Ano 20

Dora Pellegrino

A atriz Dora Pellegrino nasceu em 8 de março, no Rio de Janeiro (RJ). A vontade de ser atriz se deu cedo: “Desde pequena, nós tínhamos curso de teatro no colégio, eu nunca fui uma aluna excelente, mas eu era uma aluna excelente em teatro, era a matéria que eu mais amava, que não faltava e comecei a ver que aquilo era minha vida, isso muito nova mesmo, tipo uns onze anos”. A partir daí jamais abandona os palcos e atua em muitas peças, além de ter integrado um grupo de teatro importante no Rio de Janeiro, o Manhas e Manias.

A estreia na televisão foi em episódio no seriado Ciranda cirandinha, mas já na primeira novela faz muito sucesso com a vilã neurótica Helena em Livre para voar (1984/85), de Walter Negrão: “foi um grande trabalho, eu adorei. Foi uma junção de mil coisas boas, foi uma estreia e tanto porque primeiro eu contracenava com um grande parceiro que era o Strazzer (Carlos Augusto Strazzer), grande, grande, a gente teve uma química sensacional, a gente ficou muito amigo. Então tinha um gás, tinha uma vontade, eu ia ali como se fosse fazer um Shakespeare por noite, decorava aquilo com mil formas de falar, de fazer, enfim eu fui bem feliz nessa novela”.

Dora Pellegrino estreia no ótimo Cabaret mineiro (1980), de Carlos Alberto Prates Correia: “Me lembro do Nelson Dantas me falando “Dora, você não precisa rir hahaha, pode rir mais menorzinho”, me dando uns toques bacanas. Enfim, eu não tinha noção, para mim o espaço era o espaço do teatro, não tinha sacado, aí você vai entendendo, obviamente, o que era aquela coisa, que se você fizer o hahaha o público vai sair correndo, você vai engolir o público, é tudo menor, é tudo mais econômico”. Depois atua em filmes importantes, como O homem do pau-brasil (1981), de Joaquim Pedro de Andrade, O segredo da múmia (1981), de Ivan Cardoso, e Urubus e papagaios (1987), de José Joffily.

Dora Pellegrino conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro por telefone de sua casa no Rio de Janeiro, em abril de 2013. Ela fala sobre sua formação, o trabalho no teatro, as peças, a estreia na televisão, as novelas em que atuou, a estreia no cinema, os filmes, a relação com os diretores e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem, data de nascimento e formação.

Dora Pellegrino: Nasci no Rio de Janeiro. Comecei muito nova, teatro, Tablado, depois fiz faculdade de cinema, e vida.

MCB: E a data de nascimento?

DP: 8 de março.

MCB: Você começou muito nova fazendo esses cursos de teatro, isso significa que sua vontade de ser atriz já veio desde pequena?

DP: Desde pequena, nós tínhamos curso de teatro no colégio, eu nunca fui uma aluna excelente, mas eu era uma aluna excelente em teatro, era a matéria que eu mais amava, que não faltava e comecei a ver que aquilo era minha vida, isso muito nova mesmo, tipo uns onze anos. A gente tinha o Damião, que era um professor do Tablado e que dava aula no meu colégio, aliás, ele nem dava aula de teatro, ele era inspetor. Depois formou um grupo de teatro com atores que hoje em dia estão ai na mídia, Pedrinho Cardoso, Chico Diaz, Marquinhos Palmeiras, enfim uma galera bem grande. Nós começamos a fazer um grupo de teatro dentro do colégio e montamos A megera domada, foi minha primeira peça, eu fazia a Megera, Chico Diaz fazia meu pai.

MCB: Você se lembra de quando foi isso?

DP: Eu tinha 13 anos.

MCB: E na sua casa, seu pai, sua família apoiava?

DP: Apoiava, porque estava tão presente em mim que não tinha nem como, era isso que eu queria mesmo. Depois, antes de completar 18 anos, eu fiz uma peça profissional, e aí fui indo.

MCB: Qual é essa peça profissional?

DP: Não me lembro do nome, uma pessoa foi assistir uma aula no Tablado e me escolheu para fazer a peça. Me lembro disso porque eu tive que pedir autorização para meus pais porque eu era menor para trabalhar, mas o nome da peça eu não me lembro mesmo.

MCB: Então sua carreira profissional começou no teatro?

DP: Começou no teatro.

MCB: Você faz espetáculos de teatro como atriz e acaba-se também se transformando em professora. Você poderia destacar alguns espetáculos nessa sua trajetória? 

