eu chego, que eu vejo a tenda, eu chego normalmente na quinta-feira à noite, aí eu passo, vejo a tenda, entro aqui no Centro Cultural, fico o dia inteiro trabalhando, aí quando eu entro dentro daquela tenda pra abertura lotada, é que eu respiro, eu falo “gente, virou realidade”. O projeto que você pensa e vê acontecendo, isso pra mim, eu acho, é o que me renova para seguir, sabe, pra falar “não, vale apena, vamos lá, mais uma edição”.

MCB: Tanto a mostra de Tiradentes, quanto as de Ouro Preto e de Belo Horizonte já tomaram seu caminho, não é?

FH: Eu acredito que sim, acho que as pessoas já entenderam, acho que o perfil é bem definido. Em Ouro Preto o encontro de arquivo, a gente recebe mais de 80 convidados só para o encontro de arquivo, são pessoas que quando nós organizamos o primeiro encontro elas sabiam que existiam, mas elas nunca tinham se encontrado. O evento proporcionou esse encontro, é uma data que todos eles esperam chegar o ano inteiro, é o momento que eles têm junto para discutir, para debater, para levantar ideias, propostas. Então já está com um perfil muito definido. Belo Horizonte com o Brasil Cine Mundi, com essa coisa toda de mercado, de projeto, eu acho também que as pessoas já captaram o que é, sabe, de público. E a receptividade até dos convidados internacionais, que é uma coisa que para nós foi surpreendente, porque são convidados importantes que já participaram da mostra, que circulam o mundo inteiro em festivais e que vão a Belo Horizonte e dão um respaldo para nós. E falam “nossa, muito bacana, isso aqui está legal, os projetos são bons”. E querem voltar no ano seguinte para participar. O perfil está bem definido, são mostras independentes, mas, ao mesmo tempo, complementares, uma completa a outra.

MCB: Eu não te perguntei lá no começo: você falou que entrou já no início dos trabalhos da mostra aqui de Tiradentes, mas oficialmente você já entrou naquela época na Universo? 

FH: É, na verdade eu era uma coisa meio autônoma, não era funcionária da Universo, era uma coisa meio independente. Eu estava ali participando, fazendo parte do processo, entendeu, porque nem eu sabia se ia continuar, se aquele ia ser meu caminho ou não, eu não sabia exatamente. Demorou um tempo para eu entender que vou trabalhar na Universo, estou aqui, vou fazer o que for, eu faço parte da empresa. Demorou um tempo ali, sabe, foi um pouco depois da mostra que a gente entendeu que era um evento que tinha continuidade, que tinha outras coisas para fazer. Aí eu decidi, literalmente, não mexer mais com computação para trabalhar na Universo com cultura, seja festival de cinema, seja show, o que for. E aí eu segui por esse caminho, entendeu, mas foi uma transição muito natural, não foi coisa planejada , eu vou deixar de fazer isso para fazer isso aqui, as coisas foram acontecendo, quando eu me dei conta eu já estava lá dentro.

MCB: Você pensa em continuar ou é possível, para você, fazer uma outra mudança na sua vida profissional?

FH: Ah, essa pergunta é difícil. Porque se você perguntar assim para mim, se eu quero parar, não, não quero. Agora, se é o que eu vou fazer indefinidamente eu não sei também te dizer isso. Eu acho que não tem muito como não estar envolvida de alguma forma, sabe, eu acho que é uma coisa tão forte e são tantos anos, 16 anos trabalhando com isso, e depois com mais duas mostras, que não tem muito como você falar nunca mais vou mexer com isso, vou fazer agora outra coisa completamente diferente. Eu acho que de alguma forma eu vou estar envolvida, agora se eu vou estar durante muitos anos ainda organizando, trabalhando com logística, especificamente, eu não sei.

MCB: Mas você tem outros desejos profissionais? Em termos de desejo.

FH: De desejo eu tenho, eu tinha um ateliê de mosaico, eu tenho muita vontade de voltar com ele, era uma coisa que eu fazia paralelo e que depois que surgiram essas duas novas mostras eu deixei de ter tempo para isso, é uma coisa que eu quero voltar a fazer.

MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site: qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você registra aqui na sua entrevista como homenagem? E qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu fora da mostra? 

FH: O filme foi Verônica (Era uma vez, eu Verônica), Marcelo Gomes. Uma mulher que eu admiro no cinema brasileiro, e pra qual eu quero fazer a minha homenagem, é para a Dira Paes. Eu acho uma superatriz, competente, que esteve à frente das câmeras em muitos filmes nacionais, não  só na televisão, ela é uma atriz de cinema, além de ser uma pessoa maravilhosa, então para mim é ela. 

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada durante a 16a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013.

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 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.