DP: Atuei em vários. Por exemplo, Boca de ouro foi um espetáculo muito legal, eu fazia a Guigui, com direção do Cláudio Torres. Teve Simbora gente fina, esse eu muito nova. Depois eu fiz A megera domada no Tablado, com direção do Damião, uma peça bem interessante, falava sobre o Rio de Janeiro, sobre a juventude da época. Fiz com a Marília Pêra Adorável Júlia, com direção do Domingos de Oliveira. Depois eu tive um grupo de teatro, ele se chamava Manhas e Manias, foi um grupo muito importante no Rio, nesse grupo tinha Chico Diaz, Lavigne (José Lavigne), Vicente Barcellos, eu, Carine (Cooper). Depois eu fui morar um tempo fora e aí no meu lugar entrou o Débora Bloch. Com esse grupo a gente fez Diante do infinito, fizemos um infantil, que era uma compilação do teatro infantil do Diante do infinito, mas para crianças, era uma coisa meio circense e fez muito sucesso na época. Foi um grupo importante para o Rio de Janeiro, o Asdrúbal (trouxe o trombone), a gente, enfim, grupos que surgiram nessa época, nos anos 80. Depois eu fiz O burguês ridículo com o Marco Nanini, direção do Guel Arraes e do João Falcão. Eu estou dizendo alguns, ok? Eu estou me lembrando aqui, que mais eu posso te dizer? Ah, bom, eu produzi uma peça que foi muito legal, com a Lícia Manzo, Crimes do coração, com de direção do Anselmo Vasconcelos.

MCB: Recentemente você fez Do artista quando jovem, não foi?

DP: Há dois anos eu fiz o Do artista, direção do Marco André e Pedro Kosovski, que fez a adaptação, bem bacana também.

MCB: Como se dá essa trajetória da criança que quis ser atriz muito cedo e depois vira professora de teatro.

DP: Na verdade, eu não virei professora de teatro.

MCB: Não?

DP: Não, eu faço como muita gente aqui do Rio faz, é uma forma de ganhar dinheiro também, Você, você não está empregada na Globo, não está não sei onde, então você dá uma aula de teatro. Eu dei aula na Cal (Centro de Artes Laranjeiras) junto com o Fábio Barreto, que foi meu marido. Dei aula na Faculdade da Cidade, isso muito jovem, com o Damião, comecei dando aula na Faculdade da Cidade, devia ter uns 25 anos. Daí dirigi dois curtas-metragens com um pessoal, porque a gente dava aula de cinema e vídeo, entendeu? Uma época que teve um boom no cinema, então a gente dava curso de cinema e vídeo. Eu comecei com o Fábio, e depois eu dei com o Ilya São Paulo, a gente acabou fazendo dois curtas metragens com o pessoal, com a turma, ficou muito legal, orçamento zero.

MCB: Você se lembra dos nomes?

DP: Um chamava-se Em curso. O outro eu não lembro, mas os dois são muito legais, eu não sei se tem isso, se alguém botou no youtube, eu tenho essas fitas, inclusive, ainda em VHS, para você ver como isso já tem tempo. Eu preciso passar para DVD porque eu estou louca pra ver e não tem como mais por conta de não ter mais aparelho.

MCB: Sua estreia na televisão é no seriado Ciranda cirandinha (1978), não é isso?

DP: Nossa, eu tinha até esquecido disso, eu tinha só quinze anos.

MCB: Foi em 78, tinha dezessete para dezoito. 

DP: 78, nossa muito nova.

MCB: Foi o primeiro não foi?

DP: Foi o primeiro, eu fazia uma participação, tinha uma professora e eu fazia uma das alunas.

MCB: Foi bacana? Você consegue rememorar? 

DP: Foi, foi bacana. Eu tenho muita intimidade com a televisão, eu gosto muito, eu gostaria de fazer mais até, enfim, é um veículo que eu sinto que eu domino, o que já não é o caso do cinema, que para mim é um mistério. 

MCB: Eu conheço seu trabalho na televisão desde a novela Livre para voar (1984/85), que era uma novela muito impressionante porque reunia grandes atrizes novas, que era você, a Cássia Kiss, a Denise Milfont... Eu fiquei muito impressionado com esse seu trabalho, você fazia a Helena.

DP: Helena, foi um grande trabalho, eu adorei. Foi uma junção de mil coisas boas, foi uma estreia e tanto porque primeiro eu contracenava com um grande parceiro que era o Strazzer (Carlos Augusto Strazzer), grande, grande, a gente teve uma química sensacional, a gente ficou muito amigo. Então tinha um gás, tinha uma vontade, eu ia ali como se fosse fazer um Shakespeare por noite, decorava aquilo com mil formas de falar, de fazer, enfim eu fui bem feliz nessa novela.

MCB: E era uma personagem intensa.

DP: Era, era uma doida, que no final enlouquecia mesmo, ela era muito intensa, era complicada a Helena.

MCB: Pelo que disse, a sequência que deu na carreira de atriz na televisão foi tranquila, não é? Porque você faz De quina pra lua (1985/86) e Lua cheia de amor (1990/91). Foi bacana fazer essas novelas?

DP: Foi, porque a Helena era um personagem tão maravilhoso, tão maravilhoso que os outros foram. A Helena marcou, até hoje me reconhecem como Helena, e olha que são anos e anos atrás. Os outros também foram simpáticos, foram bacanas, é isso, você vai fazendo, você vai entendendo o que o público gosta mais, você faz melhor. A Helena foi unânime, para mim foi delicioso, ela era uma vilã que não era odiada, porque, enfim, têm essas coisas, eu tinha vinte mil justificativas para ela, porque ela fazia aquilo, eu defendia com unhas e dentes, entendeu?

MCB: Você com o cabelo curtinho, eu me lembro bem.

DP: Cabelo curtinho, exatamente. A segunda eu também fiz com o cabelo curtinho, a terceira eu já fiz com um cabelão.

MCB: Mas você fez poucos trabalhos na televisão, não é, Dora?

DP: É.

MCB: Foi falta de convite ou você que não quis correr atrás? 

DP: Pula essa parte.

MCB: Eu perguntei porque a gente sente falta de você na telinha.

DP: Pois é menino, eu também sinto, sabia? Eram outros tempos. Se você quer saber, eu adoraria fazer um trabalho agora, de retornar, acho que agora estou mais madura, já entendo o veículo, como que ele é, entendeu? Já estou menos rebelde. Adoraria fazer de novo uma novela. Eu fiz uma mini participação com o João Falcão, caramba, sabe quando você entra... eu entrei naquele estúdio e é um lugar em que me sinto bem, é um lugar que pra mim é familiar, é engraçado.

MCB: O que você fez com o Falcão?

DP: Eu fiz agora, há pouco tempo, eu fiz o Louco por elas, uma participação.

MCB: Que é um seriado bem bacana.

DP: É, uma delicia. Eu já trabalhei com o João no Burguês, e aí eu fiz com a Luísa Arraes, que é filha do Guel, que eu vi pequenininha. Foi uma emoção, foi bom, foi bom ter feito. Então televisão é uma coisa que está nos meus planos, vou voltar, você pode escrever isso, estou mais tranquila, estou com o temperamento melhor para voltar.

MCB: Eu falo isso porque eu sinto falta mesmo, principalmente sua Helena foi tão marcante que a gente imaginava que seria uma carreira grande na televisão, entendeu?

DP: Sim, sim, enfim, era para ter sido mesmo, mas eu fui rebelde, a culpa é minha.

MCB: No cinema o primeiro filme é o Álbum de família (1981, Braz Chediak). 

DP: Jura? Nem sei. Não, o primeiro é Cabaret mineiro (1980, Carlos Alberto Prates Correia). Eu tinha 17 anos, aí depois veio O homem do pau-brasil (1981, Joaquim Pedro de Andrade). Eu nem me lembrava que tinha feito o Álbum. Eu fiz uma cena muito bonitinha com o Rubens Correia, muito bonitinha, muito delicada, mas nem lembrava, juro por Deus.

MCB: Recuperando um pouquinho, o Cabaret mineiro é um grande filme e o Prates é um grande cineasta, ele é mineiro de Montes Claros. Como foi trabalhar com ele nesse filme?

DP: Foi ótimo, mas eu era muito novinha, aí eu tive que viajar, eu fui lá para uma cidadezinha, acho que perto de Montes Claros, linda, por sinal, Mas tudo era muito novo para mim, e como eu vinha do teatro, cinema é tudo menorzinho, é uma linguagem difícil viu, não é fácil não.

MCB: Você consegue se lembrar da sua primeira sensação do primeiro set?

DP: Me lembro, me lembro do Nelson Dantas me falando “Dora, você não precisa rir hahaha, pode rir mais menorzinho”, me dando uns toques bacanas. Enfim, eu não tinha noção, para mim o espaço era o espaço do teatro, não tinha sacado, aí você vai entendendo, obviamente, o que era aquela coisa, que se você fizer o hahaha o público vai sair correndo, você vai engolir o público, é tudo menor, é tudo mais econômico.

MCB: É uma estreia em filmes de cara em um cinema muito autoral, né, porque o Prates é um cinema muito autoral, e depois vem o O homem do pau-brasil, com o Joaquim.

DP: Eu sou uma atriz de homens e diretores autorais. É verdade, dois cineastas bacanérrimos, O homem foi delicioso. A Pagu, né. Foi uma delicia, uma delicia, fizemos na praia, grande parte do filme na praia, pelados. O Joaquim era um grande diretor, uma pessoa gracinha, com quem me dei super bem, e trabalhei com pessoas geniais, Dina (Sfat), Itala (Nandi). Sempre tinha isso, eu, muito novinha, vendo aquele mitos, que para mim eram pessoas enormes.

MCB: Eu sinto uma falta absurda da Dina Sfat.

DP: Pois é, ela era bacanérrima.

MCB: E a relação foi boa com ela?

DP: Boa, a Dina fez, durante muito tempo, terapia com meu pai (Hélio Pellegrino), tinha uma enorme admiração por ele. A gente ficou muito amiga, muito amiga mesmo, de jantar na casa dela, e depois me tornei amiga, sou grande amiga das filhas, da Bel e da Aninha.

MCB: A Dina era uma grande atriz.

DP: Era, e linda, né, uma mulher, uma personalidade forte, inteligente.

MCB: E ai você faz também O segredo da múmia (1981), do Ivan Cardoso.

DP: Rsrsrs O segredo da múmia, você está falando esse só porque o Ivan é super cult, né? rsrs ... é engraçado, eu faço uma mulher fera, enfim, aquelas coisas que você fazia tudo, né.

MCB: Mas o filme do Ivan é lindo, eu adoro.

DP: É bárbaro, eu também acho. Mas é porque guando eu me olho como mulher fera eu tenho vontade de sair correndo rsrsr, toda xexelenta. Mas enfim, eu adoro as coisas do Ivan também, sou muito amiga dele.

MCB: Porque ele continua nessa linha.

DP: Continua.

MCB: E você continua nessa linha autoral, porque o cinema do Ivan Cardoso é ímpar, só ele faz aquele cinema.

DP: Só ele faz, é verdade, e é moderníssimo.

MCB: É, eu adoro.

DP: Moderníssimo, é verdade. Porque ele faz não só cinema muito bem, como ele tira fotos muito bem. Ele é obcecado por inventar, ele é um inventor, ele é aquele personagem de todos os filmes dele, ele é o inventor, acho que inventor é o superego dele.

MCB: Eu gosto dos filmes dele, e O segredo da múmia é considerado um grande filme, e que é o filme que você fez.

DP: Para você ver, que coisa, o elenco é extraordinário, é um elenco bárbaro, só pessoal de teatro, Regina (Casé), Anselmo (Vasconcelos), quem mais? Nem sei, nem me lembro mais. Ele apostava também em gente, o Felipe (Falcão), o careca que faz o Coisa, ele não era um ator, era um cantor de ópera, enfim, é uma mistura que deu certo.

MCB: É um filme que sobreviveu, aliás, o cinema do Ivan esta aí com frescor até hoje.

DP: É verdade.

MCB: Você faz um outro filme que eu me lembro bem quando foi lançado, eu assisti na época, em que tem também um papel marcante seu, que é Urubus e papagaios (1987, José Jofilly).

DP: Ah, Urubus, é, menino, como eu trabalhei com o Nelson (Dantas), agora que estou vendo. Com direção do José Joffily, que também foi muito divertido fazer, porque o Nelson era uma delicia e o Joffily também, aí a gente foi pro Bananal, em uma fazenda, e tinha uma galera jovem, Felipe Camargo, Henrique Diaz.

MCB: Roberto Bomtempo, Louise Cardoso.

DP: Bomtempo, exatamente, então era divertidíssimo, Louise e Anselmo (Vasconcelos) também faziam, elenco enorme, tinha Cláudia Jimenez, era um filme de elenco bacanérrimo.

MCB: A relação com o Jofilly como diretor foi bacana?

DP: Um doce, uma pessoa muito delicada, foi ótimo. Agora cinema é bom, tem essa coisa boa do cinema, no cinema você vira uma família por aquele tempo e vive aquilo intensamente, e viajando então. A gente fez o filme todo em Bananal, então era acordar, dormir, acordava com a galera, era gostoso, e o José é uma delicia.

MCB: E aí você faz o Rádio pirata (1987, Lael Rodrigues).

DP: Rádio pirata, sabe que eu gosto desse filme?

MCB: Eu também, e é outro diretor que só faz esse tipo de filme, que é o Lael Rodrigues.

DP: Pois é, ele morreu, né?

MCB: Sim, viu como o seu cinema é bem autoral mesmo?

DP: É verdade, tem toda razão, é verdade.

MCB: Porque o Lael fez esses filmes para jovens, o Antônio Calmon também fez alguma coisa na época, mas os Lael tinha esses filmes juvenis e filmes musicais também, é um diretor importante.

DP: Exatamente.

MCB: Como foi fazer o Rádio pirata?

DP: Foi bom também, foi bom. Ele morreu, né?

MCB: Ele morreu muito jovem, morreu no final da década de 80, não tinha nem quarenta anos ainda.

DP: É verdade, foi bom, ele era bacana. Eu trabalhei com aquele ator extraordinário, ótimo, a minha primeira cena, em que estou de óculos, eu estava com conjuntivite. Eu liguei dizendo que não podia filmar, mas eles disseram que era para eu ir, daí eu filmei de óculos.  com aquele ator, um comediante bárbaro, como se chama (Oswaldo Loureiro)?  A gente riu muito e foi uma coisa que marcou, foi gostoso.

MCB: Você tinha noção da importância que esses filmes viriam ter, esse espaço, o filme do Prates, o do Ivan?

DP: Tinha, o do Joaquim e do Prates certamente tinha, eram pessoas que já tinham um nome no Cinema Novo muito forte, o Joaquim, acho que o Joaquim é até mais velho que o Prates. O Ivan menos, O segredo não foi o primeiro longa do Ivan? .

MCB: Foi.

DP: Era um cineasta jovem, começando.

MCB: ele tinha feito algumas coisas antes.

DP: O Ivan foi uma surpresa para mim, há pouco tempo estivemos juntos, eu soube cosias do Ivan que acho que ninguém sabe, ele é muito talentoso, ele teve uma história com Raul Seixas, ele tem fotos extraordinárias do Raul, ele é uma história viva do Rio de Janeiro, é incrível. O Ivan está aí, é um talento, viu, eu não conhecia direito Ivan, conheci essa coisa dos filmes, das fotos, dos livros, ele é muito especial mesmo.

MCB: Com o Fábio Barreto você fez o Nossa Senhora de Caravaggio (2005). Foi o único?

DP: Foi, eu ia fazer O quatrilho (1995), mas aí a gente se separou e não deixaram fazer, não era para eu fazer mesmo.

MCB: Quando vocês estavam casados vocês não fizeram nenhum não, não é? Porque o Caravaggio é depois do Quatrilho

DP: É.

MCB: Eu achava isso curioso. porque eu imaginava que você por vocês serem casados, que naturalmente...

DP: Aquela velha coisa, né, casa de ferreiro... É, enfim, acabei tendo uma filha com ele, aí não sei o quê, a vida vai, projetos. A gente se separou, depois voltamos, enfim, muita coisa.

MCB: Como foi ele dirigindo?

DP: Foi ótimo. O Fábio é delicioso de trabalhar também, ele é muito doce, ele sabe o que quer, ele comanda bem as pessoas com voz assim muito mansa, muito bacana, foi ótimo. Também fiz uma megerona, que acaba se redimindo no final, foi bom.

MCB: Ele anda se recuperando, né, tendo melhoras.

DP: É, claro, tá indo, estamos caminhando, vamos torcer, pegar com Deus.

MCB: Esse foi o ultimo filme que você fez?

DP: Não, eu fiz um filme há pouco tempo com a Nicole Algranti, que é sobrinha-neta da Clarice Lispector, sobre o livro dela de entrevistas, que chama-se De corpo inteiro (2010).

MCB: O documentário?

DP: Não, é um média-metragem, não é documentário. Foi muito bacana, ela pegou dez atrizes bacanézimas e fez dez Clarices, entendeu? Pegou várias entrevistas desse livro, que foi entrevistas que a Clarice fez realmente. Eu faço duas entrevistas, uma com o Carlinhos de Oliveira. Foi uma experiência muito interessante, das dez Clarices uma é feita pela Beth Goulart, uma comigo, outra pela Leticia Spiller, bom, não vou me lembrar de todas, mas são todas atrizes bárbaras, atrizes muito bacanas fazendo as Clarices.

MCB: Aracy Balabanian também, né?

DP: Exatamente, Sílvia Buarque, enfim, foi uma experiência interessante. Eu fiz uma voz normal, depois quando eu fui fazer a entrevista com o Carlinhos, obviamente que foi mais pra frente, eu comecei a estudar o texto, aí a Nicole tinha me mandado uma entrevista da Clarice, que é famozérrima, é ela lá na TV. A gente começou a ouvir aquela entrevista e tal, e, menino, aquela coisa começou a entrar em mim e não conseguia falar aquele texto daquela forma, eu falei “cara, eu não vou conseguir falar”. Eu vou cometer uma super ousadia, porque eu sou muito critica, sofro pra burro, eu detesto me ver. Eu já tinha feito a primeira entrevista com a voz normal, aí chegamos no dia da primeira filmagem do Carlinhos e falei “Nicole, eu tenho que te falar uma coisa, você vai ter duas fases em uma pessoa só, porque eu não consegui falar esse texto diferente”. E estava muito parecido, muito parecido mesmo, ela achou o máximo, foi super ousado, bacana, e ficou ótimo. Gostei de ter cometido uma ousadia, porque eu falei meu Deus, está uma merda, imagina me vendo fazer aquele sotaque da Clarice, vou morrer. Mas não achei ruim não.

MCB: Esse foi o último filme que você fez?

DP: Esse foi o último.

MCB: Você agora está atuando mais no teatro, não é isso?

DP: Estou. Agora eu estou com um projeto muito legal que eu quero botar na roda, quero fazer um filme sobre os textos do meu pai. E também acabaram me chamando para fazer uma outra peça. Mas esse é meu projeto e que quero realizar, eu já estou com ele há muito tempo, uns quatro anos.

MCB: Ele gostava da sua carreira? 

DP: Gostava, dava a maior força, ele tinha pacientes que eram meus fãs rsrs. Ele gostava, gostava mesmo, meus pais adoravam, minha mãe então era minha tietézima. Eu tinha um circo, né rsrsrs. Teve uma época que eu era proprietária de um circo aqui na Gávea, então a gente tinha pouquíssimo público, era eu e Paulo Reis, e aí a gente fazia uma peça, eu, Pereira, Anselmo Vasconcelos, Lícia Manzo, que hoje é autora de novela, Aluísio de Abreu. A gente tinha pouquinho público, e a mamãe ia toda santa noite me ver rsrsr, então a gente falava assim “não fazemos com menos de três”, só tinha dois, e aí chegava mamãe, pronto, tinha que fazer rsrs, era minha tietézima rsrsr.

MCB: O seu pai é uma personalidade brasileira importantíssima. Tomara que você consiga levar esse filme em diante. 

DP: Pois é, não é filme não, é uma peça. Mas também tem um projeto de fazer tipo, não um documentário chato, mas, inclusive, aproveitar as pessoas que foram da época e estão aí, ainda tem gente bacana por aí que teve uma convivência muito próxima com o papai.

MCB: Para encerrar, as duas únicas perguntas fixas do site: qual o último filme brasileiro a que você assistiu? E a segunda, enquanto você vai pensando, é qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada em sua entrevista como homenagem?

DP: Fernanda Montenegro. Primeiro que ela é uma grande atriz... Posso deixar duas?

MCB: Sim, claro.

DP: Bom, eu vou falar duas brasileiras que eu acho extraordinárias: Fernanda e Marília (Pêra). Fernanda por toda história de vida dela, a cabeça, né, está aí linda, fazendo as coisas com oitenta e tantos anos, sempre faz muito bem com aquela cara, as marcas do tempo, que estão chegando. Enfim, é uma pessoa que, para mim, entendeu o que é essa carreira da gente de uma forma muito inteligente e leva de uma forma muito inteligente, é uma pessoa extraordinária. E Marília também, que é uma deusa, é um talento, é uma explosão de talento, a Marília é uma explosão. As duas são muito inteligentes, mas personalidades muito diferentes. Eu adoraria ter um pouquinho das duas, sabe, essa coisa da Fernanda e da Marília.

MCB: Dora, alguma coisa que eu não te perguntei e que você queira acrescentar?

DP: Não, foi um prazer enorme mesmo falar com você e que seu site faça muito sucesso.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada em abril de 2013.
Foto: acervo da atriz.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.